Em
análise na Câmara dos Deputados, o Projeto de
Lei 3.561/2021 estende
as presunções de paternidade do casamento para a união estável. A proposta
tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas Comissões de Seguridade
Social e Família e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Conforme
o texto, serão aplicadas as presunções de paternidade estabelecidas para os
filhos no casamento aos nascidos ou aos concebidos na constância da união
estável. Atualmente, o Código Civil presume como concebidos na constância do
casamento os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal, e os nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da
sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do
casamento.
Também
são presumidos os filhos havidos por fecundação artificial homóloga (quando o
material genético pertence aos cônjuges), mesmo que falecido o marido; havidos,
a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga; e havidos por inseminação artificial heteróloga
(com sêmen de terceiro), desde que tenha prévia autorização do marido.
Segundo
o autor da proposta, o deputado licenciado Carlos Bezerra (MT), “convém que a
situação de igualdade entre as entidades familiares se reflita também na
presunção de paternidade, que, nos termos em vigor, injustamente discrimina os
nascidos ou concebidos no casamento daqueles que o foram na união estável”.
Caráter
igualitário
“É
conhecido o provérbio romano de que a mãe é sempre certa, mas o pai é incerto
(matersemper certa est, pater autem incertus)”, lembra o advogado Euclides de
Oliveira, conselheiro da seção São Paulo do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM-SP. Segundo ele, as disposições do Código Civil reduzem essa
incerteza do vínculo parental.
“O
Código silencia sobre os filhos havidos nas mesmas circunstâncias, em casos de
união estável. Vem daí o trato da matéria no Projeto de Lei 3.561/2021, em
tramitação na Câmara Federal. Sua previsão é de que a mesma presunção legal de
filiação ocorra nos casos de família constituída sob a forma de união estável,
regulada nos artigos 1.723 e seguintes do Código”, explica o especialista.
Para
Euclides de Oliveira, o projeto “tem nítido caráter igualitário dos filhos,
atendendo à regra do artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, com repetição
no artigo 1.596 do Código Civil”. “Assim, a presunção de concepção dos nascidos
em determinado prazo depois de estabelecida a convivência familiar, ou depois
de sua dissolução, assim como aos casos de concepção por técnicas de reprodução
assistida, é de ser confirmada na lei civil para atender ao tratamento equânime
dos filhos, qualquer que seja a sua origem.”
“Note-se
que a igualação entre casamento e união estável estende-se por outros preceitos
do Código Civil, como no caso da prestação de alimentos (art. 1.694), de regime
da comunhão parcial de bens se não houver disposição contratual em contrário
(art. 1.725) e da sucessão hereditária, com aplicação do disposto no artigo
1.829, em revogação do artigo 1.790, por seu caráter discriminatório, como
decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 878694”, pontua o advogado.
Ele
acrescenta: “A mesma igualação se aplica a outras disposições legais, como
sucede no artigo 1.601, que restringe ao marido o direito de contestar a
paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, passando a valer também ao
companheiro”.
“Por
fim, cabe lembrar precedentes da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
– STJ, no REsp 1.195.059, de 6.11.2012, e no REsp 440394 (RT 814/193 – anotados
em Código Civil, ed. Saraiva, 2019, em rodapé aos artigos 1.597 e 1.601), dando
conforto à sistemática proposta no PL em questão. no sentido de tratamento
equiparado das relações familiares, não importa a forma de sua instituição”,
conclui Euclides.
Atualização
em boa hora
O
advogado Mário Delgado, diretor nacional do IBDFAM, destaca que a doutrina e
jurisprudência brasileiras, já de muito tempo, negam a possibilidade de
qualquer tipo de tratamento diferenciado entre união estável e casamento.
“Tanto que o próprio Supremo Tribunal Federal – STF declarou a inconstitucionalidade
do art. 1.790 do CCB/2002, que regulava a sucessão entre os companheiros, ao
argumento de que a Constituição
não
permitiria a diferenciação entre famílias assentadas no casamento e na união
estável.”
“Em
suma, as uniões estáveis, no Brasil, desfrutam de uma moldura regulatória
similar à do casamento, com exceção dos procedimentos de habilitação e
formalidades da celebração. E, dentro desse contexto, nada mais óbvio do que se
ampliar os destinatários das presunções do artigo 1.597 Código Civil, de modo
que ele passe a contemplar, igualmente, a presunção de concepção dos filhos
havidos na constância da união estável”, avalia o especialista.
Mário
lembra que a jurisprudência do STJ, desde 2012, já vinha conferindo
interpretação extensiva ao artigo 1.597 para abranger a união estável.
“Portanto, ao determinar a aplicação, aos nascidos ou aos concebidos na
constância da união estável, das presunções de paternidade estabelecidas para
os filhos do casamento, o Projeto de Lei 3.561/2021, em boa hora, promove a
atualização do texto legal, compatibilizando-o com a interpretação que já vinha
sendo dada pelos tribunais.”