Quando uma companhia está em crise, o senso comum traz um
estereótipo enraizado: o de que o devedor é alguém que busca, nos meios legais
disponíveis, obter vantagem patrimonial em detrimento de seus credores.
Trata-se de um paradigma completamente descontextualizado, que precisa ser
discutido e reformulado. Essa tendência confunde inadimplemento com fraude e
acaba criminalizando o empresário em dificuldade. E isso prejudica o resultado
útil dos processos — judiciais ou extrajudiciais — de reestruturação, erguendo
paredes onde deveriam existir pontes.
Para desconstruir a fábula, é preciso entender o sentido da
crise na vida da empresa. Assim como no caso da pessoa física, a pessoa
jurídica também nasce, tem sua própria vida e, em algum momento, enfrentará a
morte. Para vencer o colapso e garantir a continuidade da organização, é
imprescindível tomar atitudes. Elas são determinadas, entre outros aspectos,
pelo sistema de valores dos indivíduos — e é nesse ponto que a cultura
estereotipada em torno do devedor em crise limita o diálogo. Se as partes
interessadas forem capazes de identificar as causas da crise e de agir em
cooperação para superá-las, a empresa poderá ser salva.
A decisão de partir para uma recuperação extrajudicial ou
judicial depende de diversos aspectos, como sua abrangência, seus efeitos — e,
é claro, o quanto o relacionamento do devedor com as partes interessadas se
distendeu. Por isso, uma reflexão deve ser feita: por que partir do princípio
de que não tem mais volta — a empresa supostamente faliu — e optar pela
judicialização, quando é possível abrir espaço para negociar e coordenar
esforços para salvar a empresa? Os projetos de recuperação extrajudicial
incentivam a autocomposição entre credores e devedor, através da elaboração de
um plano coletivo de revitalização — com estratégias para superação da crise e
para pagamento do passivo.
Se a cultura criminalizadora cria obstáculos, os processos
extrajudiciais potencializam o caminho alternativo da busca de consenso e
harmonização entre as partes. Uma empresa em crise deve disparar o gatilho da
colaboração, construindo um novo paradigma e uma nova capacidade de resposta à
ameaça à perenidade do negócio. Isso virá a bem de todos, desonerando o Poder
Judiciário e tornando o sistema de insolvência mais eficiente.
Fonte: Consultor Jurídico