É
juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao
módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais.
Atualmente, vivemos um momento em que o Poder Judiciário
sofre com a sobrecarga do número de processos - foram mais de 114,5 milhões em
2020 -, decorrentes principalmente pelo vertinogoso aumento do número de novos
direitos criados a partir da Constituição de 1988 e da própria população. Ao
mesmo tempo em que contamos com um número reduzido de magistrados, estima-se
que cada juiz tem uma carga de 1.679 processos, fazendo com que esse Poder não
consiga atender de forma eficaz a todas as demandas que lhe são dirigidas.
Esse problema, que acomete o Poder Judiciário, foi objeto do
Livro "A Era dos Direitos", de Noberto Bobbio. Em seu livro, Bobbio
explica, de forma clara e objetiva, que essa incapacidade do Poder Judiciário é
forjada exatamente na perversa equação que prevê uma progressão geométrica dos
direitos tutelados, bem como da população e aritmética do número de
magistrados. Como se percebe, trata-se de um problema de difícil solução e
atinge a todos. Isso implica dizer que a morosidade, o alto custo e a
imprevisibilidade das decisões judiciais são problemas mundiais.
Chegando à mesma conclusão, Boaventura de Sousa Santos, no
seu livro "Introdução à Sociologia da Administração Pública",
discorre sobre o fenômeno da explosão da litigiosidade, que consiste, em
apertada síntese, na distância abissal existente entre a realidade das normas
jurídicas (muitas vezes utópicas) e na realidade vivida pelas pessoas,
principalmente, as menos favorecidas economicamente.
Com o intuito de solucionar esse imbróglio, ou ao menos
minimizá-lo, iniciou-se um movimento que tem como escopo transferir para os
serviços notariais todas as questões que não envolvam litigiosidade e, em
alguns casos, como o da mediação e da arbitragem, presente na litigiosidade,
entre partes maiores e capazes. Na verdade, não se trata de subtração ou mera
transferência, mas, sim, de um compartilhamento com toda a sociedade pela
responsabilidade por esse número estratosférico de ações judiciais.
Com vistas a esse imprescindível compartilhamento e, por
consequência, a efetividade da Justiça, o Código de Processo Civil, no seu art.
1.071, possibilitou o reconhecimento da usucapião extrajudicial, diretamente no
registro imobiliário competente.
Ressalte-se que, antes mesmo do novo Código de Processo
Civil, nosso ordenamento jurídico já previa a possibilidade da usucapião
extrajudicial, por meio da lei 11.997/09 (PMCMV), que trata do tema da
regularização fundiária, dividindo-a em duas formas: a de interesse social e a
de interesse específico, conferindo ao ocupante do lote regularizado o título
de legitimação de posse, que será passível de registro, vide 41, inc. I, do
art. 167, da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). E, uma vez registrado o
título de legitimação de posse, após cinco anos, este será convertido em
propriedade. Além da usucapião extrajudicial, prevista no Código de Processo
Civil, vamos encontrar a usucapião administrativa de bens públicos, prevista na
lei 11.481/07 - que prevê medidas voltadas à regularização fundiária de
interesse social em imóveis da União, criando o instituto da concessão de uso
especial para fins de moradia e a concessão especial coletiva de uso para fins
de moradia; e na lei 13.465/17, que dispõe sobre a regularização fundiária
rural e urbana, prevendo os institutos da legitimação fundiária e da
legitimação de posse.
Fora isso, a lei 13.465/17 instituiu o direito de laje como
direito real, previsto no inciso XIII, do art. 1.225, do Código Civil
brasileiro.
Por seu turno, o problema da falta de moradia e o comando
constitucional que elevou o direito à moradia à condição de direito social,
após a Emenda Constitucional 26/00; o princípio da função social da propriedade
(teorias subjetiva, objetiva e sociológica da posse), da função social da
posse, da função social da cidade (art. 182, da CF/88) e do sobreprincípio da
dignidade da pessoa humana (inciso III, do art. 1º, da CF/88), certamente,
foram os fatores determinantes que impulsionaram o legislador a rever e a
conferir prioridade ao instituto da usucapião.
