Em sessão semipresencial nesta terça-feira (15), o Senado
aprovou projeto de lei que facilita a compra, a posse e o arrendamento de
propriedades rurais no Brasil por pessoas físicas ou empresas estrangeiras.
O PL 2.963/2019, do senador Irajá (PSD-TO), teve
parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com emendas, e segue
agora para votação na Câmara dos Deputados.
O projeto disciplina a aquisição, a posse, o arrendamento e
o cadastramento de imóvel rural, por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras,
constituídas e estabelecidas fora do território nacional. Segundo o texto, os
imóveis rurais adquiridos por sociedade estrangeira no Brasil também deverão
obedecer aos princípios da função social da propriedade previstos na
Constituição, como o aproveitamento racional e a utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.
O relator afirma que, até o momento, a aquisição de terras
no Brasil por estrangeiro é envolta em controvérsias jurídicas, que transitam
em torno da Lei 5.709, de 1971, que regula a aquisição de imóvel
rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira
autorizada a funcionar no Brasil, anterior à Constituição federal de 1988. “A
questão da recepção, no todo ou em parte, da Lei 5.709, pela nova ordem
constitucional foi objeto de diferentes interpretações jurídicas ao longo do
tempo, o que trouxe muita insegurança jurídica para o setor produtivo,
afugentando o investimento estrangeiro e a implantação de importantes projetos
para o desenvolvimento de nossa agropecuária e agroindústria”, considera
Pacheco.
Além disso, o relator explica que, no que se refere a
empresas brasileiras controladas direta ou indiretamente por estrangeiros, o
projeto adequa a legislação à Emenda Constitucional 6, de 1995, que revogou o
art. 171 da Constituição, acabando com a distinção entre empresa nacional e
empresa nacional de capital nacional. “Assim, busca-se promover o tratamento
igualitário entre as empresas brasileiras e dos capitais produtivos do país,
independentemente de sua origem”, destaca o relator no parecer.
Discussão
Antes do início da votação, o líder do PT, senador Rogerio
Carvalho (PT-SE), apresentou pedido de retirada de pauta do projeto, que acabou
sendo rejeitado em Plenário. Ele disse que o texto autoriza a compra de até 25%
dos território dos municípios, o que poria em risco a segurança alimentar e a
produção de alimentos, além de causar o aumento no preço de terras no Brasil.
Jean Paul Prates (PT-RN) disse que o projeto é polêmico, o
que exigiria uma discussão mais aprofundada. Em sua avaliação, o texto não
estaria maduro para que houvesse uma decisão final do Senado.
Autor do projeto, o senador Irajá (PSD-TO) disse que a
grande maioria dos senadores presentes à sessão remota teria interesse em votar
o projeto. Ele ressaltou que chegou a entrar em contato com 74 dos 81
senadores, dos quais 68 teriam defendido a votação do texto. Irajá
ressaltou ainda que o projeto aguardava votação há 11 anos. Durante esse tempo,
segundo ele, o país perdeu R$ 550 bilhões em investimentos no setor
agropecuário.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) destacou que chineses,
ingleses e italianos já utilizam terras baianas para plantio de diversas
culturas, como soja e café.
Na avaliação do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o
projeto promove a internacionalização das terras brasileiras em larga escala,
sobretudo das áreas localizadas na Amazônia.
O projeto recebeu o voto contrário dos senadores Eduardo
Girão (Podemos-CE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Paulo Paim (PT-RS), Jorge
Kajuru (Cidadania-GO) e Styvenson Valentim (Podemos-RN), além das senadoras
Zenaide Maia (Pros-RN), Leila Barros (PSB-DF) e Rose de Freitas (Podemos-ES).
Limites
De acordo com o projeto, estarão sujeitas a aprovação do
Conselho de Defesa Nacional (CDN) a aquisição de imóveis rurais ou de qualquer
modalidade de posse quando as pessoas jurídicas forem organizações não
governamentais, fundos soberanos, fundações e outras pessoas jurídicas com sede
no exterior.
Também terão de passar pelo conselho pessoas jurídicas
brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas,
físicas ou jurídicas, estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma
Amazônia e sujeitar-se a reserva legal igual ou superior a 80%.
As aquisições por estrangeiros de imóveis situados em área
indispensável à segurança nacional também deverão obter o consentimento prévio
do Conselho de Defesa Nacional.
Ficam vedados a estrangeiros: qualquer modalidade de posse
por tempo indeterminado, arrendamento ou subarrendamento parcial ou total por
tempo indeterminado e habilitação à concessão de florestas públicas destinadas
à produção sustentável. Essa concessão, no entanto, é permitida para pessoa
jurídica brasileira constituída ou controlada direta ou indiretamente por
pessoa física ou jurídica estrangeira.
