Em decisão publicada no último dia 28, a Corte Especial
do Superior Tribunal de Justiça instaurou procedimento de revisão da tese
firmada no Tema 677, segundo a qual "na fase de execução, o depósito
judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação
do devedor, nos limites da quantia depositada". A partir de 2016, houve o
surgimento de divergência no âmbito do próprio STJ sobre a aplicação da referida
tese, se sorte que se impõe o reexame do tema, especialmente para adequá-lo à
legislação de direito material.
Com efeito, por ocasião do julgamento do REsp 1.348.640-RS,
oportunidade em que foi fixada a tese retratada no tema 677, a Corte Especial
examinou, única e exclusivamente, a quem cabia a responsabilidade na
atualização dos valores depositados em juízo na fase de execução, cuja resposta
já tinha sido dirimida pelas Súmulas 179 ("O estabelecimento de crédito
que recebe dinheiro em depósito judicial responde pelo pagamento da
correção monetária relativa aos valores recolhidos") e 271 ("A
correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra
o banco depositário"). O acórdão proferido pelo TJ-RS assentara que o
débito deveria ser atualizado até o levantamento do valor depositado, com
posterior amortização, e que o depósito parcial atraia a incidência da multa de
10% prevista no artigo 4.756-J do CPC/73.
O julgamento do REsp 1.348.640-RS limitou-se a reafirmar o
entendimento de que a responsabilidade pela atualização monetária de valores em
depósito judicial seria da instituição financeira em que o numerário foi
depositado. Em outros termos, no referido julgamento não foram examinados os
efeitos jurídicos do depósito do montante da condenação na fase da execução,
isto é, não se examinou se o depósito em dinheiro, na fase da execução, do
valor da condenação tem o efeito de gerar a extinção da obrigação.
Mesmo assim, a tese firmada no tema 677
reportou explicitamente que o depósito judicial do montante integral da
condenação extinguiria a obrigação do devedor. Verifica-se, por oportuno, que o
caso concreto examinado no REsp 1.348.640-RS não tinha como discussão central
se a penhora em dinheiro teria o mesmo efeito de adimplemento da obrigação.
A rigor, a discussão se o depósito judicial do valor da
condenação na fase de execução tem ou não o mesmo efeito de pagamento deve ser
examinada à luz do direito material vigente. Para que o depósito judicial em
dinheiro (penhora), na fase de execução, tenha o mesmo efeito jurídico do
pagamento, afigura-se indispensável haver previsão legal que assim estabeleça,
sob pena de se estar criando uma hipótese ilegal de extinção da obrigação.
Ilustrativamente, o Código Civil, em seu artigos 336 e 337,
preceitua que a consignação em pagamento, que observe os requisitos do objeto,
modo e tempo, tem efeito jurídico de adimplemento da obrigação, cessando os
juros da dívida, e o Código Tributário Nacional, em seus artigos 151 e 156,
estabelece que o depósito do montante integral do débito configura hipótese de
não apenas suspensão de exigibilidade do crédito tributária, mas também de
extinção do crédito tributário, diante da conversão do depósito em renda.
Nas hipóteses de consignação em pagamento retratadas no
Código Civil e no Código Tributário Nacional, em que o devedor efetua o
depósito da quantia tida como devida, haverá a extinção da obrigação, caso haja
observância do objeto, modo e tempo, isto é, o depósito será reputado como
pagamento, caso seja efetuado no montante integral.
Além disso, é imprescindível assinalar que, nas hipóteses do
Código Civil, é direito do credor efetuar o levantamento do depósito, sem
prejuízo de continuar o andamento da demanda civil, de sorte que há a imediata
disponibilidade da quantia depositada em favor do credor, a teor do artigo 545,
§1º, do NCPC.
Uma vez realizado o depósito em dinheiro em demanda
tributária, o valor deve ficar indisponível até o trânsito em julgado da
sentença. Por força do artigo 32, §2º, da Lei 6.830/80, o levantamento de
depósito judicial pelo contribuinte ou a sua conversão em renda da Fazenda
Pública sujeita-se ao trânsito em julgado da decisão que reconheceu ou afastou
a legitimidade da exação. A destinação do depósito, se conversão em renda ou
levantamento pelo contribuinte, depende da existência ou não do crédito
tributário a ser dirimida com o trânsito em julgado da sentença. O depósito
judicial somente poderá ser levantado pelo contribuinte que, no mérito, se
sagre vendedor e o crédito tributário seja considerado indevido. Nos demais
casos, o depósito se converte em prenda do valor depositado em favor do ente
público.
De outro lado, em se tratando de depósito judicial de
dinheiro realizado na fase de execução da sentença, a legislação civil não
considera a penhora em dinheiro como meio de extinção da obrigação, além de que
tal valor não pode ser levantado desde logo pelo credor.
Nesste contexto, em relação à impossibilidade de imediato
levantamento pelo credor, na vigência do CPC/73, prevaleceu o entendimento de
que o mero depósito em garantia do juízo, com a finalidade de se impugnar o
cumprimento de sentença, não configura adimplemento voluntário da obrigação,
eis que a extinção desta somente ocorre quando o valor depositado ingressa no
campo da disponibilidade do credor (REsp 1.175.763/RS, relator
ministro Marco Buzzi; AgRg no REsp 1.283.941/SC, relator ministro Luis
Felipe Salomão; AgRg no REsp 1.014.133/RN, relator ministro Raul Araújo).
Por isso que, mesmo após a edição do tema 677, a 3ª Turma do
STJ, no julgamento do REsp 1.475.859/RJ, relator ministro João Otávio de
Noronha, assentou o entendimento de que "não há previsão específica
que reconheça o depósito em garantia do Juízo como modalidade de pagamento, de
modo a permitir se lhe atribua efeito liberatório do devedor, tomando por
cumprida a obrigação. Nem mesmo é possível equipará-lo ao pagamento em
consignação previsto no artigo 334 e seguintes do Código Civil. Neste, o valor
consignado é reconhecido como devido pelo depositante, que quer cumprir sua
obrigação, enquanto que, no depósito em garantia do Juízo, há resistência do
devedor, que entende não ser devida a obrigação que lhe é exigida".
Por conseguinte, o valor depositado judicialmente libera o
devedor nos limites da quantia depositada, mas não o libera dos consectários
próprios de sua obrigação fixada na sentença ou no título extrajudicial,
devendo-se, quando do efetivo pagamento ao credor, deduzir do montante
calculado na forma do título judicial ou extrajudicial o valor depositado
judicialmente e acrescido da correção monetária e juros pagos pela instituição
financeira depositária. Isto é, quando houver a liberação do valor penhorado ao
credor, deve haver o acréscimo pelos penhojuros e correção monetária pagos pela
instituição financeira pelo período em que atuou como depositária, e, caso esse
valor seja insuficiente para quitar a dívida, de acordo com os critérios
definidos pela sentença ou constantes do título, o devedor deverá ser compelido
a pagar ainda o saldo remanescente.
Portanto, em boa hora o STJ deve reexaminar a discussão dos
efeitos da penhora de valores na fase de execução, objeto do tema 677,
especialmente para esclarecer que a extinção da obrigação é tema reservado à
legislação de Direito material, a exemplo do que ocorre com o Código Civil e
com o Código Tributário Nacional, e a mera penhora em dinheiro não configura
adimplemento da obrigação, quer diante da ausência de previsão legal, quer
diante da constatação de que o valor não ingressa no campo da disponibilidade
do credor.
Fonte: Consultor Jurídico