Na última semana, a 8ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS decidiu pela exclusão de uma
companheira da partilha diante de pacto de separação de bens. Segundo o
advogado Mário Delgado, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM, trata-se da primeira decisão que menciona expressamente o
fato de os companheiros não serem herdeiros necessários recíprocos.
O colegiado reformou a sentença de
primeiro grau e garantiu validade à escritura pública de inventário e partilha
de bens formalizada pelas filhas do falecido. Ao ajuizar a ação em busca da
anulação da escritura, a autora sustentou ser herdeira dos bens.
A mulher foi companheira do falecido por dois anos. Conforme consta nos autos, ela alegou que o casal havia formalizado a união estável em um pacto antenupcial de separação total de bens.
O argumento tem como base a tese do
Supremo Tribunal Federal – STF, firmada no Tema 498, que tornou
inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e
companheiros. Ao avaliar a questão, porém, o juiz Mauro Caum Gonçalves, relator
do acórdão, considerou a tese inaplicável ao caso, já que foi publicada em
momento posterior à lavratura da escritura.
“Assim, não há falar em condição de herdeira necessária à autora, na medida em que sua eventual meação decorreria da união estável havida com o falecido, devendo, entretanto, no ponto, ser observado o regime de bens escolhido. Como referido, o regime de bens pactuado, da separação total de bens, não confere à autora direito à partilha, nem como meeira, nem como sucessora, tornando-se equivocada a conclusão alcançada no decisum”, pontuou o magistrado.
A perspectiva foi acompanhada pela
juíza convocada, Jane Maria Koehler Vidal, em seu voto. Também participou do
julgamento e acompanhou o voto do relator o desembargador Rui Portanova, membro
do IBDFAM.
Fundamento determinante
Mário Delgado observa que a sentença de
primeiro grau havia declarado a nulidade da escritura pública de inventário e
partilha extrajudicial que excluía da partilha a companheira sobrevivente. O
acórdão, segundo ele, reformou a sentença com base em dois argumentos
preponderantes:
“A escritura foi lavrada em 2015,
enquanto a tese firmada no Tema 498 do STF só foi publicada em 2017, portanto,
em momento posterior à lavratura. Além disso, não sendo os companheiros
herdeiros necessários, não padece de nulidade a escritura que omitiu a
companheira”, aponta o especialista.
O diretor nacional do IBDFAM acrescenta
que a questão do regime de bens (de separação absoluta) pactuado pelo casal
também foi mencionada na decisão. Ele não acredita, porém, que este tenha sido
fundamento determinante para a reforma da sentença.
Regime de bens
“A decisão está absolutamente correta quanto aos dois primeiros fundamentos. Na modulação da decisão, que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, o STF foi expresso quando disse que o novo entendimento só seria aplicável às partilhas extrajudiciais em que ainda não houvesse escritura pública”, comenta Mário Delgado.
O advogado destaca que, no caso dos
autos, em que há escritura lavrada em data anterior à decisão do STF, não
haveria como se invocar a inconstitucionalidade do art. 1.790 como vício do ato
notarial. “Por outro lado, não sendo a companheira herdeira necessária, já que
o STF não se manifestou, em momento algum, sobre a aplicação do art. 1.845 à
sucessão da união estável, não haveria mesmo que se defender a presença
obrigatória da companheira na escritura.”
Delgado pontua, entretanto, que o
acórdão “andou mal”, quando afirmou que “o regime de bens pactuado, da
separação total de bens, não confere à autora direito à partilha, nem como
meeira, nem como sucessora”. De acordo com ele, a posição já foi adotada pelo
STJ no passado (REsp n. 992.749/MS), mas se encontra completamente superada.
“Não se pode confundir regime de bens
com direito sucessório. Com a morte, extinguiu-se o regime e o que está em
discussão é o direito do companheiro à herança. Os efeitos do regime de
separação de bens não se estendem para além da morte”, frisa.
Presunção de legitimidade
Segundo Mário Delgado, trata-se da
primeira decisão que menciona expressamente o fato de os companheiros não serem
herdeiros necessários recíprocos. “Esse é o fato relevante a ser destacado, que
pode gerar impactos em outros casos.”
“Todavia, a companheira sobrevivente, nesse
caso específico, não é herdeira necessária, não em razão do regime de bens de
separação absoluta, mas, sim, porque o STF não quis assegurar esse status ao
companheiro, como ficou claro no julgamento dos embargos de declaração no RE
878.694”, ressalta.
O advogado conclui: “Como as leis gozam
de presunção de legitimidade e de constitucionalidade, não se podendo jamais
presumir o contrário, diante da redação atual do art. 1.845 do CC/2002, é
possível concluir que os companheiros não são herdeiros necessários, razão pela
qual a escritura pública de inventário, sem a participação da companheira, não
incorreu em nulidade”.
Fonte: Ibdfam