Não pode ato administrativo ampliar a
competência territorial para permitir a instalação de serventia extrajudicial
em outra área geográfica. A regra definida em lei é a territorialidade, sendo
que eventuais exceções também devem ter assento em normativo legal.
Nesse sentido, é cristalino o artigo 9º
da Lei 8.935/94 ao determinar que o tabelião está impedido de praticar atos do
seu ofício fora dos limites territoriais da delegação: "O tabelião de
notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do município para o qual
recebeu delegação".
De igual forma estão as disposições do
artigo 12 do referido dispositivo legal: "Aos oficiais de registro de
imóveis, de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas, civis das
pessoas naturais e de interdições e tutelas compete a prática dos atos
relacionados na legislação pertinente aos registros públicos, de que são
incumbidos, independentemente de prévia distribuição, mas sujeitos os oficiais
de registro de imóveis e civis das pessoas naturais às normas que definirem as
circunscrições geográficas".
Seguindo a orientação normativa em
debate, o Conselho Nacional de Justiça asseverou ser compulsória a observância
das leis de organização judiciária relativas à delimitação da competência
territorial de cada delegatário. Assim, não se divisa a possibilidade de
instalação de serventia em local diverso de sua competência definida em Lei,
vejamos:
"PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. OFÍCIO DE
REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS. TERRITORIALIDADE. SUCURSAL.
IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. 1. Por força da regra da territorialidade, uma
vez definidos os limites geográficos de competência de determinada serventia,
não cabe ao Conselho Nacional de Justiça autorizar a instalação de sucursal ou
da própria serventia em localidade diversa. 2. A criação de serventias
extrajudiciais tem em consideração a necessidade de prestação de serviços
notariais e registrais à população e não a garantia de boa rentabilidade para
os titulares. 3. Pedido julgado improcedente" (CNJ — PP — Pedido de
Providências — Conselheiro — 0001388-74.2014.2.00.0000 — relatira GISELA GONDIN
RAMOS — 190ª Sessão Ordinária — julgado em 03/06/2014).
"RECURSO EM PROCEDIMENTO DE
CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ATUAÇÃO
DE OFICIAIS DE REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS COM ATRIBUIÇÕES NOTARIAIS.
DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DA ÁREA DE ATUAÇÃO. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DOS
TRIBUNAIS. PROVIMENTO CONJUNTO N. 93/2020. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I–Recurso Administrativo interposto contra decisão que
não conheceu do Procedimento de Controle Administrativo e determinou seu
arquivamento liminar, a teor do artigo 25, X, do Regimento Interno. II–A partir
de interpretação razoável e no exercício da autonomia administrativa conferida
pela Constituição Federal, o TJMG delimitou geograficamente a área de atuação de
cada delegação, observadas as condições locais e regionais e respeitado, no
caso dos oficiais de registro civil das pessoas naturais com atribuições
notariais, o limite máximo do território do distrito.
III– A Lei nº 8.935/94 estabelece que a
atuação dos oficiais de registro civil das pessoas naturais, cujas serventias
são localizadas em distritos, se restringe aos limites do distrito, razão pela
qual impõe-se obediência à circunscrição territorial definida por lei àquelas
serventias com atribuição notarial acumulada, haja vista que a cumulação não as
transforma em tabelionatos de notas. IV–A norma impugnada preserva o sistema de
acesso às serventias extrajudiciais por meio do concurso público, vedando a
atuação que pudesse representar invasão do limite de atuação de outrem. V-O
artigo 9º da Lei nº 8.935/94 não confere direito subjetivo à atuação em todo o
território do município para o qual os notários receberam delegação, mas
veicula regra delimitativa, com caráter negativo, que visa impedir a atuação fora
dele. Precedentes. VI– Refoge à competência do CNJ a incursão em matéria que
denote ausência de flagrante ilegalidade, estando, neste caso, desautorizada a
intervenção excepcionalíssima em questão afeta à autonomia administrativa dos
Tribunais. VII–As razões recursais carecem de argumentos capazes de abalar os
fundamentos da decisão combatida. VIII–Recurso conhecido e não provido"
(CNJ — RA — Recurso Administrativo em PCA — Procedimento de Controle
Administrativo — 0005525-89.2020.2.00.0000 — relatora FLÁVIA PESSOA — 91ª
Sessão Virtual — julgado em 27/08/2021).
