As declarações prestadas pelas partes ao servidor
cartorário, assim como o documento público elaborado por ele, possuem a chamada
presunção relativa (juris tantum) de veracidade – admitindo-se, portanto,
prova em contrário. A orientação é válida para contratos de compra e venda de
imóvel, especialmente nas situações em que, apesar da declaração de quitação, o
pagamento não é feito na presença do notário.
O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de
Mato Grosso (TJMT) que rejeitou embargos à execução opostos por uma empresa que
alegava possuir escritura pública que comprovava a quitação integral da compra
de uma fazenda.
Segundo a empresa, a escritura teria presunção absoluta de
veracidade, nos termos dos artigos 215 e 216 do Código Civil.
Pagamento parcelado
De acordo com o processo, o vendedor não havia formalizado a
transferência do imóvel para seu nome. Depois de 11 meses, ele vendeu a fazenda
à empresa, em acordo que previa uma parte do pagamento à vista e outra parte em
data futura.
Entretanto, a empresa compradora pediu ao vendedor que lhe
outorgasse a escritura de transferência do imóvel, sob o argumento de que
precisava oferecê-lo em garantia para obtenção de financiamento. O pedido foi
atendido pelo vendedor, que autorizou a lavratura da escritura perante os
antigos proprietários. A empresa, porém, registrou a transação em valor menor
do que o real, como forma de diminuir o pagamento de impostos.
Após o recebimento da escritura, a empresa não teria
cumprido com o pagamento do valor residual, motivo pelo qual o vendedor ajuizou
execução de título extrajudicial. A empresa opôs, então, os embargos à
execução, sob o argumento de que a escritura definitiva de transferência do
imóvel equivaleria à quitação do contrato de compra e venda, constituindo-se
como prova plena e absoluta.
Fé pública
O ministro Marco Buzzi explicou que o ordenamento jurídico
brasileiro fortaleceu a validade, a eficácia e o valor probante do documento
público lavrado de forma legítima por notário, tabelião e oficial de registro,
conferindo-lhe fé pública por previsão do artigo 3º da Lei 8.935/1994.
No entanto, ele ponderou que a fé pública atribuída aos atos
dos servidores estatais e aos documentos públicos não pode atestar, de modo
absoluto, a veracidade do que é apenas declarado, de acordo com a vontade, a
boa-fé ou a má-fé das partes.
"Isso porque a fé pública constitui princípio do ato
registral que protege a inscrição dos direitos, não dos fatos a ele ligados, de
sorte que a eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular
inscrito, por ficar fora do abrigo do princípio", afirmou o ministro.
Declarações fictícias
No caso dos autos, Marco Buzzi destacou que as declarações
que constam do instrumento público – especialmente o preço pago e a quitação
passada por terceiros – foram engendradas, de maneira fictícia, apenas para
cumprir requisitos formais para a transferência do imóvel.
O ministro também ressaltou que a plenitude, como prova, da
quitação registrada em escritura pública só ocorre em hipóteses nas quais o
pagamento é realizado na presença de servidor público, que atesta o valor e a
forma de pagamento – e, mesmo assim, segundo o relator, em situações
excepcionais, podem ser produzidas provas para demonstrar o contrário.
"O atributo de prova plena, absoluta e incontestável,
que a parte recorrente pretende atribuir à escritura aquisitiva, de modo a
desconstituir a exigibilidade do crédito executado, no caso sub judice,
não é possível dar a tal instrumento, pois nele não consta ter sido realizado
pagamento algum na presença do servidor cartorário, ao exequente ou aos antigos
proprietários", concluiu o relator.
Consequentemente – acrescentou –, "não existe relação
direta, ou prejudicial, entre o que foi declarado no documento notarial
(escritura) e a obrigação de pagar assumida pela recorrente perante o
recorrido".
Fonte: Direito Net