Dez anos após
regulamentação, cresce 845% o número de testamentos vitais, documento que
relata cuidados aos quais um paciente gostaria de ser submetido
Em 31 de agosto, a
Resolução 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que regulamenta a
utilização das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), também conhecidas como
testamentos vitais, completou dez anos. O documento permite que as pessoas,
antecipadamente, expressem suas escolhas quanto às diretrizes de um tratamento
médico futuro, caso fiquem impossibilitadas de manifestar a vontade em virtude
de acidente ou doença grave.
Por meio do
testamento vital é possível determinar, por exemplo, que a pessoa não deseja
submeter-se a tratamento para prolongamento da vida de modo artificial. De
acordo com a Resolução do CFM, os médicos devem levar em consideração a vontade
do paciente incapacitado de comunicar-se, caso tenha deixado previamente
expressos os seus desejos sobre os cuidados e tratamentos que quer ou não
receber, respeitando-se as disposições do Código de Ética Médica.
A regulamentação
ajudou ainda a impulsionar e disseminar a lavratura de testamentos vitais em
todo o Brasil no período entre 2012 e 2021, o total de DAVs subiu de 233 para
781 e crescimento de 235%.
Na divisão por
regiões, São Paulo teve a maior alta e chegou a 845%, com 62 atos registrados
em 2012 e 586 em 2021. Em seguida aparece o Rio de Janeiro, com 250% de
alta e registro de 8 atos em 2012, para 28 em 2021. E Minas Gerais, com 247% de
aumento na procura por escrituras, sendo 13 atos em 2012 e 45 em 2021.
“Qualquer pessoa
plenamente capaz pode fazer seu testamento vital perante um tabelião de notas.
Basta apresentar seus documentos pessoais e declarar que tipo de cláusulas
deseja incluir. A escritura será apresentada posteriormente aos médicos pelos
familiares ou por quem o declarante indicar caso futuramente ele seja acometido
por uma doença grave ou fique impossibilitado de manifestar sua vontade em
decorrência de algum acidente”, detalha o presidente do Colégio Notarial do
Brasil, Seção São Paulo, Daniel Paes de Almeida.
Diretivas Antecipadas
de Vontade
Para a advogada
especialista em direito das sucessões, Claudineia Jonhsson, a Resolução, além
de dar voz ao paciente em estado vegetativo, tirou a responsabilidade daquele
filho, pai, mãe ou irmão de tomar uma decisão difícil e muito dolorosa sobre o
tratamento de um familiar querido.
“Ao contrário do que
muitos articularam sobre a intenção desse documento, que seria uma forma de
validar a Eutanásia, com a indução à morte pelo médico, ele na verdade garantiu
o direito à dignidade humana, evitando a prática de atos desnecessários ao
paciente/enfermo que se encontra em um processo natural de morte”, afirma a
advogada.
Por outro lado, o
testamento vital não se trata verdadeiramente de um testamento, mas de uma
escritura pública que produzirá efeitos enquanto o testador ainda estiver vivo,
com a finalidade de garantir a dignidade do tratamento do paciente.
“Nessa escritura, a
pessoa determina o tipo de tratamento que quer ser submetida. Além disso, é
possível designar um ou mais representantes, que tomem decisões sobre
tratamentos em nome dela quando já não estiver mais consciente”, explica Daniel
Paes de Almeida, presidente da seção São Paulo do CNB.
Formalizações
cresceram na pandemia
Só entre os anos de
2019 e 2021, com as medidas mais impositivas de restrição e final da pandemia,
a alta de registros chegou a 28%, sendo contabilizados 612 atos em 2019 e 782
em todo ano de 2021, em âmbito nacional.
No estado de São
Paulo, de acordo com os dados do Colégio Notarial do Brasil, Seção São Paulo, o
número saltou de 409 Escrituras de Diretrizes Antecipadas em 2019, para 596 em
2021 e crescimento de 43%.
Para a advogada
especialista em saúde e sucessão, Claudineia Jonhsson, sempre de acordo com os
preceitos do decoro e boa-fé, a Escritura das Diretrizes Antecipadas (DAV) tem
se tornado cada vez mais presente na vida das pessoas. “Esse aumento pela
procura da escritura decorre da pandemia, que trouxe reflexões sobre a morte
até então não tão comum, sobretudo da vida com dignidade'', declara a
especialista.
Já Daniel Paes de
Almeida, presidente do CNB/SP, afirma que essa é uma tendência natural, em que
as pessoas vão cada vez mais buscar opções simples e de fácil acesso para
deixar suas predisposições de vontade declaradas com antecedência, evitando
situações contrárias a seus próprios preceitos, vontades e crenças.
Nas palavras dos
especialistas, há ao menos 10 motivos para fazer testamento vital:
Dignidade da pessoa
humana - a Diretiva
Antecipada de Vontade (DAV) permite que o paciente escolha previamente a que
tipo de tratamento médico deseja ou não ser submetido, preservando o direito à
vida e morte dignas.
Tranquilidade - o documento não antecipa a morte do
paciente (eutanásia), apenas garante que ela ocorra de modo natural ou permite
o seu retardamento, conforme a vontade do paciente.
Respeito - que gera a tranquilidade ao paciente
de que a sua vontade será respeitada quando ele não puder mais se manifestar
Conforto - a DAV proporciona maior conforto e
menos sofrimento para a família do paciente no momento de dor.
Segurança - podendo o médico cumprir
integralmente os desejos do paciente, resguardando-o contra eventuais pressões
de seus familiares.
Autonomia - já que pode ser feita por qualquer
pessoa, a qualquer tempo, desde que ela esteja lúcida e consiga expressar a sua
vontade quanto ao destino de seu próprio corpo.
Lealdade - pela DAV é possível nomear um
procurador para ficar responsável por apresentar aos médicos e à família do
paciente, os desejos e escolhas antecipadamente feitas por ele.
Revogabilidade - a DAV pode ser alterada ou revogada
a qualquer tempo, desde que o paciente esteja lúcido.
Perpetuidade - o documento fica eternamente
arquivado em cartório, possibilitando a obtenção de segunda via (certidão) do
ato a qualquer tempo.
Liberdade - é livre a escolha do tabelião de
notas qualquer que seja o domicílio da parte.
Fonte: Exame