A partir do decisório do STJ, os
municípios devem ajustar a base de cálculo do citado imposto, de forma que ela
corresponda ao valor declarado pelas partes no contrato de compra e venda
pactuado em condições normais de mercado.
As pessoas que já adquiriram imóveis, firmando
contratos de compra e venda, sabem que, além do pagamento do valor acordado
pelo bem, também é necessário o recolhimento aos cofres públicos municipais do
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, chamado ITBI.
Contudo, muitas das vezes, ao realizar
negócios dessa natureza, o comprador enfrenta celeuma no que diz respeito ao
momento do nascimento da obrigação tributária de quitar o ITBI (fato gerador),
bem como acerca da definição do valor sobre o qual tal imposto deve incidir
(base de cálculo), sendo surpreendido com cobranças indevidas por parte da
municipalidade.
O presente artigo tem, portanto, o
objetivo de definir qual a base de cálculo para a cobrança do ITBI, bem como o
momento em que tal imposto pode ser exigido pelo município.
A Constituição Federal¹ autoriza os
municípios a cobrar o ITBI, o qual deve incidir sobre a transmissão, entre
pessoas vivas, por ato oneroso, da propriedade, do domínio útil ou de direitos
reais sobre imóveis, exceto garantia.
Assim, a partir da leitura do texto
constitucional é possível estabelecer que o fato gerador do ITBI é a
transferência, ou seja, a mudança de titularidade ou a transmissão da
propriedade.
Como não poderia deixar de ser, o CTN -
Código Tributário Nacional mantém a diretriz da Constituição Federal de que o
evento autorizador da cobrança do ITBI é a formalização do ato de transmissão
da propriedade ou de direitos reais sobre imóveis, definindo, ainda, que a base
de cálculo do referido imposto é o valor venal dos bens ou direitos
transmitidos.
Todavia, apesar do pragmatismo da
Constituição Federal e do CTN, a definição do termo "valor venal" vem
gerando, ao longo dos anos, grande debate entre o fisco municipal e os
contribuintes, ou seja, os compradores de imóveis.
Isso porque a referida expressão é também
utilizada como elemento da base de cálculo do IPTU - Imposto Predial e
Territorial Urbano, de competência municipal.
Entretanto, as hipóteses de incidência,
isto é, de cobrança, do ITBI e do IPTU² são distintas.
Logo, a mesma expressão "valor
venal", utilizada para o cálculo de um e de outro imposto, não se
confunde.
É que, no caso do ITBI, o "valor
venal" do bem é aquele estabelecido na compra e venda, que leva em
consideração diversos fatores, dentre eles a conjuntura econômica, as
peculiaridades do imóvel, a existência de benfeitorias, dentre outros definidos
pelas partes e declarados no instrumento de contrato. Justamente por esse
motivo, o lançamento do ITBI é feito por homologação ou declaração, a depender
da municipalidade, isto é, a partir das informações prestadas pelo comprador ao
fisco.
Por sua vez, o "valor venal" no
caso do IPTU é aquele definido a partir de uma planta genérica de valores
aprovada pelo Poder Legislativo local, o qual considera aspectos mais amplos e
objetivos, como a localização e a metragem do imóvel.
Assim, aproveitando-se da generalidade da
expressão "valor venal", muitos municípios consideram como base de
cálculo do ITBI o valor definido para a cobrança do IPTU sempre que o montante
envolvido no negócio de compra e venda se revela inferior, ou, ainda, se
utilizam de pautas fiscais elaboradas unilateralmente para tal finalidade, as
quais, na maior parte das vezes, atingem valores superiores aos praticados
efetivamente na compra e venda.
Ou seja, para a cobrança do ITBI, os entes
municipais, em sua grande maioria, se baseiam no valor mais elevado de
referência, sem considerar o montante real envolvido na operação de compra e
venda.
Diante das controvérsias apontadas acima,
o STJ³ encaminhou para julgamento, sob o rito dos recursos repetitivos, o
Recurso Especial no 1.937.821, a fim de definir i) se a base de cálculo do ITBI
está vinculada à do IPTU; e ii) se é legítima a adoção de valor venal de
referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a
fixação da base de cálculo do ITBI, cadastrando-o sob o Tema 1.113 da base de
dados do citado Tribunal Superior.
A boa notícia é que, ao julgar o citado
recurso, o STJ definiu três teses para a apuração do ITBI nas operações de
compra e venda, as quais, em suma, definem que a base de cálculo do referido
imposto é o valor declarado pelas partes no instrumento contratual, o qual se
presume ser condizente com o valor de mercado, estabelecendo, ainda, que tal
presunção só pode ser afastada mediante a regular instauração de processo
administrativo próprio pelo fisco.
Nesse sentido, transcreve-se as três teses
definida pela Corte Superior, a saber:
1) A base de cálculo do ITBI é o valor do
imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à
base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de
tributação;
2) O valor da transação declarado pelo
contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que
somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo
administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional - CTN);
3) 3) O município não pode arbitrar
previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por
ele estabelecido de forma unilateral.
Ainda no julgamento do recurso em
referência, o ministro Relator Gurgel de Faria destacou que: "nesse
panorama, verifica-se que a base de cálculo do ITBI é o valor venal em
condições normais de mercado e, como esse valor não é absoluto, mas relativo,
pode sofrer oscilações diante das peculiaridades de cada imóvel, do momento em
que realizada a transação e da motivação dos negociantes".
