Resumo:
Com o presente trabalho pretende-se trazer a baila questões fáticas e direitos
que permeiam o indivíduo no divórcio, assim como seus efeitos jurídicos diante
da impossibilidade do exercício da vontade quanto a permanecer em um casamento
que não é mais desejado. Trata-se de um estudo com foco no divórcio unilateral
com fundamentação legislativa, jurisprudencial e doutrinária, considerando
limitação jurídica individual. Procura-se enfatizar os aspectos que surgem com
a vontade de se divorciar, seja sob a perspectiva pessoal e individual, seja
sob a perspectiva legal – limitação interpretada pelo ordenamento jurídico
brasileiro em situações sociais como “seguir em frente”, exercício da vontade e
autonomia, constituir novo matrimônio, alteração do nome no registro civil.
Aponta-se a importância do tema para o ordenamento jurídico brasileiro, tendo
em vista que o tema divórcio teve evolução legislativa, mas ainda há
contrariedade a princípios constitucionais e até mesmo a esta evolução.
Palavras-chave: Divórcio extrajudicial. Divórcio unilateral. Dignidade
humana. Exercício da vontade. Limitação jurídica.
Abstract: The present work intends to bring up factual issues and rights
that permeate the individual in divorce, as well as their legal effects in the
face of the impossibility of exercising the will to remain in a marriage that
is no longer desired. This is a study focusing on unilateral divorce with
legislative, jurisprudential and doctrinal grounds, considering individual
legal limitations. It seeks to emphasize the aspects that arise with the desire
to divorce, whether from a personal and individual perspective, or from a legal
perspective - a limitation interpreted by the Brazilian legal system in social
situations as "moving on", exercise of will and autonomy, form a new
marriage, change the name in the civil registry. The importance of the theme
for the Brazilian legal system is pointed out, considering that the divorce
theme has had legislative evolution, but there is still opposition to
constitutional principles and even to this evolution.
Keywords:
Extrajudicial divorce. One-sided divorce. Human dignity. Exercise of the will.
Legal limitation.
1 Introdução
Com
o presente trabalho pretende-se fazer uma breve exploração das limitações
jurídicas perante o divórcio, consequentemente, limitação normativa quanto ao
instituto e a necessária adaptação normativa – releitura de normas existentes,
devido à ausência de legislação específica frente ao desenvolvimento da
sociedade.
A
ausência de regulamentação ou mesmo a falta de clareza na legislação podem
fazer com que o indivíduo que não tem previsão de seu direito fique à margem da
sociedade.
O
objetivo, pois, é a análise jurídica quanto à regulamentação do divórcio
unilateral ou, ainda o divórcio impositivo e a correlação existente com a
identidade (nome), a liberdade individual com o direito ao exercício da
vontade, bem como com os princípios constitucionais basilares – dentre eles o
da dignidade humana, da personalidade, à identidade (pessoal), à liberdade.
Trata-se
de um estudo que tem fundamentação legislativa, jurisprudencial e doutrinária,
procurando enfatizar os aspectos que surgem com a vontade de se divorciar, seja
sob a perspectiva pessoal e individual, seja sob a perspectiva legal –
limitações interpretadas pelo ordenamento jurídico brasileiro em situações
sociais como “seguir em frente”, constituir novo matrimônio, alteração do nome
registro civil.
Serão
abordados o casamento, o divórcio e a evolução desses institutos na legislação
brasileira; o registro civil ligado à alteração do nome, o divórcio como o
exercício de um direito potestativo no âmbito do litígio, uma lacuna normativa.
Justifica-se
a escolha do tema em sua grande importância para o ordenamento jurídico
brasileiro, vez que as formas de divórcio limitam o indivíduo e estabelecem
dependência do Poder Judiciário e da interferência desnecessária do Estado em
esfera particular. Assim, o tema merece regulamentação, já que trata do
indivíduo no contexto social, havendo reflexo na identidade desse
indivíduo(nome/sobrenome) e em sua vivência em sociedade, considerando, assim,
o direito constitucional da personalidade e da dignidade humana.
