Além de causar mal-estar
às famílias, litígio desvaloriza bens e é prejudicial para rentabilidade
A herança de uma
pessoa é a soma de todo o patrimônio conquistado ao longo da vida, como
investimentos, imóveis, empresas, bens e até dívidas que ela deixa ao falecer.
Apesar do momento de luto, a divisão dos bens pode englobar desavenças e
desacordos entre os herdeiros.
Esse conflito sobre o
levantamento de acervo patrimonial, chamado de inventário, é considerado um
litígio familiar, um processo prejudicial não só para o relacionamento da
família, mas também para os bens. Existem estratégias, porém, que podem evitar
briga na família por causa de herança.
A palavra inventário
pode soar familiar para os ouvintes do podcast da “Mulher da Casa Abandonada”,
do jornalista Chico Felitti. A tão mencionada “casa” sofreu as consequências do
litígio causado pela divisão da herança para a ‘protagonista’ Margarida Bonetti
e suas irmãs.
Sem conseguir definir
o destino da casa, o inventário da herança ficou em processo judicial durante anos,
o que deteriorou a propriedade e deu à famosa casa do bairro Higienópolis, em
São Paulo, o triste título de “abandonada”.
Segundo Angélica
Mota, presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-CE, diferente da
divisão extrajudicial, quando há um consenso entre os herdeiros e o inventário
é realizado diretamente no cartório, a divisão com litígio precisa ser levada a
julgamento.
Dados do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) indicam que, em 2021, foram ajuizados mais de 280 mil
casos relacionados a litígios de inventário e partilha de bens. O número,
apesar de inferior a 2020, é 15% maior do que o registrado em 2019 e 156% maior
que o de 2018.
“Geralmente, os
litígios estão relacionados com o percentual de cada membro da família. Sempre
há dúvidas, como a união estável do falecido e alguma doação acertada em vida,
por exemplo”, destaca a advogada, em entrevista ao E-Investidor. Em boa parte
dos casos, esses problemas acontecem quando não há um planejamento financeiro
feito pelo falecido em vida, como o uso de um testamento.
Segundo a advogada
Vanessa Scuro, sócia do Dias Carneiro Advogados e especialista em Direito de
Família e de Sucessões, quando ocorre litígio e o caso precisa ir para
julgamento, os herdeiros não costumam agir como normalmente.
“Logo no pós-óbito,
existe quase uma infantilização das pessoas. Elas começam a lembrar de traumas
passados e vira algo pessoal. O problema é que não há mais o principal
mediador, que seria o dono do patrimônio”. O planejamento, portanto, é uma
forma de evitar esse momento de desavença e disputa.
Mesmo com a
existência do testamento ou outra organização financeira feita em vida, há
algumas regras que devem ser respeitadas, independente do desejo do falecido.
Segundo Mota, da
OAB-CE, 50% de todo o inventário deve, necessariamente, ser destinado aos
herdeiros necessários, compostos pelo cônjuge ou companheiro, ascendentes e
descendentes.
A herança deverá ser
dividida igualmente ao cônjuge e, primeiramente, aos descendentes – ao filho ou
neto, se não houver filhos. Caso não haja descendentes, aos ascendentes – pais
ou avós, se não houver pais.
A divisão é
especificada pelo Código Civil de 2002 e varia de acordo com cada caso
específico. O código trata de regras particulares para cada caso, mas ainda
assim, cada situação familiar é específica.
Se o cônjuge também
for pai, mãe, avô ou avó dos descendentes do falecido, deve receber pelo menos
25% da herança. E mais: se não houver presença de nenhum desses herdeiros
necessários, a divisão será para os parentes colaterais, na ordem de irmãos,
sobrinhos, tios e primos de até 4º grau.
O caso vai a
julgamento. E agora?
Primeiramente, uma
pessoa da família é indicada para ser o inventariante, o responsável por
administrar o espólio (nesse caso, a herança) e por apresentar junto ao juiz as
declarações em relação ao patrimônio.
Há uma ordem de
preferência para a escolha do representante, que começa a partir do companheiro
e segue a partir de outros herdeiros.
Entretanto, a ordem
não é taxativa, ou seja, pode existir outras pessoas aptas a serem
inventariantes que não estão dispostas no artigo. A decisão ainda admite
contestação por parte de outros herdeiros. Segundo Mota, dependendo do litígio,
o problema pode seguir inclusive nessa decisão, quando um herdeiro vai contra à
escolha da pessoa.
Depois da definição
do responsável, e do recebimento das manifestações dos herdeiros, o
inventariante poderá corrigir alguma informação ou requerer outra questão
necessária. Somente após todas essas etapas é que o juiz poderá julgar. O
julgamento, porém, pode levar anos a depender do litígio e das pendências
processuais.
Fonte: E-Investidor | O Estado de S.Paulo