Acrescente-se, ainda, que a celeridade do procedimento não
beneficiará apenas o cidadão, à medida que a regularização imobiliária implica
relevante meio de incremento na arrecadação de receitas municipais e estaduais,
decorrentes da cobrança de tributos, como, por exemplo, o imposto predial
urbano (IPTU), imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e do imposto de doação
e causa mortis (ITCMD), favorecendo diretamente a Administração Pública,
mormente, nesse momento, de grave crise financeira.
Destarte, tecidas essas considerações preliminares, voltemos
ao tema que nos interessa: a usucapião extrajudicial, promovida diretamente
perante o registro imobiliário e com a lavratura da ata notarial. O fundamento
principal do instituto da usucapião é conferir segurança jurídica a uma
situação, que já se consolidou com o decurso do tempo e que poderá se
transformar no robusto e almejado direito de propriedade ou de qualquer outro
direito real, à exceção dos direitos reais de garantia.
Discorrendo ainda sobre a segurança jurídica, leia-se a
lição do renomado jurista José Carlos de Moraes Salles: "Interessa à paz
social a consolidação daquela situação de fato na pessoa do possuidor,
convertendo-se em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade
do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem
perigosamente a harmonia da coletividade."
Além de conferir segurança jurídica, outro importante
fundamento da usucapião é a sua relevância social, pois o interessado confere
ao bem, objeto da usucapião, destinação útil e funcional, atendendo e dando
efetividade aos preceitos constitucionais da função social da propriedade, do
direito social à moradia e, consequentemente, ao sobreprincípio da dignidade da
pessoa humana, viga mestra de todo o nosso sistema jurídico.
E, como todos sabem, tanto no reconhecimento extrajudicial
como na declaração judicial, trata-se de uma forma originária de aquisição de
um determinado direito real, à exceção dos direitos reais de garantia. O
registro da usucapião extrajudicial será declaratório e não constitutivo, como
ocorre na forma de aquisição derivada, conforme nos ensina o art. 1.245, do
Código Civil. Apesar de o registro imobiliário, nessa hipótese, não ser
constitutivo, conferirá àquele bem usucapiendo oponibilidade erga omnes, i.e.,
absolutividade, assim como disponibilidade, enquanto um direito real, vide art.
1.228, do Código Civil.
Note-se que o direito preexiste, com o simples decurso do
tempo e o exercício da posse qualificada, ou seja, da posse ad usucapionem, que
é caracterizada pelo exercício de forma mansa, justa e ininterrupta de qualquer
dos poderes inerentes à propriedade. Por essa razão, incorreto seria falar de
animus domini, mas sim o ânimo do titular do direito usucapido, animo suo.
Isso quer dizer que não é qualquer posse que conferirá o
direito à usucapião, por exemplo, a posse ad interdicta, como, por exemplo, a
posse exercida pelo locatário ou comodatário, trata-se de uma posse que confere
ao seu titular o direito à utilização da coisa, além da proteção possessória,
no entanto, não conferirá ao seu titular a possibilidade da aquisição pela
usucapião. Por seu turno, igualmente, não conferirá o direito à usucapião a
posse precária decorrente da violação do dever de restituir a coisa (bem), como
ocorre com o comodatário ou locatário, uma vez que, instado a devolver a coisa,
não o faz, a sua posse, em regra, jamais será robusta o suficiente
para gerar a usucapião, não se convalescendo.
Saliente-se, contudo, que boa parte da jurisprudência e da
doutrina entende que se trata de uma presunção iuris tantum, posto que existe a
possibilidade de se alterar do caráter da posse, denominamos esse fenômeno de
interversão da posse, vide art. 1.203, do Código Civil Brasileiro.
Dando outro exemplo que não conduzirá à posse qualificada,
ou seja, à usucapião, temos os caseiros, denominados detentores ou fâmulos da
posse (art. 1.198, do Código Civil), portanto, não são possuidores, já que
guardam o bem em decorrência de uma relação jurídica de subordinação para com o
outro.