Pretende-se
trazer à baila questões fáticas e os direitos que permeiam o indivíduo no
divórcio, assim como seus efeitos jurídicos diante da impossibilidade do
exercício da vontade de não permanecer mais em um casamento.
2
Noções conceituais
Para
melhor entender o divórcio unilateral ou impositivo é preciso compreender o que
é o casamento sob a perspectiva legal e social, bem como o que é o vínculo e
sociedade conjugal e o divórcio.
O
casamento é a união, com vínculo legal, entre duas pessoas que desejam
constituir família. Sob análise do Código Civil de 1916, fase de uma sociedade
patriarcal, patrimonialista, agrária e extremamente conservadora, admitia-se
apenas a família advinda da união entre homem e mulher pelo matrimônio formal,
o casamento. As outras uniões eram consideradas imorais e ilegítimas.
A
família formada pelo casamento era indissolúvel. Aos casais que optavam por não
continuar com o casamento, restava o desquite – fim da sociedade conjugal,
separação de corpos e de bens, sem extinguir o vínculo matrimonial. Logo, as
pessoas desquitadas, não podiam se casar novamente.
Como
afirma Tatiana Beltrão (2017), em 1977 foi sancionada lei que instituiu o
divórcio no Brasil. A Lei do Divórcio 6.515/77 permitiu que as pessoas
voltassem a se casar no civil e, assim, constituir famílias legítimas perante a
lei. A Constituição Federal de 1988 trouxe reconhecimento da família
matrimonial, monoparental e da união estável.
Passava
a ser considerado o chamado sistema dualista, em que a separação judicial põe
termo à sociedade conjugal, ao passo que o divórcio dissolve o próprio vínculo
matrimonial. Deste modo, fazia-se a distinção entre terminar e dissolver o
casamento.
2.1 Evolução histórica de família e os tipos de família na
atualidade
Segundo
Christiane Torres de Azeredo (2020), que considera os estudos do antropólogo
Lewis Henry Morgan, Engels em seu livro “A origem da família da propriedade
privada e do Estado” (1984), conclui que existiu uma época primitiva e tipos de
família que existiram ao longo da história. Acredita que foram diversos modelos
familiares existentes ao longo da história, cada qual com seus ditames,
diretrizes, costumes e práticas.
“A
família, diz Morgan, é o elemento ativo; nunca permanece estacionada, mas passa
de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de
um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, elo
contrário, são passivos só depois de longos intervalos, registram os progressos
feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a
família já se modificou radicalmente (ENGELS, 1984, p. 30)”.
Dentre
os diversos modelos de família pode ser verificada inicialmente a família
consanguínea compreendida por gerações, e as relações de matrimônio eram
realizadas entre esses grupos, sendo considerados todos os avós e avôs, por
exemplo, nos limites da família, maridos e mulheres entre si, e assim
sucessivamente. Os ascendentes e descendestes eram os únicos excluídos dessas
relações, ou seja, irmãos, irmãs, primos, primas e demais colaterais - relações
horizontais - eram considerados casais mutuamente, excluindo as relações entre
pais e filhos - relações verticais.
Posteriormente,
há exclusão das relações conjugais mantidas entre irmãos. Esse regime de
matrimônio gerou uniões em que o homem tinha uma mulher “principal”, entre as
outras várias mulheres, e vice-versa (ENGELS, 1984, p. 39-48).
De
acordo com Engels, (1984, p. 48-66) a união conjugal deixou de se dar entre
pares dentro de um grupo conjugal sem compromisso de permanência e passou a se
dar entre pares singularizados. Houve exclusão dos parentes próximos e dos
parentes distantes, tornando impossível a prática de matrimônio por grupos.
Embora o homem nas relações tivesse o “poder da riqueza”, a mulher estava no
centro da relação, pois tinha a virtude da maternidade. A mulher tinha o
“poder” de falar quem era o pai do seu filho.
