A possibilidade de obrigar uma pessoa a
dividir com o ex-companheiro os gastos com os cachorros adquiridos pelo casal
durante a união estável gerou divergência na 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça. Retomado nesta terça-feira (21/6), o julgamento foi novamente
interrompido por pedido de vista.
O caso trata de um casal que viveu em
união estável entre 2007 e 2012, período em que adquiriram seis cachorros. Com
o fim da relação, em março de 2013 a ex-companheira assumiu para si a posse dos
pets, que julgava estarem abandonados no sítio do ex-companheiro.
Em 2017, ela ajuizou uma ação para
cobrar dele o pagamento de metade do valor das despesas que teve com os
animais, de R$ 750 por mês. O pedido era para obriga-lo a ressarci-la em R$
39,5 mil, além de obriga-lo a dividir os custos até a morte ou alienação de
todos os pets.
As instâncias ordinárias julgaram a
ação parcialmente procedente. O ex-companheiro foi condenado a pagar R$ 19,7
mil, as despesas mensais vencidas durante o processo e os custos até que os
pets serem alienados (doados ou vendidos) ou falecerem.
Relator, o ministro Ricardo Villas Bôas
Cueva votou por manter essa obrigação. Para ele, impor os custos apenas à
ex-companheira configura abuso de direito, pois a aquisição dos animais de
forma conjunta impôs o dever equânime de cuidar dos mesmos.
Abriu a divergência o ministro Marco
Aurélio Bellizze. Para ele, o ex-companheiro não deve ser obrigado a arcar com
os custos, pois a relação entre dono e animal é regida pelo direito de
propriedade. E no caso, é incontroverso que a dona exclusiva é a
ex-companheira, a quem cabe arcar com os custos dos animais.
O tema é inédito no STJ. Até então, a
corte só tem precedente que trata de direito de visita a animal de estimação
após separação, julgado pela 4ª Turma em 2018. Pediu vista a ministra Nancy
Andrighi, que prometeu refletir sobre o caso nas férias de julho, acompanhada
de seus cachorros.
Não se trata de pensão
Tanto o relator quando o
voto-divergente rechaçaram qualquer aplicação das regras do direito civil
quanto à pensão alimentícia.
Segundo o ministro Cueva, na ausência
de lei específica sobre o tema, a ação deve ser julgada a partir da analogia,
dos costumes e dos princípios gerais do direito, conforme prevê a Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).
Ele destacou que há princípios constitucionais
e legais que impõe aos donos de pet o dever de cuidado, os quais foram violados
pelo ex-companheiro. 'Pretender carrear tal compromisso apenas à autora
materializa inequívoco abuso de direito", entendeu o relator, que votou
por negar provimento ao recurso especial.
"Assim, a aquisição conjunta de
animais por ex-companheiros impõe o equânime dever de cuidado e de subsistência
digna desses até sua morte ou alienação", resumiu.
Direito de propriedade
Já para o ministro Bellizze, a relação
entre dono e animal se situa no âmbito do direito de propriedade e no direito
das coisas. Ou seja, sofre o reflexo das normas que definem o regime de bens —
no caso, da união estável —, cuja aplicação deve levar em conta a natureza
particular dos animais de estimação, seres dotados de sensibilidade.
Por isso, entendeu que a conclusão
admitida pelo relator não é cabível. Não se pode permitir que a única dona dos
animais, que usufrui sozinha da companhia deles, pleiteie o pagamento de
despesa a quem não detém a propriedade e sequer manteve vínculo sentimental.
"O fato de os animais de estimação
terem sido adquiridos na vigência da união estável não pode representar a
consolidação de um vínculo obrigacional indissolúvel", disse o ministro
Bellizze. "O único vínculo de custear a sobrevivência de outro ser vivo
independentemente da ruptura da relação conjugal ou vivencial decorre da
relação de filiação", ressaltou.
REsp 1.944.228
Fonte: ConJur