Nesse contexto, o comprador ganha uma
ferramenta a mais para se defender das cobranças realizadas pelo ente municipal
sempre que a base de cálculo definida para a cobrança do ITBI superar o valor
declarado pelas partes no instrumento de compra e venda.
Vale destacar que tal recente decisão
proferida pelo STJ, além de beneficiar as partes no negócio de compra e venda,
traz mais segurança jurídica às referidas operações.
Todavia, conquanto vincule todas as
questões que venham a ser submetidas ao Poder Judiciário, a decisão proferida
pelo STJ não tem o condão de alterar legislações municipais em sentido contrário,
autorizando contudo, caso necessário, a adoção das medidas judiciais e
extrajudiciais cabíveis pelo comprador do imóvel - também chamado de
contribuinte - para fazer valer o seu direito líquido e certo de pagar o ITBI
com base no valor da transação realizada em condições normais de mercado.
Ressalte-se, ademais, que é também
possível aos contribuintes que tenham adquirido imóveis nos últimos cinco anos,
pagando o ITBI com base em valores maiores que o da compra e venda, pleitear a restituição,
por meio de procedimentos administrativos ou judiciais próprios, dos importes
eventualmente quitados a maior perante o fisco municipal.
Decerto, a recente decisão do STJ joga luz
sobre o tema, cabendo aos contribuintes atentarem-se quanto ao valor apurado
como base de cálculo do ITBI, verificando se ele corresponde ao valor real da
transação realizada, evitando o pagamento de imposto indevido, ou, ainda, acaso
constatada a cobrança excessiva em operações de compra e venda realizadas nos
últimos cinco anos, pleitear a restituição do pagamento a maior junto ao fisco.
Outrossim, esclarecido o critério para a
apuração da base de cálculo do ITBI, resta elucidar a celeuma jurídica acerca
do momento em que tal imposto pode ser exigido.
Vale lembrar que, tal como mencionado
acima, tanto a Constituição Federal quanto o CTN definem que a cobrança do ITBI
se dá a partir da transmissão da propriedade, do domínio útil ou dos direitos
reais sobre imóveis.
Por sua vez, o Código Civil4 exige o
registro no cartório competente como condição para efetivar a transferência da
propriedade.
Dentro desse quadro, o ITBI a ser
calculado sobre o valor real da transação em condições normais de mercado só
pode ser exigido pelo fisco municipal no momento do registro da transação
perante o Cartório de Registro Imobiliário competente, e não por ocasião da
celebração de promessa de compra e venda ou da cessão de direitos decorrentes
de tal promessa.
Vale destacar que também quanto a esse
aspecto, há decisão judicial favorável dos Tribunais Superiores às partes
envolvidas em contratos de compra e venda e ao contribuinte do ITBI.
Isso porque, objetivando estabelecer um
entendimento único a ser aplicado ao caso, o STF5 submeteu o Agravo em Recurso
Extraordinário nº 1.294.969, no qual se discute a possibilidade de incidência
do ITBI em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de
propriedade pelo registro imobiliário, ao rito dos recursos repetitivos,
gravando-o sobre o Tema nº 1.124 da citada Corte e decidindo que:
"O fato gerador do imposto sobre
transmissão intervivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva
transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro".
Em resumo, ao julgar o referido recurso, o
STF reiterou o entendimento já externado em outros julgados de que o ITBI
apenas pode ser exigido pelo fisco municipal por ocasião do registro da compra
e venda no Cartório de Registro Imobiliário competente, sendo esse o fato
gerador do aludido imposto.
Embora a referida decisão ainda não seja
definitiva, ela renova a esperança de que os municípios e os Oficiais do
Registro de Imóveis (geralmente colocados na condição de responsáveis
tributários) não mais insistam na exigência de recolhimento do ITBI em casos de
registros de promessas de compra e venda ou de cessão de direitos decorrentes
das referidas promessas, autorizando a adoção das medidas administrativas ou
judiciais cabíveis pelos contribuintes que tenham os seus direitos violados.
CONCLUSÃO
As recentes decisões do STF e do STJ
acerca do nascimento da obrigação de pagamento do ITBI e da caracterização da
sua base de cálculo são favoráveis às partes envolvidas no negócio jurídico de
compra e venda de imóveis e ao contribuinte do imposto.
Isso porque o STJ já fixou, em decisão
definitiva que atinge todos os processos envolvendo o Tema 1.113 da citada
Corte, que a base de cálculo do ITBI é o valor declarado pelas partes no
instrumento contratual, o qual goza da presunção de ser condizente com o valor
de mercado, estabelecendo, ainda, que tal presunção só pode ser afastada
mediante a regular instauração de processo administrativo próprio pelo fisco.
Portanto, a partir do decisório do STJ, os
municípios devem ajustar a base de cálculo do citado imposto, de forma que ela
corresponda ao valor declarado pelas partes no contrato de compra e venda
pactuado em condições normais de mercado, autorizando aos contribuintes buscar,
judicial ou administrativamente, o ressarcimento de pagamentos feitos a maior
em razão de negócios de compra e venda efetivados nos últimos cinco anos.
Outrossim, a tese fixada pelo STF ao jugar o Tema 1.124, embora ainda não definitiva, reforça o entendimento também favorável ao contribuinte no sentido de que o ITBI apenas pode ser exigido na transmissão, isto é, no registro da operação de compra e venda no cartório competente, constituindo óbice para que os municípios ou os Oficiais de Registro de Imóveis exijam o recolhimento do mencionado imposto em casos de registros de promessas de compra e venda ou de cessão de direitos decorrentes das referidas promessas.
Fonte: Migalhas