A
preocupação com a identificação da paternidade e com o direito à herança pela
filiação paterna, levou à família patriarcal. Se antes a mulher estava no
centro, agora é o homem que detém o poder de toda a família. Prioriza-se pelo
status social, pelo poder econômico e não pela relação de afeto.
Como
o “poder” estava nas mãos do patriarca, o nascimento do filho homem era
valorizado, já que a filha após casar-se passaria a pertencer à família do
marido – não sendo considerada como herdeira do pai.
Entendia-se
que a única família era a formada pelos sagrados laços do matrimônio e o
casamento era indissolúvel. “Aos noivos era imposta a obrigação de se
multiplicarem até a morte, mesmo na tristeza, na pobreza e na doença. Tanto que
se falava em débito conjugal!” (DIAS, 2015).
Atualmente,
a família não decorre somente dos sagrados laços do matrimônio. Pode surgir do
vínculo de convívio e não ter conotação de ordem sexual entre seus integrantes.
A Constituição Federal ampliou o conceito de entidade familiar, de modo a
considerar não só o casamento, mas também a união estável e a chamada família
monoparental, constituída por um dos pais com a sua prole.
Além
da família monoparenteal e da família constituída por união estável,
considera-se, de acordo com Baroni, Cabral e Carvalho (2016), a família
matrimonial (formada pelo casamento), informal (formada por uma união estável
que não é oficializada), anaparental (família sem pais, formada apenas por
irmãos), reconstituída (formada por pais que têm filhos e se separam, e
eventualmente começam a viver com outra pessoa que também tem filhos de outros
relacionamento), unipessoal (família de uma pessoa só), eudemonista (família
afetiva, formada por uma parentalidade socioafetiva).
Os
tipos de família possuem amparo legal. Entende-se que a família pode ser
formatada de diversas maneiras, mas fundada no afeto entre seus membros. “O
casamento perdeu a sacralidade e permanecer dentro dele deixou de ser uma
imposição social e uma obrigação legal” (DIAS, 2015).
2.2 Dissolução da sociedade conjugal e dissolução do vínculo
matrimonial
Cabe
dizer que houve evolução na legislação brasileira quanto ao conceito de família
e quanto ao término e dissolução do casamento.
O
casamento era considerado indissolúvel, salvo se caso desquite ou
anulação/nulidade do matrimônio. Com a Emenda Constitucional 09/1977, foi
introduzido o divórcio na legislação brasileira. Posteriormente, surgiu a Lei
6.515/77. Chamada de Lei do Divórcio, considerava além da possibilidade de um
único divórcio, considerava o processo de separação para depois chegar ao
divórcio, dissolução do vínculo conjugal.
Como afirma Rolf Madaleno (2013, p. 199), a dissolução do vínculo conjugal se
daria pela morte, com o divórcio, e com a anulação ou nulidade do casamento. Já
a separação colocava apenas termo à sociedade conjugal – impedindo novo
casamento.
Na
legislação era considerada distinto o terminar, do dissolver o casamento. O
instituto da separação não dissolve o casamento, termina a sociedade conjugal.
A morte, o divórcio, a anulação ou nulidade do casamento dissolvem o casamento
A
separação era requisito para o divórcio. Exigia-se o processo de separação, que
contava com o período de três anos, e neste era feita análise de culpa pelo
término do casamento ou ainda exigia-se separação de fato pelo período mínimo
de cinco anos.
Diz
Maria Berenice Dias (2015):
Veio
o divórcio. Antes, porém, era necessário os cônjuges passarem pelo purgatório
da separação, que exigia que se identificassem causas, punindo-se os culpados.
A liberdade total de casar e descasar chegou somente no ano de 2006.
Com
a Constituição Federal de 1988, foram criadas as Leis 7841/89 e 8408/92 que
alteraram a Lei do Divórcio. O objetivo foi adequar a Lei à Constituição
Federal/88, pois trouxe previsão de que o casamento civil pode ser dissolvido
pelo divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos
expressos em Lei ou em caso de comprovação de separação de fato por período
superior a dois anos. Mister dizer que a Lei 7841/89 possibilitou que os
indivíduos se divorciassem mais de uma vez.
