A ausência de moradia
permanente no imóvel, certificada pelo oficial de Justiça no trâmite
processual, afasta o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família de
propriedade da executada.
Com esse entendimento, o
juízo de primeiro grau da 7ª Vara Cível de Curitiba modificou a decisão
anterior que havia reconhecido o imóvel da executada como bem de família e
deferiu a penhora requerida pela exequente em execução de título extrajudicial.
A execução de título
extrajudicial foi ajuizada em fevereiro de 2004 e, desde então, a exequente não
havia localizado bens de titularidade da executada suficientes à satisfação do
débito, a despeito das diversas medidas adotadas nesse sentido. Durante a
tramitação da execução, houve o pedido de penhora de imóvel, instituindo-se a
executada como fiel depositária do bem.
Contudo, após a alegação
de que o bem se tratava de bem de família, o juízo entendeu adequado determinar
o levantamento da penhora lavrada sobre o imóvel, "[...] Ante ao princípio
da dignidade da pessoa humana, bem como a não privação do executado e de sua
família do direito básico da moradia", ponderou na decisão.
O feito prosseguiu com a
diligência do oficial de Justiça na residência da executada para buscar bens
livres e desembaraçados passíveis de penhora, tendo sido constatado que esta
não mais residia no lugar que outrora havia estabelecido "moradia permanente"
— requisito indispensável ao reconhecimento da impenhorabilidade do bem de
família, nos termos do artigo 5°, in fine, da Lei nº 8.009/1990.
No caso em questão, o
oficial compareceu ao local durante três meses sucessivos, em finais de semanas
e horários alternados e certificou que a executada não residia mais no
"bem de família" e tampouco o utilizava para locação ou subsistência,
o que foi corroborado por diversos moradores do prédio. Ainda, certificou que a
executada estava residindo em outro estado e que se deslocava para a capital
paranaense apenas eventualmente.
Desta vez, ante a
ocorrência de fato novo e superveniente que alterou a circunstância necessária
à caracterização do imóvel como bem de família — qual seja, a moradia
permanente no imóvel — o juízo da 7ª Vara Cível de Curitiba deferiu o pedido de
reversão da impenhorabilidade do imóvel.
Na decisão, explicou que
"O bem de família é o único imóvel do devedor, por ele utilizado como sua
moradia, e que está — em regra — a salvo de penhora por qualquer tipo de
dívida, conforme dispõe o art. 1º da Lei 8.009/1990", porém, "[...]
no caso, o imóvel não é tutelado pela Lei do Bem de Família, considerando a
ausência de moradia permanente".
Ainda, fundamentou que a
"Executada não comprovou satisfatoriamente os requisitos para o
reconhecimento da impenhorabilidade (...) a infirmar o gravame sobre imóvel,
tampouco ilidiu a certidão" do oficial de Justiça, pelo que seria
impossível a classificação do imóvel como bem de família.
O exame do caso concreto
revela a possibilidade de o exequente afastar a proteção legal da
impenhorabilidade do bem de família quando o imóvel do devedor não se destina a
garantir a moradia familiar ou a subsistência da família, revertendo a condição
de impenhorabilidade.
Como se sabe, o
legislador buscou prestigiar o interesse do devedor em detrimento da satisfação
executiva do credor ao consagrar a impenhorabilidade do bem de família.
Contudo, para a caracterização do imóvel como bem de família, é necessário
comprovar que este é o único imóvel do devedor e que serve, efetivamente, de
residência à entidade familiar (artigo 5°, in fine, da Lei nº 8.009/1990).
Ainda, pode o executado
demonstrar que dele percebe frutos destinados à subsistência de sua família,
eis que o Enunciado nº 486 da Súmula do STJ prevê que "É impenhorável o
único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a
renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da
sua família".
Em suma, o exame do caso
concreto permite concluir que o credor poderá ilidir a proteção legal da
impenhorabilidade do bem de família quando restar comprovado nos autos que o
devedor tem outros imóveis passíveis de penhora ou quando o seu único imóvel
encontra-se desocupado ou inutilizado.
Nesse contexto, a
certidão expedida pelo oficial de Justiça (ou diligências externas) pode ser um
excelente meio de prova para afastar a intangibilidade do imóvel que não mais
se destina à residência do executado e tampouco à locação a terceiros com a
finalidade de complementar a renda familiar. Isso porque a informação ali
contida gozará de presunção de veracidade diante da fé pública do seu emitente.
Todavia, é necessário ter
cautela na análise do caso sub judice, de modo que a certidão do oficial de
Justiça deve ser sempre examinada em conjunto com os outros elementos
probatórios constantes dos autos, a fim de proteger o patrimônio mínimo do
devedor e impedir o credor de levá-lo à situação de penúria extrema,
preservando o direito à moradia (artigo 6º, caput, da CR/1988) e a dignidade
humana (artigo 1º, inciso III, da CR/1988).
Autores:
Paulo José da Silva
Pereira é mestre em Ciências Sociais Aplicadas e especialista em Processo Civil
pela UEPG, advogado e sócio da área de contencioso e arbitragem do escritório Vernalha
Pereira.
Rafaella de Aragão
Gonçalves Nakayama Borges é acadêmica de Direito da Universidade Federal do
Paraná, pesquisadora do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil (UFPR) e
estagiária do escritório Vernalha Pereira.
Fonte: ConJur