Há muitas discussões e análises sobre o contencioso judicial
que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) está gerando e seu
potencial de ser uma espécie de novo Código de Defesa do Consumidor em termos
de volume de litigância no Brasil.
Mas há outro contencioso de igual importância e que também
merece nossa atenção: o contencioso administrativo.
Conforme estabelecido pela LGPD, a Autoridade Nacional de
Proteção de Dados (ANPD) tem competência para fiscalizar e aplicar sanções
administrativas que englobam desde a mera advertência até multa de 2% do
faturamento, limitada a R$ 50 milhões por infração.
Ainda que a competência para aplicação das sanções
administrativas previstas na LGPD seja exclusiva da ANPD e haja disposição no
artigo 55-K quanto ao papel prevalente da ANPD em matéria de proteção de dados,
a redação final do aludido artigo deixa clara a possibilidade de atuação da
ANPD de forma articulada com outros órgãos e agências com competências
sancionatórias afetas ao tema de proteção de dados pessoais.
Sob esse aspecto, é importante lembrar que embasados nos
dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, Marco Civil da Internet e
Código Civil, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e os Procons
estaduais já estavam atentos, desde antes da vigência da LGPD, ao tratamento de
dados pessoais, em especial no tocante à privacidade e proteção dos dados que
são fruto de relações de consumo.
A Senacon já se manifestou no sentido de que há competência
concorrente dos diversos órgãos que atuam em prol dos consumidores brasileiros
para trabalhar nesse sentido também no que diz respeito à proteção de dados
pessoais, tudo de maneira concomitante à atuação da ANPD. Há 34 processos
administrativos sobre a temática privacidade e proteção de dados pessoais em
curso na Senacon.
Também merece destaque a atuação do Procon SP, que já expôs
o seu posicionamento, em especial quanto à restrição na utilização de dados
pessoais para fins publicitários e de marketing no âmbito digital, e também já
deu início a processos administrativos acerca de possível vazamento de dados
por plataformas digitais e pela ausência de consentimento dos consumidores para
o tratamento de dados pessoais.
Esses órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor estão autorizados por lei a aplicar sanções administrativas cujas
multas podem chegar a quase R$ 10 milhões. A decisão administrativa pode ser
revista pelo Poder Judiciário. E nesse momento de formação do primeiro Conselho
Diretor da ANPD, é de salutar importância saber o que esperar do contencioso
administrativo no âmbito da própria instituição.
Os membros do Conselho já se manifestaram sobre o tema em
sabatina no Senado Federal. Waldemar Gonçalves Ortunho Junior afirmou ser
necessário valorizar a inovação de tal forma que as punições legais devem ser a
última alternativa no sistema. Arthur Pereira Sabbat, porém, ressaltou o papel
fiscalizador da ANPD, demonstrando preocupação com a segurança da informação.
Aparentemente na mesma linha estão as posições de Joacil Basilio Rael, que
ressaltou a importância da prestação de contas, sobretudo das empresas de
grande porte e atuantes no setor de tecnologia, sinalizando, ainda, dispensar
tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas.
Já Nairane Farias Rabelo Leitão indicou seguir uma posição
mais conciliadora, afirmando ser imprescindível uma atuação combinada da ANPD
com a comunidade científica, iniciativa privada e órgãos públicos. Ela já
afirmou que buscará a utilização de instrumentos adequados e autocompositivos
para a solução de conflitos.
Por fim, Miriam Wimmer parece seguir o mesmo entendimento,
mas sob outro aspecto: entendeu necessária a articulação institucional da ANPD,
em especial no cenário complexo de enforcement das normas de proteção de dados,
mostrando-se indispensável uma relação harmoniosa da ANPD com as demais
autoridades públicas que atuam na área.
Evidente que esses apontamentos foram refletidos de maneira
ainda incipiente e com base em declarações esparsas dessas autoridades, mas até
o momento parece que as palavras-chave desses posicionamentos são: inovação,
segurança da informação, harmonia, composição e prestação de contas. Do ponto
de vista fiscalizatório e, consequentemente, sancionador, o foco parece estar
voltado para as empresas de grande porte e atuantes no setor de tecnologia,
sobretudo sobre os incidentes de segurança.
Ainda assim, em que pese ser uma linha comum entre todos a
importância do papel fiscalizador da ANPD, é possível vislumbrar uma atuação
voltada para a conciliação e negociação. Pelo discurso dos diretores nomeados,
neste início de atuação a ANPD estará focada na articulação institucional, bem
como na atuação harmônica e conjunta com as demais autoridades administrativas
brasileiras e com os diversos setores da economia.
Enquanto órgão competente de forma exclusiva para a
aplicação das sanções decorrentes da LGPD e entidade responsável pela
interpretação da referida lei de forma terminativa na esfera administrativa, a
ANPD é peça chave para entender o futuro contencioso administrativo envolvendo
a privacidade e proteção de dados pessoais no país.
Fonte: O Estado de São Paulo