Essas vedações não se aplicam quando a aquisição de imóvel
rural se destinar à execução ou exploração de concessão, permissão ou
autorização de serviço público, inclusive das atividades de geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica ou de concessão ou autorização
de bem público da União.
Regras
O projeto dispensa autorização ou licença para aquisição e
posse por estrangeiros, quando se tratar de imóveis rurais com áreas não
superiores a 15 módulos fiscais. A soma das áreas rurais pertencentes e
arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá, no entanto, ultrapassar um quarto
da superfície dos municípios onde se situarem.
O texto atribui competência ao Congresso Nacional para
autorizar, mediante decreto legislativo, a aquisição de imóvel por pessoas
estrangeiras, além dos limites fixados em lei, quando se tratar da implantação
de projetos julgados prioritários, em face dos planos de desenvolvimento do
país, mediante manifestação prévia do Poder Executivo.
Cadastro
Os estrangeiros deverão obrigatoriamente lavrar escritura
pública para aquisição do imóvel e os cartórios de registro de imóveis deverão
manter registro especial, em livro auxiliar, das aquisições de imóveis rurais
pelas pessoas físicas e jurídicas estrangeiras.
O relator apresentou emenda para que a identificação do
adquirente do imóvel seja acompanhada, no caso de pessoa jurídica, de
informações relativas à estrutura empresarial no Brasil e no exterior,
declaradas sob pena de falsidade ideológica, conforme previsto no Código Penal.
O projeto altera a Lei
5.868, de 1972, que cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR),
para estabelecer que os cadastros serão informatizados e, ressalvadas as
informações protegidas por sigilo fiscal, serão publicados na internet,
garantida a emissão gratuita de certidões das suas informações com autenticação
digital.
O SNCR terá sua base de dados atualizada com as informações
prestadas pelos contribuintes no Documento de Informação e Atualização
Cadastral (DIAC), a que se refere a Lei 9.393, de 1996, que dispõe sobre o
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e sobre pagamento da dívida
representada por títulos da dívida agrária.
O texto também altera essa lei para rever a obrigatoriedade
da prestação de informações cadastrais quanto aos imóveis rurais adquiridos ou
utilizados por pessoas jurídicas estrangeiras.
Segundo o projeto, um regulamento próprio deverá unificar o
SNCR, criado pela Lei 5.868, de 1972, e o previsto na Lei 9.393, de 1996. A
informatização e a gestão desse cadastro unificado deverão ter também uma base
única, integrada com a base de dados das juntas comerciais e demais órgãos que
disponham de informações sobre a aquisição de direitos reais por estrangeiros
ou por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou controladas por
pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras.
Capital estrangeiro
O texto modifica a Lei 4.131, de 1962, que disciplina a aplicação do
capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. Segundo o
projeto, os recursos financeiros ou monetários introduzidos no Brasil por
pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, ou quando objeto de reinvestimento para
a aplicação em atividades econômicas que envolvam a aquisição e o arrendamento
de áreas rurais em território nacional, estarão sujeitos à legislação que
regula a aquisição de imóveis rurais por pessoas estrangeiras.
Revogação
O projeto revoga a Lei
5.709, de 1971, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro
residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no
Brasil. Por outro lado, convalida as aquisições e os arrendamentos de imóveis
rurais celebrados por pessoas físicas ou jurídicas brasileiras constituídas ou
controladas, direta ou indiretamente, por pessoas privadas, físicas ou
jurídicas, estrangeiras, durante a vigência dessa lei.
Outras emendas
O relator rejeitou cinco emendas apresentadas em Plenário,
acatou integralmente 13 emendas apresentadas na Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) e na Comissão de Agricultura (CRA) e parcialmente outras três.
Uma das emendas deixa expresso que as empresas brasileiras
que adquiram imóveis rurais e sejam constituídas ou controladas por pessoas
privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras, sujeitam-se ao dever de
cumprimento da função social da propriedade.
Outra emenda modifica a Lei 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política
Nacional de Meio Ambiente. Segundo o novo texto, estados e municípios deverão
disponibilizar, em um sistema informatizado aberto, o zoneamento
ecológico-econômico sob suas respectivas jurisdições, juntamente com os
critérios da divisão territorial e seus conteúdos, com o objetivo de assegurar
as finalidades, a integração e a compatibilização dos diferentes níveis
administrativos e escalas do zoneamento e do planejamento territorial.
Além disso, o órgão ambiental competente deverá observar os
critérios da divisão territorial e seus conteúdos definidos pelo ente municipal
ou estadual no zoneamento ecológico-econômico, quando houver, para expedição de
licenças ambientais relacionadas ao uso e à exploração de imóveis rurais.
Fonte: Michel Teixeira