Outro requisito também essencial para que seja reconhecida a
usucapião é que a posse seja justa, isto é, que não seja violenta, clandestina
ou precária. Sendo certo, ainda, que as posses violentas e clandestinas poderão
se convalescer, desde que cesse a violência ou a clandestinidade (arts. 1.200 e
1.208 do Código Civil).
Por seu turno, não devemos confundir posse justa com justo
título. Posse justa é aquela posse que não foi adquirida com violência,
clandestinidade ou precariedade, ou seja, a posse não pode decorrer de coação física
ou moral, não pode ter sido adquirida sem publicidade ou por violação do dever
de restituição. Justo título é, segundo a definição de Leonardo Brandelli,
"todo ato jurídico hábil, abstratamente considerado, a transferir ou
constituir um direito real passível de usucapião, esteja registrado ou não,
incluindo-se o compromisso de compra e venda quitado".
Outra questão a ser enfrentada pelos operadores de direito,
ao analisar se o bem que se pretende usucapir poderá ou não ser objeto da
usucapião, é a chamada de res habilis (coisa hábil).
Res Habilis quer dizer coisa hábil a ser usucapida. Nesse
sentido, temos os bens, móveis e imóveis, e os direitos reais, à exceção dos
direitos reais de garantia e dos bens públicos.
No tocante aos bens públicos, há controvérsia sobre o tema.
Tanto a nossa Constituição Federal (§3º, o art. 183 e Parágrafo único do art.
191) como a legislação civil (art. 102, Código Civil), além da Súmula 340, do
STF, vedam a usucapião sobre bens públicos.
Todavia, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves entendem que os
bens públicos que não estejam afetados a uma finalidade, chamados bens
dominicais, são passíveis de serem usucapidos.
Os autores supramencionados consideram que a proibição de se
usucapir bens públicos deverá recair somente sobre os bens materialmente
públicos, restando à possibilidade de se usucapir os bens formalmente públicos,
a fim de fazê-los cumprir a sua função social.
Em síntese, aqueles que defendem a possibilidade de se
usucapir bens públicos alegam o seguinte: se o particular está obrigado a
conferir a sua propriedade uma função social, por muito mais razão os entes
públicos deveriam cumprir com essa obrigação.
Acrescentam, ainda, os aludidos autores que a absoluta
impossibilidade de se usucapir bens públicos ofende o princípio constitucional
da função social da posse, além do princípio da proporcionalidade.
E com relação às sociedades de economia mista e às empresas
públicas que ostentam personalidade jurídica de direito privado (bem público
por assemelhação), é possível usucapir esses bens? O Supremo Tribunal Federal
tem entendido que há possibilidade de se usucapir esses bens (RE 536.297).
Registre-se, também, o emblemático acórdão proferido pelo
Tribunal de Minas Gerais, conhecido pelo "O Caso DER/MG", na Apelação
Cível 1.0194.10.011238- 3/001, Comarca de Coronel Fabriciano/Minas Gerais, que
admitiu a declaração da usucapião de área pública.
Por sua vez, impende, igualmente, destacarmos que a lei
11.481/07 prevê a possibilidade de aquisição de direitos sobre imóveis
públicos, por meio da concessão especial individual de uso para fins de moradia
e concessão especial coletiva de uso para fins de moradia. As aludidas
concessões foram incluídas no rol atinente aos direitos reais, no inciso XI, do
art. 1.225, do Código Civil, bem como na lei 6.015/73 (Lei de Registros
Públicos), no seu item 40, inciso I, art. 167.
Continuando no tema sobre os bens públicos, mister que se
esclareça que a ausência do registro acerca da propriedade ou de qualquer
direito real usucapível não induz à presunção iuris tantum em favor do Estado
de que a terra é pública (terras devolutas), ou seja, o Estado deverá provar
essa alegação. Sugerimos a leitura dos seguintes acórdãos: Resp. 647-558/RS,
Resp. 964223- RN, RE 86.234-MG, Resp. 113255-MT, RE 86.234-MG, RE 75.459-SP.
