A USUCAPIÃO não é ordinariamente
o meio para regularizar imóveis deixados por herança, em favor dos herdeiros,
fazendo as vezes do procedimento adequado. Sabemos disso pois para tal hipótese
a Lei já tem a previsão da solução cabível: INVENTÁRIO em quaisquer das suas
modalidades (como falamos aqui inclusive:
http://juliomartins.net/pt-br/node/67), especialmente o INVENTÁRIO
EXTRAJUDICIAL, todavia, não podemos desconhecer que em alguns casos poderão ser
cravados sobre a situação fática os requisitos que a Lei exige para a
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA de tal modo que evidenciados os requisitos para a
Usucapião, essa poderá sim requerida na via judicial ou extrajudicial.
O INVENTÁRIO, como sabemos, é a
solução judicial ou extrajudicial destinada a apurar o acervo hereditário
deixado pelo defunto e, após a solução das suas dívidas e eventuais encargos
pendentes, promover a entrega dos quinhões hereditários aos sucessores, na forma
da Lei (art. 1.829 ou art. 1.603, se o caso). Por sua vez, USUCAPIÃO é o
fenômeno indiscutivelmente reconhecido em Lei que representa uma das formas de
aquisição originária da propriedade (e outros direitos reais, inclusive)
através da posse prolongada e preenchimento do demais requisitos reclamados em
Lei.
É importante notar no estudo
detalhado dos dois institutos que, em sede de INVENTÁRIO, a “posse” dos bens da
herança se transmite independentemente de pronunciamento judicial ou
extrajudicial (art. 1.784) e no procedimento de USUCAPIÃO, mediante a posse
(que é uma situação fática) também pode obter a prescrição aquisitiva o
interessado também independentemente do crivo judicial – logo, não se pode
negar que ainda que a posse seja transmitida a todos os herdeiros mesmo que
eles nem mesmo saibam do evento morte (art. 1.784) a INTERVERSÃO DA POSSE pode
ocorrer aqui também de modo a se tornar plenamente possível a USUCAPIÃO mesmo
em sede de INVENTÁRIO – como inclusive, com acerto esperado já reconheceu diversas
vezes o STJ (REsp 1.631.859/SP, inclusive).
Em que pese o tema ser bem
divergente, entendemos que nesse caso especificamente o exame das
peculiaridades do caso concreto – especialmente a produção probatória – será de
suma importância, como entende inclusive a acertada jurisprudência do TJDFT que
anulou sentença que precipitadamente indeferia a petição inicial:
“TJDFT.
0714636-57.2020.8.07.0001. J. em: 04/08/2021. APELAÇÃO CÍVEL. IMÓVEL OBJETO DE
HERANÇA EM INVENTÁRIO. USUCAPIÃO. POSSIBILIDADE. CONDOMÍNIO ENTRE HERDEIROS.
INTERESSE PROCESSUAL. PRESENTE. POSSE AD USUCAPIONEM. REQUISITO AFETO AO
MÉRITO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. PRECOCE. SENTENÇA TORNADA SEM EFEITO. 1. O
interesse processual é observado através da análise dos requisitos da
necessidade, utilidade e adequação da via eleita, os quais devem ser
averiguados conforme teoria da asserção, em abstrato, a partir das afirmações
contidas na petição inicial. 2. Apesar de o imóvel integrar o rol de bens a
serem OBJETO DE INVENTÁRIO, sendo, em princípio, indivisível após aberta a
sucessão e pertencente em co-propriedade e condomínio a todos os herdeiros
(art. 1.791, parágrafo único, CC), vislumbra-se SER POSSÍVEL, EM TESE, ao
herdeiro interessado postular em Juízo a USUCAPIÃO DO BEM a fim de obter a
constituição de PROPRIEDADE EXCLUSIVA EM SEU FAVOR, desde que demonstre
efetivamente o cumprimento de todos os REQUISITOS LEGAIS para a declaração da
prescrição aquisitiva. Precedente do STJ. 3. A existência de posse ad
usucapionem a permitir a aquisição da propriedade constitui questão
intrinsecamente ligada ao próprio direito pretendido pela parte autora,
configurando, portanto, ANÁLISE DE MÉRITO a ser realizada em momento processual
oportuno, após contraditório e eventual instrução probatória, sendo DESCABIDO O
PRECOCE INDEFERIMENTO DA INICIAL. Precedentes deste TJDFT. 4. Recurso da autora
conhecido e provido. Recurso da ré prejudicado”.
Fonte: Jornal Contábil