A Medida Provisória (MP) 992, de 2020, foi publicada
no Diário Oficial da União em 16 de julho deste ano. O objeto da
proposta era amplo, contemplando: 1) o compartilhamento de alienação
fiduciária; 2) a concessão de crédito a microempresas e empresas de pequeno e
de médio porte no âmbito do Programa de Capital de Giro para Preservação de
Empresas (CGPE); 3) o crédito presumido apurado com base em créditos
decorrentes de diferenças temporárias pelas instituições financeiras e pelas
demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; e 4)
a dispensa do cumprimento de exigências de demonstração de regularidade fiscal
nas operações praticadas pelo Banco Central do Brasil em decorrência do
disposto no artigo 7º da Emenda Constitucional nº 106, de 7 de maio deste ano.
Este artigo abordará, em especial, a regulamentação acerca
da alienação fiduciária compartilhada.
A alienação fiduciária é uma espécie de garantia amplamente
utilizada pelo sistema brasileiro, sobretudo pela facilidade da satisfação do
crédito em hipótese de inadimplemento. Por meio dela, o devedor fiduciante
transfere a propriedade resolúvel da coisa ao credor fiduciário, como garantia
do cumprimento de uma obrigação assumida.
Em outras palavras, utilizando-se do instituto, mesmo com a
transferência da posse indireta e da propriedade resolúvel ao credor
fiduciário, o devedor fiduciante pode usar a coisa enquanto ela está garantindo
o adimplemento obrigacional.
De suma importância para o Direito Imobiliário, a alienação
fiduciária é uma das modalidades de garantia mais utilizadas para a aquisição
de bens imóveis no Brasil.
Ante a relevância e a urgência do impulsionamento do mercado
de crédito, o presidente Jair Bolsonaro editou a MP 992/2020, na qual previu,
dentre outras medidas, a possibilidade do compartilhamento da alienação
fiduciária em garantia. Em suma, disciplinou que um mesmo bem poderia ser
alienado fiduciariamente como garantia de mais de uma operação de crédito.
A surpreendente inovação prevista pela Medida Provisória na
tentativa de auxiliar a obtenção de crédito aos brasileiros evidenciou a
flexibilidade conferida a um momento econômico sensível.
De acordo com a MP 992, seria permitido ao devedor
fiduciante oferecer o bem imóvel alienado fiduciariamente como garantia de
operações de crédito novas e autônomas, desde que observado o valor total do
bem. Para isso, a nova operação deveria ser contratada com o mesmo credor
fiduciário, o qual deveria consentir.
Destacando a publicidade registral imobiliária, a medida
previu que, embora o compartilhamento da alienação fiduciária da coisa imóvel
pudesse ser formalizado por meio de instrumento público ou particular, inclusive
eletronicamente, deveria ser averbado no cartório de registro de imóveis
competente, contendo as seguintes especificidades: "I. valor
principal da nova operação de crédito; II. taxa de juros e encargos incidentes;
III. prazo e condições de reposição do empréstimo ou do crédito do credor
fiduciário; IV. declaração do fiduciante, de que trata o § 2º do artigo 9-A,
quando pessoa natural; V. prazo de carência, após o qual será expedida a
intimação para constituição em mora do fiduciante; VI. cláusula com a previsão
de que, enquanto o fiduciante estiver adimplente, este poderá utilizar
livremente, por sua conta e risco, o imóvel objeto da alienação fiduciária;
VII. cláusula com a previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação
da mora, de que trata o artigo 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a
quaisquer das operações de crédito, faculta ao credor fiduciário considerar
vencidas antecipadamente as demais operações de crédito contratadas no âmbito
do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a
totalidade da dívida para todos os efeitos legais; e VIII. cláusula com a
previsão de que as disposições e os requisitos de que trata o artigo 27 da Lei
nº 9.514, de 1997, deverão ser cumpridos".
Ademais, o prazo do novo contrato de alienação fiduciária
também não poderia ser superior ao tempo remanescente na primeira operação. Não
obstante, a razão entre o valor nominal total das obrigações garantidas e o
valor do imóvel oferecido deveria observar os limites que aplicados originariamente
à primeira operação.
Ocorre que a Medida Provisória 992/2020 não foi convertida
em lei no prazo de 120 dias contados de sua edição, tendo, portanto, perdido
sua eficácia (artigo 60, §3º, da Constituição Federal).
Agora, conforme prevê o texto constitucional, o Congresso
Nacional deveria, em até 60 dias, disciplinar as relações jurídicas dela
decorrentes por meio de decreto legislativo.
O Parlamento, entretanto, raramente edita o referido
decreto, de modo que as relações jurídicas constituídas durante a vigência de
medidas provisórias conservam-se por elas regidas. Destarte, os negócios
jurídicos firmados com base na MP 992/2020 presumivelmente permanecerão
salvaguardados.
Evidencia-se que é vedado ao presidente da República
reeditar medida provisória, durante a mesma sessão legislativa — período
correspondente a um ano de trabalho do Congresso Nacional —, por expressa
vedação constitucional (artigo 60, §10, da Constituição Federal).
Desse modo, o presidente da República somente poderá
submeter proposta semelhante ao Legislativo no próximo ano. Não se descarta,
porém, a hipótese de regulamentação da alienação fiduciária compartilhada por
projeto de lei de iniciativa parlamentar, proposição que não se sujeita àquela
vedação constitucional.
Ao que tudo indica, nova medida provisória sobre o tema não
será editada no curto prazo, haja vista que a perda de eficácia da matéria é
resultado de processos obstrutivos da própria base do governo. Entende-se,
portanto, que a proposta não integrava o rol de prioridades do Planalto.
Conclui-se que a expectativa de que o instituto da alienação
fiduciária compartilhada traria impactos positivos ao fluxo de financiamento e
ao mercado de crédito ao médio e ao longo prazo não prosperou, sobretudo pela
caducidade da medida provisória que o regulamentava. Os contratantes que
pactuaram contrato com esse fim deverão aguardar o prazo de 60 a partir da
última sexta-feira (13/11) para que o Congresso Nacional edite decreto
legislativo disciplinando os contratos firmados em decorrência da MP 992/2020.
Caso o prazo decorra sem que haja a adoção de providências pelo Congresso, as
relações jurídicas constituídas com fulcro na MP 992/2020, durante sua
vigência, serão conservadas nos moldes que se originaram.
Fonte: Consultor Jurídico