Em
2007 passou a ser considerado o divórcio e separação consensuais de forma
extrajudicial em caso de o casal não ter filhos menores ou incapazes.
A
Emenda Constitucional 66/2010 suprimiu o instituto da separação do sistema
jurídico brasileiro, permanecendo o divórcio como forma de dissolver o
casamento civil. Antes da alteração dada pela EC 66/2010, o artigo 226 da
Constituição Federal possuía a seguinte redação:
Art.226.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§
1º - O casamento civil é gratuita a celebração.
§
2º - O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
§
3º - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a conversão em
casamento.
§
4º - Entende-se, também como entidade família a comunidade formada por qualquer
dos pais com seus descendentes
§
5º - Os direitos e deveres referente à sociedade conjuga são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após
previa separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada a separação de fato por mais de dois anos.
§
7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais científicos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.
§
8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
Com
a Emenda Constitucional 66/2010 o artigo 226, da Constituição Federal passou a
ter a seguinte redação:
Art.226.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
§
1º - O casamento civil é gratuita a celebração..
§
2º - O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
§
3º - Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a conversão em
casamento.
§
4º - Entende-se, também como entidade família a comunidade formada por qualquer
dos pais com seus descendentes
§
5º - Os direitos e deveres referente à sociedade conjuga são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§
7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade
responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais científicos para o exercício desse
direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas.
§
8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações. (BRASIL, 2014, grifo nosso).
Logo,
se antes para encerrar o vínculo matrimonial era preciso passar pelo instituto
da separação, agora já não é mais preciso. A precedente separação de um
casal deixou de ser considerada requisito para o divórcio.
A
obrigação de ficar presa “a um casamento até que a morte os separe”, seja pelo
medo de ficar à margem da sociedade pelo desquite, seja por não poder se casar
novamente ou, ainda, por não ter seu relacionamento e família reconhecidos legalmente
e até mesmo pelo desgaste de todo o processo de separação e divórcio, tiram do
indivíduo a dignidade humana, a liberdade de agir de acordo com a sua vontade.
Diante
das alterações, é possível identificar maior facilidade e agilidade nos
processos. Tem-se que a dignidade humana é devolvida quando há a liberdade de
agir de acordo com a sua vontade.
2.3 Divórcio
Após
a evolução do conceito de família, do casamento e da dissolução do casamento,
identifica-se dois principais tipos de divórcio: extrajudicial (consensual) e
judicial (litigioso ou consensual).
Como
citado anteriormente, desde a edição da Lei 11.441/07, é possível que casais
sem filhos menores ou incapazes realizem o processo de divórcio consensual de
forma extrajudicial. O pedido de divórcio com detalhes de todo o acerto
patrimonial do casal é encaminhado para o Cartório e posteriormente é assinada
a escritura pública de divórcio.
Sabe-se
que a via judicial pode ser utilizada para a situação de litígio ou de
consenso. No divórcio judicial consensual, as partes estão em comum acordo
quanto à divisão de bens, guarda de filhos, pensão alimentícia, etc. Há a
realização de um pedido único, havendo manifestação do Ministério Público no
processo. No divórcio litigioso as partes não estão em comum acordo, no
processo há discussão quanto aos pontos anteriormente mencionados ou ainda uma
das partes não aceita o fim do casamento.
É
sabido que atualmente, com a EC66/2010, as decisões judiciais têm apresentado a
decretação do divórcio antes mesmo de serem decididas as demais questões
apontadas na ação judicial. Isso, porque a exigência de implementação de
condições precedentes ao divórcio foram suprimidas no ordenamento jurídico e
não seria “possível” a apresentação de defesa pela outra parte quanto ao pedido
específico. Logo, tratando-se de direito potestativo incondicionado, seria
incoerente contrariar a economia e celeridade processual, decide-se sobre o
divórcio e deixa em “discussão” as outras matérias abordadas na ação judicial.
