A penhora de bem de família mantido em
condomínio é possível, caso um dos condôminos exerça seu direito de executar os
aluguéis fixados em juízo pelo uso exclusivo do imóvel pelos demais condôminos.
Por maioria, a Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso em que dois condôminos
alegaram que o imóvel no qual residiam não poderia ser penhorado, por se tratar
de bem de família. A adjudicação do imóvel foi determinada como consequência da
falta de pagamento, pelos condôminos moradores, dos aluguéis cobrados
judicialmente pela outra condômina.
No julgamento, prevaleceu o entendimento
da ministra Nancy Andrighi, para quem a obrigação de indenizar os demais
condôminos pelo uso exclusivo gera débito oriundo de direito real,
configurando-se como obrigação propter rem, diante da qual se admite a penhora
do bem de família, conforme previsto no artigo 3º, IV, da Lei 8.009/1990.
Condomínio é a concorrência de pretensões
e poderes sobre a mesma coisa
Segundo a ministra, o condomínio designa
comunhão da fração de um objeto. O ordenamento jurídico brasileiro, explicou,
dispõe que todos os condôminos possuem o direito de usar, gozar e dispor de sua
unidade (artigo 1.314 do Código Civil); bem como são responsáveis pelas
despesas do condomínio, na proporção de suas partes (artigo 1.315), e respondem
aos outros pelos frutos que receberam da coisa e pelos danos que lhe causaram
(artigo 1.319).
No caso em discussão, a magistrada
verificou que os moradores fazem uso exclusivo do imóvel condominial, o que
lhes impõe a obrigação de remunerar os demais pelos frutos obtidos
individualmente. Na sua avaliação, não pode um dos condôminos se valer da
proteção do bem de família para prejudicar os outros, os quais têm os mesmos
direitos reais sobre o imóvel, na medida de suas frações ideais.
"O condomínio, sob o prisma de
direitos subjetivos, consiste em concorrência de pretensões e poderes sobre a
mesma coisa. É reunião de direitos reais de propriedade que se exercem sobre um
único bem. Adquire-se e perde-se pelos modos de aquisição e perda da
propriedade em geral para cada sujeito, embora se forme por meios
especiais", afirmou.
Natureza propter rem da dívida afasta a
impenhorabilidade
Conforme a ministra, o artigo 3º da Lei
8.009/1990 é taxativo ao relacionar as hipóteses em que não se aplica a
proteção do bem de família. No inciso IV, o dispositivo admite a penhora na
cobrança de impostos, predial ou territorial; e de taxas e contribuições
devidas em função do imóvel familiar.
Apesar do amplo debate a respeito da inclusão da inadimplência de despesas condominiais como fator justificável da penhora de bem de família, a ministra ressaltou que prevaleceu o entendimento pela sua admissão, tanto no STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com Nancy Andrighi, predomina na
jurisprudência do STJ o entendimento de que a natureza propter rem da dívida
fundamenta o afastamento da impenhorabilidade do bem de família. A ministra
destacou que há três determinantes para a obrigação propter rem recair sobre
alguém: a ligação da dívida com um determinado direito real, a situação
jurídica do obrigado e a tipicidade que estabelece a conexão da obrigação com o
direito real.
Vedação do enriquecimento ilícito
"Se apenas um dos condôminos utiliza
o bem de forma exclusiva, impedindo o usufruto comum do imóvel pelos demais
condôminos, surge o direito do outro de ser ressarcido, sob pena de
enriquecimento ilícito, em ofensa ao artigo 884 do Código Civil. Logo, a posse
exclusiva (uso e fruição), por um dos coproprietários, é fonte de obrigação
indenizatória aos demais coproprietários, porque fundada no direito real de
propriedade", afirmou a ministra.
Nancy Andrighi observou que, se o
condômino não tem como cumprir suas obrigações, ele pode renunciar à sua cota
em favor dos demais, desvinculando-se da condição de detentor de direito real,
com o que se encerra sua obrigação propter rem.
Para ela, o aluguel por uso exclusivo do bem configura-se como obrigação propter rem e, por essa razão, enquadra-se nas exceções previstas no artigo 3º, IV, da Lei 8.009/1990, que afastam a impenhorabilidade do bem de família.
Leia o acórdão no REsp 1.888.863.
Fonte: STJ