Vejamos a seguir o que determina nossa legislação
infraconstitucional e os atos administrativos expedidos pelo Conselho Nacional
de Justiça e a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sobre
a usucapião extrajudicial.
Art. 1.071 do CPC, provimento CGJ/RJ 23/16, provimento CNJ
65/17, lei 13.465/17 e a lei 14.382/22
O Capítulo III, do Título V, da lei 6.015, de 31 de dezembro
de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar da seguinte forma:
Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o
pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado
diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver
situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por
advogado, instruído com: (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência):
Comentários: De acordo com o Código de Processo Civil de
1973, no seu art. 941, somente ao possuidor poderia propor ação judicial
visando à declaração da usucapião. (Vide também art. 2º, do Provimento CNJ
65/17).
I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o
tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas
circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da lei no 13.105, de 16 de
março de 2015 (Código de Processo Civil); (Redação dada pela lei 13.465, de
2017)
Comentários: CGJ/RJ - Provimento 23/16 - no seu art. 6º
prevê que, além do tempo da posse do interessado e de seus sucessores, poderão
constar, entre outros: declarações das testemunhas, declaração das partes
atestando que desconhecem a existência de ações possessórias, valor da posse -
art. 8º, Provimento 23/16 (ver Enunciado 178, expressão econômica da posse -
FPPC - Forum Permanente de Processualistas Civis).
A CGJ/RJ entende que a ata notarial deverá conter o máximo
de informações possíveis, no sentido de facilitar a análise do pedido do
reconhecimento extrajudicial pelo Registrador Imobiliário, como, por exemplo,
especificar que forma da usucapião é objeto da ata, vide art. 6º, do mencionado
Provimento 23/16. Portanto, o ato a ser lavrado pelo Tabelião de Notas, na
verdade, serão a ata notarial e escrituras declaratórias.
Com o fim de se reconhecer extrajudicialmente a usucapião,
poderão ser lavradas mais de uma ata notarial, desde que sejam complementares.
II - planta e memorial descritivo assinado por
profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade
técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares
de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na
matrícula dos imóveis confinantes; (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: O Provimento CNJ 65/17, no seu inciso II, do
seu art. 4º, prevê a possibilidade da apresentação de prova de anotação de
responsabilidade técnica, conhecida como A.R.T., expedida por engenheiros, que
deverão estar inscritos regularmente no CREA - Conselho Regional de Engenharia
e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro -, bem como a possibilidade da prova do
registro de responsabilidade técnica - R.R.T.-, expedida por arquitetos,
inscritos regularmente no CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de
Janeiro - (desde dezembro de 2011).
O Provimento CNJ 65/17 prevê a dispensa da apresentação da
planta e do memorial, quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de
condomínio edilício ou de loteamento regularmente instituído, vide § 5º, do
art. 4º.
III - certidões negativas dos distribuidores da comarca
da situação do imóvel e do domicílio do requerente; (Incluído pela lei 13.105,
de 2015) (Vigência)
Comentários: CGJ/RJ - Provimento 23/16 - A CGJ/RJ corrigiu
no aludido Provimento a imperfeição da lei. Pois não há que se falar em
certidões negativas, vide inciso V, do art. 10. A única ação que poderia
impedir o reconhecimento da usucapião extrajudicial seria a existência de uma
ação possessória ou reivindicatória, que desqualificaria o caráter de posse
justa. Por outro lado, a CGJ/RJ exigiu também as certidões expedidas pela
Justiça Federal, mas não se referiu às certidões do domicílio do requerente.
O Provimento CNJ 65/17 reitera o erro legislativo e mantém
no seu inciso IV, do art. 4º, do mencionado Provimento, a exigência de
certidões "negativas".
IV - justo título ou quaisquer outros documentos que
demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o
pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. (Incluído pela
lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: O justo título só será indispensável para o
reconhecimento da usucapião ordinária, vide art. 1.242, do Código Civil
brasileiro.
§1º - O pedido será autuado pelo registrador,
prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.
(Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: CGJ/RJ - Provimento 23/16 - art. 19 - A CGJ
ampliou as hipóteses da prorrogação da prenotação e previu a omissão do
interessado em cumprir as exigências legais, além de acrescentar que a
prorrogação será de 60 dias, a contar da última exigência. A Lei de Registros
Públicos, no seu art. 188, deverá ser lida agora com essas alterações.
§2º - Se a planta não contiver a assinatura de qualquer
um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel
usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, o titular será notificado
pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de
recebimento, para manifestar consentimento expresso em quinze dias, interpretado
o silêncio como concordância. (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: Sem dúvida nenhuma a alteração promovida pela
lei 13.465/17 foi fundamental para conferir efetividade à usucapião
extrajudicial ao determinar que o silêncio importa anuência, vide também art.
111, do Código Civil brasileiro.
§3º - O oficial de registro de imóveis dará ciência à
União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por
intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com
aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o
pedido. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
Comentários: Tanto o CPC como o Provimento CGJ 23/16, no seu
art. 22, falam em somente "dar ciência" aos entes públicos. Já o CNJ,
no seu §1º, do art. 15, do Provimento 65/17, prevê que: "A inércia dos
órgãos públicos à notificação de que trata este artigo não impede o regular
andamento do procedimento e o eventual reconhecimento da usucapião
extrajudicial".
Outro ponto importante que devemos destacar é que não é mais
obrigatória a interveniência do Ministério Público, na forma em que era
preconizada no art. 944, do Código de Processo Civil de 1973.
O Ministério Público somente intervirá quando houver
interesse público ou social, interesse de incapaz e nos litígios coletivos pela
posse de terra rural ou urbana, vide art. 178, do atual Código de Processo
Civil.
Buscando dar celeridade ao processo de usucapião
extrajudicial, em uma parceria da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) com a
Consultoria-Geral da União (CGU) - órgão da Advocacia-Geral da União (AGU)
responsável pela representação extrajudicial, assessoramento e consultoria
jurídica da União - publicou uma Portaria (Portaria Conjunta 1, de 15 de fevereiro
de 2017) que facilita os procedimentos para a usucapião de bens imóveis.
Essa Portaria dispõe sobre procedimentos a serem adotados
pelos órgãos de execução da Consultoria-Geral da União e pelas
Superintendências do Patrimônio da União nos Estados e no Distrito Federal
na representação da União relativamente à usucapião extrajudicial de bens
imóveis, e dá outras providências.
Segundo o consultor-geral da União, Marcelo Augusto de
Vasconcellos, "a finalidade da nova portaria é otimizar a atuação das
Superintendências do Patrimônio da União e da CGU, estabelecendo um fluxo de
trabalho que permite que cada uma das unidades envolvidas atue de acordo com
suas atribuições".
A nova norma determina que os cartórios acionem a SPU no
estado onde está localizado o imóvel sempre que haja pedido de usucapião
extrajudicial, a fim de verificar se o mesmo é de propriedade da União. Caso
não haja dúvida jurídica sobre o imóvel em questão, caberá às próprias
Superintendências responderem diretamente aos titulares dos cartórios de
imóveis, sem necessidade de atuação dos órgãos de execução da CGU.
"Por outro lado, se houver questionamentos jurídicos, a
SPU deverá encaminhar o caso para a consultoria jurídica da União nos estados
ou à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão, quando o bem estiver no Distrito Federal", ressalta Vasconcellos.
§4º - O oficial de registro de imóveis promoverá a
publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a
ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em
15 (quinze) dias. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§5º - Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida,
poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de
imóveis. (Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§6º - Transcorrido o prazo de que trata o §4º deste
artigo, sem pendência de diligências na forma do §5º deste artigo e achando-se
em ordem a documentação, o oficial de registro de imóveis registrará a
aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura
de matrícula, se for o caso. (Redação dada pela lei 13.465, de 2017)
Comentários: A regra é a aplicação do princípio da
unitariedade da matrícula, e, de acordo com o citado princípio, cada imóvel
será objeto de uma matrícula e cada matrícula descreverá apenas um imóvel.