Nesse
sentido, a Assessoria de Comunicação do IBDFAM (2020) publica notícia e
entrevista com a juíza Karen Francis Schubert:
A
3ª Vara da Família de Joinville, em Santa Catarina, deferiu pedido de tutela
antecipada para decretar o divórcio de um casal antes mesmo da citação do réu.
A decisão é da juíza Karen Francis Schubert, que admitiu o divórcio como um
direito potestativo incondicionado. Não há necessidade de prova ou condição,
tampouco de formação de contraditório, sendo a vontade de um dos cônjuges o
único elemento exigível.
Neste
sentido há decisões no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Processo:
Agravo de Instrumento-Cv
1.0000.21.140404-1/0011
404058-92.2021.8.13.0000
Relator(a):
Des.(a) Alberto Vilas Boas
Data
de Julgamento: 23/11/2021
Data
da publicação da súmula: 23/11/2021
EMENTA:
FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO. DECRETAÇÃO LIMINAR DO
DIVÓRCIO. POSSIBILIDADE. DIREITO POTESTATIVO.
-
Após a edição da EC nº 66/2010, que deu nova redação ao art. 226, § 6º, da
Constituição Federal, o divórcio é considerado um direito potestativo, que
independe de qualquer outro pré-requisito, podendo ser decretado antes de
dirimida a partilha, nos moldes do art. 731 do Código de Processo Civil.
-
Dessa forma, o Juiz pode proferir sentença parcial de mérito sem a necessidade
de oitiva do outro cônjuge e o processo deve prosseguir em relação às questões
de direito que exigem o contraditório.
-
Processo: Agravo de Instrumento-Cv
1.0000.21.148822-6/001
1488234-04.2021.8.13.0000
Relator(a):
Des.(a) Carlos Levenhagen
Data
de Julgamento: 16/12/2021
Data
da publicação da súmula: 16/12/2021
Ementa:
EMENTA:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIVÓRCIO LITIGIOSO - DECRETAÇÃO EM SEDE DE TUTELA DE
EVIDÊNCIA - DIREITO POTESTATIVO - INTELIGÊNCIA DO ART. 226, § 6º, DA CRFB/88 -
CABIMENTO - REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA - PROVIMENTO DO RECURSO.
-
É cabível a decretação de divórcio em sede de tutela de evidência, haja vista a
natureza potestativa do direito reclamado, com fulcro no art. 226, § 6º, da
CRFB/88.
-
Recurso provido.
3 O divórcio como limitação ao direito de liberdade, à dignidade
humana, à identidade (nome), à privacidade, à intimidade
Como
visto, ocorreram mudanças relacionadas ao conceito de família, reconhecimento
de família e uniões, assim como com relação à dissolução do casamento. Foram
muitas mudanças, mesmo que de forma lenta, foram e são significativas para
realidade vivida em sociedade.
É
possível perceber uma evolução no sentido de priorizar o afeto nas relações,
assim como a vontade do indivíduo e sua autonomia em reger sua vida. Tal
autonomia tem ligação direta com a dignidade humana quando pensado o livre
arbítrio. Ser prisioneiro em um relacionamento já não é mais a perspectiva da
legislação brasileira.
Sabe-se
que o divórcio e o fim de qualquer relacionamento é doloroso e é de grande
impacto para a família de forma geral. Não condicionar o divórcio ou procurar
culpados faz com que esse impacto diminua ou pelo menos seja menos doloroso.
O
divórcio ou a separação constitui-se como uma crise intensa que inclui diversos
movimentos de acomodação a realidades em transformação. É sabido que o divórcio
é das crises que mais impacto provoca, desencadeando níveis muito elevados de
stress e de sofrimento psicológico. (Mota, 2014)
Pode-se
inferir da legislação uma perspectiva do divórcio como direito potestativo,
incontroverso. No entanto, o direito que é incontroverso se vê limitado por uma
decisão judicial. Apesar de ser possível identificar que há alta probabilidade
do deferimento do pedido de divórcio antes da sentença do processo que o
considera sob a justificativa de que entende-se pelo direito ao exercício da
vontade, tratando-se de direito potestativo, o indivíduo que deseja se
divorciar ainda depende de decisão judicial para ter efetividade de seu
direito. É eminente que tal direito se vê condicionado à decisão do Poder
Judiciário para ser exercido.
