Pensar na morte é historicamente um tabu. Planejar como as
coisas ocorrerão após nossa partida sempre foi tema delicado para todos os
seres humanos e é ainda mais espinhoso para latino-americanos. Nascemos e
queremos viver eternamente. Trabalhamos e acumulamos bens, porém a única
certeza que temos na vida é que um dia iremos partir. Com o surgimento do novo
coronavírus, as pessoas passaram a sentir ainda mais medo deste inevitável dia
e se viram obrigadas a pensar em alguma forma de planejamento.
A pandemia da Covid-19 vem provocando efeitos severos nos
mais diversos espectros da sociedade. São evidentes os reflexos do isolamento
social na dinâmica do trabalho e das relações pessoais, além do impacto na
renda da maior parte da população mundial. Esse cenário trouxe ainda mais
incerteza ao mercado.
Considerando que, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), 90% das empresas brasileiras têm perfil
familiar, todas elas e suas respectivas famílias acabaram invariavelmente
atingidas pela crise. No país, a grave crise na saúde pública veio ainda
acompanhada da histórica falta de planejamento, da ausência de coordenação das
ações entre governo federal, Estados e municípios e de uma reprovável disputa
político-eleitoral.
Com a interrupção ou diminuição das atividades, muitos
grupos voltaram seus olhos para dentro de casa e perceberam não possuir nenhum
projeto para a sucessão do comando das operações, nem tampouco para a gestão e
divisão do patrimônio amealhado. Isso intensificou a busca por advogados
capazes de elaborar um projeto de planejamento sucessório que assegurasse a
preservação da atividade geradora de receitas, a proteção dos sócios dos riscos
operacionais e a garantia de divisão dos bens conforme a vontade do núcleo
familiar — tudo com o menor custo tributário possível.
Planejamento sucessório nada mais é que o instrumento pelo
qual é possível organizar a transferência de bens de uma pessoa após a sua
morte. A finalidade principal é preservar o patrimônio na família, com um custo
menor, de acordo com a autonomia da vontade do de cujus e com a finalidade de
evitar futuros litígios familiares.
Três aspectos devem ser considerados para um planejamento
sucessório: societário, familiar e tributário. No aspecto familiar, se organiza
previamente a transferência do patrimônio aos herdeiros, protegendo a autonomia
da vontade dos patriarcas de uma forma ampla. Devemos ter em mente a influência
do regime de bens dos cônjuges, e também como ocorre a sucessão no país em
questão.
Alguns grupos familiares vêm antecipando a sucessão por meio
de doações em vida, com ou sem reservas, obrigando seus herdeiros e sucessores
a celebrar pactos que estabeleçam o regime de separação total de bens e
elaborando testamentos, além de celebrar acordos de quotistas para disciplinar
as regras de gestão. A mediação pode ser instrumento usado na fase inicial,
justamente para um estudo mais aprofundado da estrutura familiar.
Sendo a maioria das empresas nacionais sociedades limitadas
formadas por pequenas famílias, grande parte dos projetos de planejamento
patrimonial ou sucessório não contempla estruturas complexas ou custosas no
exterior, como fundações, holdings, offshore ou mesmo modalidades contratuais
como o trust. Um dos instrumentos mais utilizados nos projetos nacionais é a
constituição de holdings familiares. Essas sociedades, desde que corretamente
implementadas, configuram ótima alternativa para trazer maior eficiência e
menor custo, sem riscos para os sócios.
A holding familiar é feita através da integralização dos
bens pertencentes à família, sendo seu objeto principal a participação em outras
sociedades. Geralmente, é mista por constar imóveis e a sua administração, mas
pode ser pura. Usualmente integraliza-se os bens na pessoa jurídica e depois
doa as quotas aos herdeiros.
A doação pode ser realizada com reserva de usufruto, ou
seja, doa-se aos herdeiros apenas a nua-propriedade, permanecendo com o doador
o direito de uso e gozo dos frutos dos bens. Usufruto é direito real sobre
coisa alheia, ou seja, o doador utiliza a coisa como se fosse sua, mas não pode
dispor. Determina o artigo 1.394 do Código Civil: "O usufrutuário tem
direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos". Na holding, o
doador pode doar as quotas e se manter usufrutuário, recebendo dividendos e
administrando a empresa.
Há ainda cláusulas contratuais, que podem ser estabelecidas,
a fim de proteger a holding familiar de terceiros estranhos à família. São
elas: de usufruto, inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e
reversibilidade. Não há uma fórmula pronta para a constituição de uma holding
familiar, esta dependerá das características dos herdeiros, dos bens que
compõem o patrimônio e deverá trazer regras claras e eficientes de governança.
Evidentemente existem requisitos a serem observados para
assegurar a eficiência do instrumento e para evitar que as operações sejam
futuramente contestadas pela Receita Federal do Brasil (RFB), como a existência
de um propósito negocial. A concentração do patrimônio familiar e a comprovação
da maior facilidade na sua gestão devem ser considerados para legitimar sua existência.
Outro fator que inegavelmente motivou tal escalada na
procura pelos projetos foi o sentimento do iminente aumento da carga
tributária. Tramitam atualmente no Congresso Nacional três propostas de reforma
tributária (PEC nº 45, da Câmara dos Deputados; PEC nº 110, do Senado Federal;
e PL nº 3.887/2020) e a redação final poderá ser integralmente modificada antes
de um acordo para sua eventual aprovação, o que aumenta o risco.
Neste sentido, vários pontos debatidos pelas diferentes
lideranças poderão impactar diretamente o futuro das empresas, seus sócios,
herdeiros e sucessores. Entre eles o restabelecimento da tributação sobre os
dividendos e a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas (IGF).
No âmbito de Estados e municípios, o ITBI vem sistematicamente
sofrendo aumento das alíquotas, assim como o ITCMD cobrado pelos Estados e
Distrito Federal é objeto da sana arrecadatória constante. Alguns Estados
estudam dobrar suas alíquotas de 4% para 8%, além de restringir isenções e
alterar condições sobre os prazos de recolhimento.
Pela perspectiva tributária, ainda é importante destacar o
tratamento completamente diferente dispensado às receitas decorrentes de vendas
de imóveis ou de aluguel quando percebidas por pessoas jurídicas ou pessoas
físicas. A opção pela constituição de uma holding pode reduzir pela metade (ou
até mais) a carga tributária de algumas operações.
Diante de tamanha instabilidade no cenário mundial e
doméstico, pensar na sucessão e preservação do patrimônio é medida que se
impõe. Seja por meio de doações em vida, pela constituição de holdings
familiares, ou qualquer outra modalidade, os empresários podem evitar a
dilapidação de uma riqueza, fruto geralmente de anos de trabalho árduo.
Fonte: Consultor Jurídico