Regra que permite dar fim ao casamento por um custo menor e sem necessidade de espera movimenta tabelionatos gaúchos.
* Gustavo Azevedo e Juliana Bublitz
Nas próximas semanas, Ana Paula Silveira da Silva Freitas, 33 anos, poderá deixar o Freitas no passado.
A retirada do sobrenome do ex-marido marcará o fim de um processo que seria mais longo e sofrido se não fosse a nova lei do divórcio.
Desde julho, a legislação tornou mais fácil a vida de casais decididos a romper o casamento. O resultado foi uma explosão do número de separações.
Desencadeada em 2007, com a lei que autorizou o divórcio via cartório, a mudança foi intensificada com a publicação da emenda constitucional 66, que tornou possível assinar o fim do casamento no dia seguinte à união, sem a necessidade de respeitar o prazo mínimo de um ano de separação formal – algo até então impossível.
Para se ter uma idéia dos reflexos dessa alteração, só em São Paulo, de julho para cá, o índice de divórcios aumentou 149% em comparação com igual período de 2009.
No Rio Grande do Sul, segundo o presidente nacional do Colégio Notarial do Brasil (CNB), o gaúcho José Flávio Bueno Fischer, os dados não estão disponíveis, mas o fenômeno vem sendo testemunhado diariamente por tabeliães de diferentes regiões.
Ontem, Zero Hora entrou em contato com os principais tabelionatos de cinco municípios gaúchos. Em quatro deles, constatou crescimento nos registros.
Em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, o 1º Tabelionato de Notas e Protestos contabilizou 216,7% de aumento. Na Capital, foram pelo menos 65,4% de registros a mais do que em 2009. E a tendência é de ascensão.
- A mudança na lei é uma evolução importantíssima em termos de economia de tempo e dinheiro para os casais, com um desgaste emocional muito menor. Antes, um processo poderia levar anos até chegar ao fim – afirma a presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Estado, Delma Ibias.
Os reflexos da novidade são visíveis, também, nos escritórios de advocacia, que passaram a receber uma demanda até então represada em função das dificuldades.
Segundo a especialista em direito de família Cristiana Sanchez Gomes Ferreira, boa parte dos clientes passou a optar pelo novo sistema:
- Casos mais simples estão sendo beneficiados diretamente. É um alívio para eles. A burocracia era uma tortura.
Mudança pode ter estimulado crescimento de matrimônios
O fim da burocracia, aliás, pode estar contribuindo para um outro fenômeno, apontado pelo presidente do CNB no Estado, Luiz Weizenmann. Segundo ele, a maior facilidade para “descasar” estaria levando a um aumento da procura pela formalização do casamento.
- Muita gente desistia de casar porque sabia dos entraves para se divorciar – diz Weizenmann.
Não foi o caso de Ana Paula. Atendente de telemarketing e comerciária na Capital, ela se casou em 2008. Mas o sonho de constituir uma família não deu certo. Desde o início deste ano, Ana Paula deixou de viver com o ex-companheiro. Entrou na Justiça para conseguir o divórcio. Com as mudanças na lei, espera resolver o problema mais rápido:
- A expectativa era de que a ação demorasse dois anos. Além do dinheiro que não vou precisar gastar, é o fim de um abalo psicológico grande. Vou finalmente conseguir tocar a bola para frente.
Como tirar as alianças
COMO ERA
- Para dar entrada no pedido de divórcio, eram exigidos os prazos de um ano de separação formal (judicial ou no cartório) ou de dois anos de separação de fato (quando o casal deixa de ter vida em comum).
COMO FICOU
- No dia 13 de julho deste ano, a publicação da emenda constitucional 66 alterou o inciso 6º do artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio.
- Pela emenda não são mais necessários os requisitos de separação judicial prévia de um ano ou de comprovação de separação de fato por mais de dois anos.
- Se houver consenso e o casal não tiver filhos menores ou incapazes, basta ir a qualquer cartório com um advogado para assinar o divórcio, mesmo que seja um dia após o casamento.
A EVOLUÇÃO
- Até década de 70 – O casamento era indissolúvel. Quem casava permanecia com um vínculo jurídico para o resto da vida. O casal podia pedir o desquite, que interrompia apenas os deveres conjugais.
- A partir de 1977 – A Lei do Divórcio incluiu a possibilidade de um novo casamento, mas somente por uma vez.
- A partir de 1988 – A Constituição passou a permitir o casamento formal por mais de uma vez.
Fonte: Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no RS, Delma Ibias.
Números no Estado
Zero Hora entrou em contato com os principais tabelionatos de cinco municípios gaúchos. Confira a evolução dos divórcios nesses serviços (*):
MUNICIPIOS | 2009 | 2010 | VARIAÇÃO |
Porto Alegre | 52 | 86 | 65,4% |
Novo Hamburgo | 18 | 57 | 216,7% |
Passo Fundo | 32 | 60 | 87,5% |
Pelotas | 14 | 28 | 100% |
(*) Período de julho a outubro, exceto nos casos de Porto Alegre e Novo Hamburgo, em que os dados correspondem ao intervalo de julho a setembro
ENTREVISTA – Alberto Stein, psiquiatra, especialista em terapia de casal
“Ninguém se casa pensando em separação”
Membro da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul o especialista em terapia de casal Alberto Stein não acredita que a nova lei do divórcio possa provocar mudança no comportamento de maridos e mulheres, mas entende que acelerar a separação poupa , sofrimentos. Confira a entrevista:
ZH – Com a nova lei, o processo de separação tende a ser mais rápido. Isso vai diminuir o sofrimento das pessoas?
Alberto Stein – A perda emocional é equivalente à dor e pode ser mais ou menos profunda. Quando não se tem filhos, o luto da relação passa mais rápido. Acredito que a aceleração do processo vai diminuir esse sofrimento.
Zero Hora – O senhor acha possível que a nova lei possa incentivar que casais oficializem o casamento, já que teriam facilidades para se separar depois?
Alberto Stein – Ninguém se casa pensando em separação. São tantos sonhos envolvidos, filhos, futuro, realizações. Acho que quem tem grandes dúvidas, acaba nem casando. E, se casar, não tem grande futuro.
ZH – Pela facilidade em se divorciar agora, os relacionamentos podem sofrer mudanças, como por exemplo influenciar na fidelidade dos casais? O medo de perder o marido ou a esposa tornaria a pessoa mais fiel?
Stein – Não acho que uma lei possa mudar um comportamento desse jeito. Estatísticas apontam que mais de 60% dos homens já foram infiéis. O grau de infidelidade das mulheres chega a 46%. É o sinal dos tempos. Com as mulheres cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, o comportamento delas passou a ser mais semelhante ao dos homens. Infidelidade acontece. Basta estar vivo para ter desejo. A infidelidade é uma grande pressão nos casamentos. Depende mais do grau de maturidade do casal, que escolhe a fidelidade ao invés de ceder ao desejo.
Fonte: Zero Hora – 19/10/2010
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