Deste
modo, o indivíduo que deseja se divorciar se depara com limitação jurídica ao
seu direito à liberdade, ao exercício de sua vontade, princípios basilares da
Constituição Federal, sobretudo, à dignidade humana. Isso porque este indivíduo
sofre restrição em poder “seguir em frente”, tendo, em muitos casos, em seu
nome a “marca” de uma relação que não deseja mais e que nem mesmo pode ser
considerada fato da presente realidade. O condicionamento da efetividade desse
direito potestativo abala além do direito à liberdade, o direito à identidade
(nome/sobrenome), à privacidade, à intimidade por ter o indivíduo que se expor
ao desgaste do processo judicial, o que fere a dignidade humana dessa pessoa.
Portanto,
deve haver adaptação normativa, releitura do ordenamento jurídico adaptada à
efetividade da perspectiva do divórcio como direito potestativo na prática.
4 Conclusão
Com
o presente estudo, verifica-se que apesar de grande evolução na doutrina e
ordenamento jurídico brasileiro, a pessoa que quer se divorciar enfrenta
obstáculo, quanto ao exercício de seu direito potestativo. Isso porque
apesar de ter o entendimento de que basta a vontade de querer o divórcio para
que este seja feito, há ainda a dependência do Poder Judiciário para que haja a
efetividade desse direito, o que acaba por causar limitação jurídica a esse
indivíduo quanto a sua vida social, de modo que os seus direitos individuais e
constitucionais são abalados.
O
divórcio permite que o casal siga em frente, podendo constituir novo matrimônio
e ter a liberdade de não se ver preso em um relacionamento que não deseja.
Como
se observa, o divórcio é um direito potestativo já que está condicionado
puramente à vontade de quem o quer. Assim se não é nem mesmo preciso que
a outra parte concorde em conceder o divórcio, não há razão de manter o
exercício desse direito atrelado a uma decisão judicial.
Tem-se
que a apresentação desnecessária da temática ao Poder Judiciário, além de gerar
mais sofrimento ao indivíduo, aumenta o abarrotamento de processos judiciais,
contrariando os princípios constitucionais da celeridade e economia processual.
Não se pode deixar de mencionar, ainda, que o direito de constituir família
compõe o direito da personalidade, da dignidade humana, sendo a mantença do
vínculo matrimonial contra a vontade do indivíduo, inegavelmente, causadora de
abalo emocional, psíquico, dor e sofrimento, o que fere diretamente a dignidade
humana.
Prevê
o texto constitucional o direito à liberdade de todos. Ninguém é obrigado a
manter um relacionamento que não quer. Assim, entende-se que não é o Poder
Judiciário que deve decidir a questão apresentada.
Como
já mencionado neste trabalho, existe uma releitura, adaptação normativa no
tratamento da matéria, posicionamentos jurisprudenciais favoráveis ao divórcio
por decisão antes mesmo da sentença, sob julgamento parcial de mérito.
Deste
modo, sabendo que a constituição do matrimônio é realizada em cartório de
registro civil e também considera a manifestação da vontade entre duas pessoas,
nada mais coerente de o divórcio também ser feito da mesma forma em qualquer
caso, seja com filhos menores ou não, já que temas como partilha de bens e
alimentos podem ser discutidos em ações judiciais próprias. Ademais,
visto que o divórcio é um direito potestativo, dependendo apenas da vontade da
pessoa que o pleiteia, não se vê mais a necessidade de anuência da outra parte
e, por isso, tem-se que esse direito pode ser exercido de forma unilateral,
mesmo diante do cartório de notas de registro civil.
Assim,
a necessidade de adaptação normativa, de acordo com a evolução da sociedade, à
luz da Constituição Federal, mostra-se imperativa para garantir o direito da
dignidade humana.