A cessão de direitos
hereditários é o negócio jurídico por meio do qual o cedente (herdeiro)
transfere ao cessionário, a título oneroso ou gratuito, parcial ou
integralmente, a parte que lhe cabe na herança. Dessa forma, entende-se que o
objeto da cessão de direitos hereditários é o conjunto de direitos e de obrigações
adquiridos pelo herdeiro cedente.
A cessão feita antes de aberta a
sucessão, ou seja, antes da morte do autor da herança é proibida, pois,
conforme o artigo 426 do Código Civil, “Não pode ser objeto de contrato a
herança de pessoa viva”.
Os direitos hereditários têm natureza
de bem imóvel (artigo 80, II do Código Civil[1]), por essa razão o artigo 1.793 do Código Civil[2] exige que a cessão de direitos
hereditários seja feita, obrigatoriamente, por meio de escritura pública.
Caso a cessão seja realizada por instrumento particular, o negócio jurídico
será nulo, por defeito de forma (artigo 166, IV do Código Civil[3]).
Em virtude da universalidade
indivisível do acervo hereditário, prevista no artigo 1.791, caput e
parágrafo único do Código Civil[4], o herdeiro pode ceder apenas a sua quota parte
nos direitos e obrigações que compõem a herança, tendo em vista que “tudo é de
todo mundo” até a conclusão da partilha.
Nesse sentido, o artigo 1.793, § 2º do
Código Civil prevê que “É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito
hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente”. Esse
dispositivo legal parte do pressuposto de que a cessão de um bem determinado
estaria condicionada a evento futuro e incerto, qual seja, a efetiva atribuição
do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha. Dessa forma, a cessão de um
bem individualizado que esteja em inventário, em razão de sua ineficácia, é
inoponível aos demais herdeiros.
Seria possível, então, realizar a venda
de um imóvel, com razoável segurança jurídica, por meio de cessão de direitos
hereditários?
Para que se possa chegar a essa
resposta e visualizar as implicações possíveis, convém analisar um caso
hipotético: João morre e deixa uma fazenda, um apartamento e um carro a serem
partilhados entre seus três filhos, Ana, Helena e Tales, únicos herdeiros.
Antes de ser realizada a partilha dos bens, Helena pretende vender sua parte da
fazenda para Gabriel. Por isso, divide a área da fazenda por três e realiza a
venda da área reservada a si por meio da cessão de direito hereditário, a fim
de que Gabriel possa desenvolver de imediato a plantação de soja no local.
Uma primeira questão que deve ser
observada nesse negócio realizado entre Helena e Gabriel é que, em atenção ao
direito de preferência dos coerdeiros, previsto no artigo 1.794 do Código Civil[5], Helena deveria, obrigatoriamente, oferecer sua
parte aos coerdeiros antes de oferecer a terceiros. Logo, o terceiro somente
poderia adquirir o quinhão hereditário cedido se nenhum dos coerdeiros optassem
por adquiri-lo nas mesmas condições oferecidas ao terceiro alheio à sucessão.
Ademais, segundo o artigo art. 1.793, §
3º do Código Civil[6], a cessão hereditária sobre um bem determinado
exige a prévia autorização do Juízo da Sucessão, de sorte a resguardar os
direitos patrimoniais dos coerdeiros, os quais deverão ser contemplados com a
divisão igualitária dos quinhões hereditários.
Caso todos os herdeiros optassem
pela cessão de direitos hereditários, poderiam acordar da melhor forma, e conforme
sua conveniência, quem ficaria com o quê. Nesse caso, seria plenamente eficaz a
cessão de bens individualizados, significando uma espécie de pré-partilha
amigável formalizada por meio de escritura pública e homologada pelo Juízo da
sucessão. A partir disso, o Juiz poderia determinar a expedição de formal de
partilha em conformidade com a escritura de cessão.
Além da questão da preferência dos
coerdeiros, a divisão da fazenda em três partes que foi realizada por Helena
também dependeria da anuência de todos os herdeiros. Afinal, caso haja
discordância, Gabriel corre o risco de receber apenas o quinhão hereditário de
Helena, que não necessariamente pode coincidir com a parte da fazenda que lhe
foi prometida por Helena. Além disso, Gabriel teria acesso ao patrimônio
somente ao final do inventário, após a partilha dos bens.
A necessidade de anuência dos
coerdeiros se subsidia no fato de que a fazenda pode apresentar valores
mercadológicos diferentes em cada um de seus hectares, considerando, por exemplo,
a produtividade da área, acesso a água, qualidade de solo, entre outros
fatores. Nem sempre a fazenda pode ser dividida sem que, com isso, perca valor
com relação às demais áreas. Além disso, os fatores tratados anteriormente
podem influenciar consideravelmente o valor de cada uma das áreas, o que, por
consequência, também valorizaria o quinhão do respectivo herdeiro, colocando-o
em desigualdade face aos demais.
Outro ponto a se considerar: se Helena
for casada em regime de comunhão de bens (parcial ou total), além da anuência
dos coerdeiros será indispensável a concordância do seu cônjuge, tendo em vista
que a herança, por ter natureza de bem imóvel, exige a autorização do cônjuge
para que possa ser alienada, conforme dispõe o artigo 1.647, inciso I do Código
Civil[7].
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça
admitiu a penhora de imóvel adquirido por meio de cessão de direitos hereditários
em razão de dívida do falecido, sob o argumento de que somente com a “ultimação
do inventário, após o pagamento das dívidas deixadas pelo falecido, é que o
cessionário poderá reivindicar eventual crédito que venha a sobejar. Isso
porque, antes do pagamento das obrigações por aquele assumidas, a herança
consiste um todo unitário, e os direitos dos coerdeiros ainda são indivisíveis”
(AgInt no REsp n. 1.830.578/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze,
julgado em 24/8/2020).
Ou seja: enquanto não pagas as dívidas
do espólio, ficam os bens do espólio sujeitos ao pagamento delas. A depender do
que constar da cessão de direitos hereditários, o cedente não se
responsabilizará por eventuais prejuízos assumidos pelo cessionário, como, por
exemplo, o surgimento de dívidas após a cessão.
Uma vez dito tudo isso, percebe-se que
a compra de imóvel por intermédio de cessão de direitos hereditários é um
negócio jurídico que exige a orientação de um profissional especialista na
área, um bom contrato e uma ampla pesquisa a respeito da situação do inventário
e do imóvel, a fim de que o cessionário conheça a exata magnitude da herança e
da correlata contraprestação pela qual está pagando, evitando-se surpresas
futuras.