A pergunta que fica para o período pós-pandemia: seria
esse o início do caminho para flexibilização, celeridade e eficácia nos
processos de recuperação judicial?
Os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do covid-19
afetaram consideravelmente a saúde financeira de grande parte das empresas no
Brasil.
As empresas financeiramente saudáveis até então acenderam o
sinal amarelo, avaliaram riscos, traçaram planos de reestruturação para manter,
ainda que "aos trancos e barrancos", o negócio em andamento.
Já as empresas que tinham acendido o sinal vermelho antes
mesmo da pandemia, como é o caso das recuperandas, ou seja, aquelas empresas
que já haviam ingressado com recuperação judicial, se viram, via de regra, com
estratégicas para o enfrentamento da crise, mais engessadas pelas limitações
trazidas pela própria lei 11.101/05 - Lei de Recuperação e Falência.
Isso porque, a aprovação e homologação do Plano de
Recuperação Judicial, no qual são previstos os parâmetros para pagamento
dos credores, sujeitam a recuperanda ao seu cumprimento fiel, diante da falta
de previsão legal de aditivos a tais planos, apesar de já fazer parte de
construção jurisprudencial favorável a mudanças dos Planos de Recuperação
Judicial, via aditivo, em certas circunstâncias.
Pensando no cenário que estava por vir, o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), logo no início da pandemia, aprovou a recomendação
63/20, orientando o Poder Judiciário à flexibilização das regras dos
processos de recuperação judicial, para os casos de empresas que tiveram a
capacidade financeira afetada pela crise, justamente para permitir que a
devedora, dentre outras medidas recomendadas, como por exemplo a prorrogação
do stay period, apresente uma modificação do plano de pagamento aos seus
credores.
Por outro lado, a recomendação, em caráter excepcional, foi
recentemente aplicada de forma reversa, em processo judicial que tramita
perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a uma empresa da área de
saúde, em recuperação judicial, que, durante a pandemia, teve ganhos
extraordinários (e que não poderiam ser previstos), considerando o aumento da
produção da mercadoria comercializada, que passou de 50 ao mês para mais de 70
unidades por dia, além do aumento dos contratos firmados, possibilitando a melhora
nas condições de pagamento aos credores.
O que se verifica, portanto, é que, na busca de um
tratamento justo à empresa devedora e a seus credores, considerando o caráter
de excepcionalidade e estado de calamidade que se vive desde o mês de março de
2020, a situação econômica real decorrente do novo cenário ao devedor é ponto
crucial para buscar um novo formato de pagamento aos credores, seja com uma
alteração das condições mais favorável ao devedor, ou, como no caso
exemplificado, mais favorável aos credores.
Em ambos os cenários, as medidas foram adotadas para mitigar
os efeitos econômicos decorrentes da crise e garantir resultados melhores
durante esse período de excepcionalidade.
Uma medida e duas faces da mesma moeda.
A pergunta que fica para o período pós-pandemia: seria esse
o início do caminho para flexibilização, celeridade e eficácia nos processos de
recuperação judicial?
Fonte: Migalhas