Já tivemos
oportunidade de tratar do novo procedimento extrajudicial de adjudicação
compulsória dos contratos preliminares integralmente quitados. Hoje a nossa
atenção se volta para o mesmo contrato, mas agora sob a ótica de sua rescisão.
De fato, se quem
pagou todas as parcelas de um compromisso, pode exigir fora do âmbito do poder
judiciário que lhe seja transmitido coativamente o domínio, não seria natural
que esse contrato preliminar seja da mesma forma desfeito e seu registro
cancelado quando a pessoa deixa de pagar as prestações? Parece ser intuitivo
que a resposta seja sim.
Como se sabe, no
âmbito da alienação fiduciária já é um grande sucesso a sua execução
extrajudicial. Também é muito utilizada a usucapião extrajudicial para a
titulação de pessoas que exercem posse durante anos a fio. E também é possível
a rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda, no âmbito dos
loteamentos de imóveis urbanos (art. 32, §1º, Lei 6.766/1979).
Todavia, o art.
251-A da Lei 6.015/73 é uma novidade que deve ser festejada, pois admite a
rescisão do contrato registrado, sem a necessidade se recorrer ao poder
judiciário, não apenas nos casos de loteamentos, mas em todos os casos de
promessa de venda de imóveis cujas prestações não sejam pagas.
Hoje, quando
alguém quer vender um imóvel com o pagamento em parcelas, normalmente
estabelece uma cláusula de “condição resolutiva”, que o poder judiciário tem
predominantemente entendido que ainda assim requer uma ação para obter a
rescisão. Outra opção é garantir essa dívida com a alienação fiduciária, que
exige a realização de leilões antes que o credor possa ficar com o bem.
Porém, agora é
possível que o contrato de promessa de venda registrado na matrícula do imóvel
seja rescindido e o seu registro cancelado, em caso de não pagamento das
prestações, tudo isso rapidamente e sem necessidade de se mover uma ação
judicial.
A nova disposição
legal permite que o prejudicado com a falta de pagamento requeira ao oficial do
registro de imóveis que intime o devedor para que, em 30 dias, coloque os
pagamentos em dia com todos os seus acessórios, diretamente no cartório. Se o
pagamento for feito, o valor é logo repassado ao credor, o contrato fica
mantido e tudo seguirá normalmente. Mas, se nesse prazo a dívida não for paga,
o contrato será considerado rescindido e o seu registro será definitivamente
cancelado em seguida.
Observe-se que,
em poucas semanas, é possível a solução extrajudicial dessa pendência, que
geralmente onera quem aliena seu imóvel, talvez seu único bem, mas não consegue
receber o que lhe é devido.
Outro ponto que
merece destaque á que a certidão de cancelamento do registro da compra e
venda é prova suficiente para que se requeira, até mesmo liminarmente, a
reintegração de posse do imóvel, esta sim, em processo judicial.
Com essa
mudança, que valoriza a boa-fé que deve ter nos contratos, pensamos que é mais
vantajoso para quem vende um imóvel com pagamento parcelado utilizar-se de uma
promessa de venda e seu registro na matrícula, do que a compra e venda com
condição resolutiva. A primeira opção permite desfazimento rápido, em caso de
falta de pagamento, sem intervenção judicial. Já em relação à segunda (art. 474
do Código Civil) predomina o entendimento de que é preciso recorrer à justiça
para desfazer o negócio, arrostando o interessado a lentidão e a
imprevisibilidade da decisão definitiva.
É verdade que há
um precedente do Superior Tribunal de Justiça, da 4ª Turma, no julgamento do
Recurso Especial 620.787, Rel. Ministro Marco Buzzi, considerando que nas
vendas com condição resolutiva também não é necessária a desconstituição
judicial do negócio.
Mas, ante a
dúvida de qual será o entendimento da justiça a respeito da condição
resolutiva, melhor contar com a certeza da inovação legal, que permite a
rescisão de toda e qualquer promessa de compra e venda em que não são feitos os
pagamentos, desde que tenha sido o devedor constituído em mora e tido
oportunidade para colocar em dia os pagamentos.
É importante
dizer que, apesar da inovação legal ser recente, ela pode ser utilizada desde
já até mesmo para os contratos celebrados anteriormente e não apenas para os
que forem feitos a partir de agora.
Se algum
adquirente que tiver o negócio desfeito dessa nova forma considerar que tem
algum direito, como a devolução de parte do valor que pagou, poderá discutir em
juízo, mas sem que isso impeça a rescisão do contrato e a imediata retomada do
bem pelo proprietário. Assim, os direitos de ambos os contratantes são
plenamente respeitados.
Com essa
inovação legal, fica reforçado o princípio de que os contratos devem ser
cumpridos como foram previstos, sem que a pessoa possa protelar a solução da
falta de pagamento. Isso favorece o ambiente dos negócios, reforça a
responsabilidade de quem contrata e protege as pessoas que são cumpridoras de
seus deveres. É mais uma injeção a revigorar a combalida economia tupiniquim.
Por fim, embora
o compromisso de compra e venda possa ser feito por instrumento particular,
preferencialmente com a assistência de um advogado, recomenda-se o uso da forma
mais segura e solene da escritura pública, com a assistência jurídica imparcial
de um tabelião, que em algumas unidades da Federação têm custas com descontos
para esses casos em que a forma pública é opcional.
Resta agora que
as pessoas com melhor orientação jurídica utilizem mais o compromisso de compra
e venda do que a venda com condição resolutiva. Com aquele contrato, se as
prestações forem pagas e o dono não quiser outorgar a escritura, há para o
prejudicado a adjudicação compulsória extrajudicial. Se, ao contrário, as
prestações não forem pagas, poderá o prejudicado obter a rápida rescisão
extrajudicial com o cancelamento do registro, de forma segura, rápida, barata e
eficaz.
[1] Especialista em direito notarial e registral pela
EPM, Desembargador aposentado (TJ/SP), atualmente é Oficial de Registro de
Imóveis do 2º Ofício de Cianorte – Paraná.
[2] Doutor e Mestre em Direito pela USP, Desembargador
aposentado, Ex-Corregedor Geral da Justiça, Ex-Presidente (TJ/SP) e Reitor da
Uniregistral.
[3] Mestre em Direito pela USP, especialista em direito
civil pela USP e em direito notarial e registral pela EPM, ex-advogado e
atualmente Registrador Civil e Tabelião de Notas do Distrito de Cachoeira de
Emas, Município de Pirassununga em São Paulo.
Fonte: IBDFam