Outro não é o entendimento do Supremo
Tribunal Federal: "As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de
competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa
privada. Competências que fazem de tais serventias uma instância de
formalização de atos de criação, preservação, modificação, transformação e
extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas
investe as serventias extrajudiciais em parcela do poder estatal idônea à
colocação de terceiros numa condição de servil acatamento, a modificação dessas
competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumulação de
unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo
a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei. Precedentes. (...)". (ADI 2415, relator (a):
AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 22/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028
DIVULG 08-02-2012 PUBLIC 09-02-2012)
Da mesma forma, no julgamento do Agravo
Regimental no Recurso Extraordinário 640.812, deixou assente que a criação,
extinção, acumulação e desacumulação de delegações depende da edição de lei
formal, confira-se:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS PREVIAMENTE CRIADOS POR LEI ESTADUAL.
REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. CRIAÇÃO, EXTINÇÃO, ACUMULAÇÃO E DESACUMULAÇÃO.
NECESSIDADE DE LEI FORMAL. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A
JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 28.01.2009. 1. O
entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão
agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo
Tribunal Federal. 2. Incabível a interposição do apelo extremo pelo permissivo
da alínea “b” do art. 102, III, da Constituição Federal de 1988, deixando o
Tribunal de origem de declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei
federal. 3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os
fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo regimental conhecido e
não provido". (RE 640812 AgR, relator (a): ROSA WEBER, Primeira Turma,
julgado em 30/06/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 10- 08-2015 PUBLIC
12-08-2015).
O Regimento Interno do Conselho
Nacional de Justiça, em seu artigo 25, inciso XII, estabelece que compete ao
Relator deferir monocraticamente pedido em estrita obediência a Enunciado
Administrativo ou entendimento firmado pelo CNJ ou pelo Supremo Tribunal
Federal.
O dispositivo referenciado autoriza,
portanto, aos conselheiros decidirem de forma monocrática em questões que já
possuem entendimento consolidado.
Seguindo a prescrição referenciada, nos
autos do Procedimento de Controle Administrativo 0006937- 21.2021.2.00.0000,
julgado em 02/05/2022, a conselheira Jane Granzoto, em decisão irretocável,
julgou monocraticamente improcedente o pedido formulado no processo para
autorização de instalação da serventia em outra área geográfica, assinalando
que: "o julgamento da pretensão não exige a ponderação de princípios, uma
vez que o mérito da controvérsia é dirimido com a aplicação da Lei 8.935/94 e
da jurisprudência acerca da matéria".
Destacou a relatora, ainda, que: "nos
certames para outorga de delegações extrajudiciais, a prioridade para escolha
das serventias é dos candidatos mais bem classificados. A medida preza pela
meritocracia, uma vez que proporciona àqueles que tiveram as maiores notas a
possibilidade de optarem por cartórios mais rentáveis e instalados em locais
com melhor infraestrutura".
Nessa perspectiva, inexiste margem para
autorização de instalação de serventia fora dos limites territoriais da
delegação.
Outrossim, nos concursos públicos para
o extrajudicial a posição do candidato na lista de classificação é um
diferencial, diferentemente de outros concursos em que o cargo pretendido
oportuniza rendimentos semelhantes.
Com efeito, as delegações em tese mais
atrativas, segundo o parâmetro de melhor rendimento, são oferecidas aos
candidatos mais bem classificados, privilegiando-se o mérito de cada um, o que
nos parece ser, de fato, o melhor critério a ser adotado.
A prioridade, portanto, para escolha
das delegações é dos candidatos mais bem colocados, proporcionando àqueles que
tiveram as maiores notas a possibilidade de optarem por cartórios mais
rentáveis e instalados em locais com melhores condições.
Para além disso, é importante
considerar que a criação de serventias extrajudiciais tem em consideração a
necessidade de prestação de serviços notariais e registrais à população e não a
garantia de boa rentabilidade para os titulares. (CNJ — PP - Pedido de
Providências — Conselheiro — 0001388-74.2014.2.00.0000 — relatora GISELA GONDIN
RAMOS — 190ª Sessão Ordinária — julgado em 03/06/2014).
Ante o exposto, com esteio na lei
8935/94 e na jurisprudência pátria, é contra legem a instalação de serventia
extrajudicial fora dos limites territoriais da delegação, configurando
flagrante violação à ordem de classificação do concurso público a autorização
para atuação fora da competência definida em lei.
Samara
Léda é advogada especialista em Direito Disciplinar, Notarial e Registral, com
atuação há mais de dez anos perante o Conselho Nacional de Justiça.