Em conversas informais, é comum ouvir
que o contrato de namoro não é válido, pois eventualmente serve apenas para
maquiar união estável já existente. Todavia, quando essa espécie de contrato
retrata uma situação verídica, ou seja, há de fato apenas relação de namoro
entre as partes, a declaração dele tem, sim, validade.
Isto posto, vale trazer importantes
indagações sobre essa temática: quando e por que os namorados podem decidir em
fazer esse tipo de instrumento contratual?
De início, frisa-se que o objeto
principal do contrato de namoro, como seu próprio nome sugere, é a declaração
de que as partes que o assinam mantêm apenas relação de namoro, a qual não tem
força para gerar deveres e direitos sucessórios ou familiares, como aqueles
decorrentes de casamentos e de uniões estáveis.
Assim, trata-se de documento ideal para
namorados que não gozam do desejo de constituir família, ou querem fazer isso
apenas no futuro, casos nos quais não há a caracterização de união estável, mas
sim de mero namoro, segundo o Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
O propósito de constituir família,
alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união
estável — a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado
"namoro qualificado" —, não consubstancia mera proclamação, para o
futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se
afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo
compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os
companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
"[...] não vivenciaram uma união
estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do
relacionamento projetaram para o futuro — e não para o presente —, o propósito
de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser
concretizado com o casamento" [1].
Outrossim, no contrato de namoro, é
possível, ainda, indicar qual regime de bens será adotado no futuro, caso a
relação de namoro acabe se tornando união estável pela presença dos requisitos
legais [2]. Ou seja, tal instrumento ser utilizado também para resguardar a
autonomia da vontade das partes no que diz respeito ao âmbito patrimonial.
Sobre o tema aqui estudado, importa
colacionar lição doutrinária do atual presidente do IBDFam (Instituto
Brasileiro de Direito de Família), Rodrigo da Cunha Pereira:
"Alguns casais, especialmente aqueles
que já constituíram outra família anteriormente, para evitar futuros
aborrecimentos ou demandas judiciais em razão da confusão desses dois
conceitos, têm feito um contrato de namoro, ou uma 'declaração de namoro',
dizendo que a relação entre as partes é apenas um namoro e que não têm intenção
ou objetivo de constituírem uma família. E, se a realidade da vida
descaracterizar o namoro, elevando-o ao status de união estável, fica desde já
assegurado naquele contrato, ou declaração, qual será o regime de bens entre
eles. Embora o contrato de namoro possa parecer o antinamoro, muitos casais, em
busca de uma segurança jurídica, e para evitar que a relação equivocadamente
seja tida como união estável, desviando assim o animus dos namorados, têm
optado por imprimir esta formalidade à relação" [3].
De fato, trata-se de posicionamento
louvável, pois a liberdade contratual é garantia legal e expressa no nosso
ordenamento (vide artigo 421 do Código Civil), não devendo o Estado, com a
devida vênia, interferir em questões familiares — a não ser em casos extremos
—, sob pena de se impor situação fática indesejada pelo casal com base em visão
puramente moralista.
Com os claros avanços civilizatórios
experimentados em solo pátrio nos últimos anos, restou evidente que a imposição
de formas restritivas e contrárias à realidade de fato dos casais sob o véu
moralista — como a união homoafetiva, que muito demorou a ser reconhecida
juridicamente apesar de ser realidade de fato há muito existente — pode se
provar injusta. Ora, sendo as partes maiores e capazes, não deve o Estado
intervir, porque quem sabe os seus reais desejos e necessidades são as próprias
partes, no caso do contrato aqui estudado, os namorados.
Por óbvio, não deve a declaração dele
constante servir como mecanismo para maquiar união estável já existente quando
for firmado — se o caso, este será nulo —, mas sim para indicar uma situação
real (namoro) e alinhada ao desejo (liberdade contratual) patrimonial dos
namorados no futuro na hipótese de seu relacionamento se tornar união estável.
Ademais, há quem aconselhe que esse
documento seja feito por escritura pública para trazer maior segurança
jurídica, tratando-se, certamente, de indicação relevante, pois a solenidade
inerente à lavratura pode servir para expelir alegação de existência de vícios
de consentimento.
Por derradeiro, convém trazer à tona
recentes decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, nas quais foi
reconhecida a validade de contratos de namoro como prova da inexistência de
união estável, tendo em vista a situação fático-probatória dos autos:
Apelação. Família. Ação de divórcio
litigioso, alimentos e partilha de bens. Sentença que decreta o divórcio e
partilha, na proporção de 50% para cada um, os valores pagos pelo imóvel
durante o casamento. Recurso de ambas as partes. Partes que firmaram contrato
de namoro, que exclui a existência de união estável anterior ao casamento.
Contrato firmado que não constitui pacto antenupcial. Obrigações lá assumidas
que não podem ser discutidas na ação de divórcio. Bens adquiridos antes do
casamento que não devem ser partilhados. Prestações do imóvel de propriedade
exclusiva do réu pagas durante o casamento que devem ser partilhadas na
proporção de 50% para cada um. Alimentos que não são devidos à autora.
Requerente pessoa jovem e apta a trabalhar, ainda que momentaneamente
desempregada. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS [4].
APELAÇÃO. Ação de reconhecimento e
dissolução de união estável cumulada com partilha de bens. Sentença que julgou
improcedente a ação. Inconformismo da parte autora. Não preenchidos os
elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei.
Contrato de namoro firmado pelas partes. Caracterizado simples namoro, sem
intenção de formação de núcleo familiar. Sentença mantida. Recurso desprovido
[5].
Em sendo assim, evidentemente o
contrato de namoro pode ser útil para a fiel documentação da situação de fato e
de direito de casais de namorados, o que, eventualmente, pode servir até mesmo
para o afastamento de demandas descabidas que buscam o reconhecimento de união
estável.
____________
[1] RECURSO ESPECIAL Nº 1.454.643 — RJ
(2014/0067781-5)
[2] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito
das Famílias, 2ª edição, Editora GenForense, 2021, p. 328.
[3] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito
das Famílias, 2ª edição, Editora GenForense, 2021, p. 328.
[4] TJ-SP - AC: 10071613820198260597 SP
1007161-38.2019.8.26.0597, relator: Cristina Medina Mogioni, Data de
Julgamento: 02/06/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2021
[5] TJ-SP - AC: 10008846520168260288 SP
1000884-65.2016.8.26.0288, relator: Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de
Julgamento: 25/06/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação:
25/06/2020.
_______
Victor Hélio Paes da Silva é advogado titular
do escritório Victor Hélio Advocacia, graduado em Direito pela Faculdade
Ibmec-SP, com Cursos de Extensão em Direito de Família pela FGV (Fundação
Getúlio Vargas) e em Recursos Cíveis pelo Ibmec-SP, e membro do IBDFam
(Instituto Brasileiro de Direito de Família).
Fonte: ConJur