Em vinte e três de outubro, o Supremo Tribunal Federal
iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário 851108, o qual trata da
incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) quando o
doador tem domicílio ou residência no exterior, e quando o de
cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário
processado no exterior.
Nestas hipóteses, a Constituição Federal exige a existência
de lei complementar (norma diferenciada, que demanda um quórum de aprovação
mais alto no Poder Legislativo) para que o tributo possa ser instituído, e
consequentemente cobrado pelos estados. Ocorre que, mais de vinte e cinco anos
após a inclusão desta previsão na Constituição, a lei ainda não existe em
âmbito nacional.
Diante da inércia do legislativo brasileiro, vários estados
editaram suas próprias leis para cobrar o ITCMD sobre operações envolvendo o
exterior. Fundamentaram essa prática no suposto direito de legislarem de
maneira plena quando há inércia/omissão do Congresso Nacional.
Entretanto, contribuintes viram essa prática como
inconstitucional, pois esse direito de legislar supletivamente teria
consequências que excederiam os limites dos poderes tributantes, e implicaria
provável bitributação. Em outras palavras, apenas lei complementar nacional
poderia trazer normas sobre o tema, e não lei complementar estadual.
Tal impasse deu origem a diversas discussões administrativas
e judiciais. Apesar de não existir unanimidade nos julgamentos, o entendimento
majoritário dos tribunais pátrios é pela inconstitucionalidade das leis
estaduais e consequente não incidência do tributo.
Em virtude da grande relevância do tema para a arrecadação
dos estados, e da enxurrada de ações judiciais discutindo a questão, foi
reconhecida a repercussão geral do tema pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de
uniformizar o entendimento judicial. O julgamento do mérito, entretanto, foi
iniciado apenas cinco anos depois.
O tema causa grande polêmica. Não é incomum que famílias com
alto poder aquisitivo criem estruturas legais para manutenção de seu patrimônio
no exterior. Entretanto, alguns contribuintes praticam ilegalidades por meio
delas, enviando patrimônio ao exterior, transferindo a herdeiros, e
posteriormente repatriando o capital, com o único intuito de evitar a
tributação brasileira (abuso de formas).
Do outro lado da moeda, há contribuintes que não praticaram
nenhuma ilegalidade, porém se veem obrigados a recolher um tributo instituído
por lei inconstitucional. É o caso de trabalhadores que migram temporariamente
ao Brasil, e nesse meio tempo recebem doações ou heranças as quais, na maior parte
das vezes, já são tributadas em seus países de origem.
Em seu voto, o Ministro Dias Toffoli (relator) sugeriu tese
de repercussão geral favorável aos contribuintes, propondo que é vedado aos
estados instituir o ITCMD nas hipóteses discutidas sem a existência de lei
complementar nacional. Contudo, também foi sugerida a modulação dos efeitos da
decisão apenas aos fatos geradores ocorridos após a publicação de acórdão.
A modulação busca evitar o grande impacto nos cofres
públicos estaduais: apenas em São Paulo, a perda seria de R$ 5 bilhões nos
próximos cinco anos. Entretanto, ela impacta negativamente todos os
contribuintes os quais já têm discussões em curso – apesar de ser reconhecida a
inconstitucionalidade das leis estaduais, o tributo ainda seria cobrado.
Até o momento da elaboração do presente texto, o Ministro
Edson Fachin acompanhou o voto do relator, e o Ministro Alexandre de Moraes
apresentou pedido de vista.
Fonte: Bem Paraná