Frise-se que somente será aberta nova matrícula se a descrição do imóvel
usucapiendo não coincidir com aquela constante no registro imobiliário.
§7º - Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o
procedimento de dúvida, nos termos desta Lei. (Incluído pela lei 13.105, de
2015) (Vigência)
§8º - Ao final das diligências, se a documentação não
estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
(Incluído pela lei 13.105, de 2015) (Vigência)
§9º - A rejeição do pedido extrajudicial não impede o
ajuizamento de ação de usucapião. (Incluído pela lei 13.105, de 2015)
(Vigência)
§10 - Em caso de impugnação justificada do pedido de reconhecimento
extrajudicial de usucapião, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos
ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente
emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum, porém, em caso
de impugnação injustificada, esta não será admitida pelo registrador, cabendo
ao interessado o manejo da suscitação de dúvida nos moldes do art. 198 desta
Lei. (Redação dada pela lei 14.382, de 2022)
Comentários: A nova redação do §10, do art. 216-A, pôs fim à
dúvida outrora existente que consistia em se saber se qualquer impugnação
poderia obstar o reconhecimento da usucapião extrajudicial. De acordo com o
novo texto legal, a impugnação genérica e manifestamente infundada não mais
poderá ensejar o não reconhecimento da usucapião extrajudicial. Com isso,
procura-se evitar eventual abuso de direito a ser praticado pelo impugnante sem
apresentação de fatos ou provas que corroborem o seu pedido. Mencione-se,
também, que, em boa hora, a nova lei 14.382/22, nos §§ 15 e 17, do art. 176, da
Lei de Registros Públicos, conferiu ao registrador imobiliário um maior grau de
flexibilidade e de proatividade na sua conduta, objetivando conferir
efetividade à regularização imobiliária e, em última análise, a própria
Justiça.
§11 - No caso de o imóvel usucapiendo ser unidade
autônoma de condomínio edilício, fica dispensado consentimento dos titulares de
direitos reais e outros direitos registrados ou averbados na matrícula dos
imóveis confinantes e bastará a notificação do síndico para se manifestar na
forma do §2º deste artigo. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§12 - Se o imóvel confinante contiver um condomínio
edilício, bastará a notificação do síndico para o efeito do §2º deste artigo,
dispensada a notificação de todos os condôminos. (Incluído pela lei 13.465, de
2017)
§13 - Para efeito do §2º deste artigo, caso não seja
encontrado o notificando ou caso ele esteja em lugar incerto ou não sabido, tal
fato será certificado pelo registrador, que deverá promover a sua notificação
por edital mediante publicação, por duas vezes, em jornal local de grande
circulação, pelo prazo de quinze dias cada um, interpretado o silêncio do
notificando como concordância. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§14 - Regulamento do órgão jurisdicional competente
para a correição das serventias poderá autorizar a publicação do edital em meio
eletrônico, caso em que ficará dispensada a publicação em jornais de grande
circulação. (Incluído pela lei 13.465, de 2017)
§15 - No caso de ausência ou insuficiência dos documentos de
que trata o inciso IV do caput deste artigo, a posse e os demais dados
necessários poderão ser comprovados em procedimento de justificação
administrativa perante a serventia extrajudicial, que obedecerá, no que couber,
ao disposto no §5º do art. 381 e ao rito previsto nos arts. 382 e 383 da Lei nº
13.105, de 16 de março de 2015. (Código de Processo Civil.) (Incluído pela lei
13.465, de 2017)
Com o intuito de tornar a compreensão desse tema tão
importante mais simples e fácil, seguem abaixo os quadros sinóticos e
jurisprudências mais relevantes.
Do
Animus do direito a ser usucapiado
Da
intervenção do Ministério Público
Das
diferentes formas de usucapião
Jurisprudências
Enunciado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
108 - A ação de usucapião é cabível somente quando houver
óbice ao pedido na esfera extrajudicial.
Jurisprudência atinente à usucapião
Usucapião entre Herdeiros e Condôminos
"USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. CONDOMÍNIO. HERDEIROS E
CONDÔMINOS. NECESSIDADE DE POSSE EXCLUSIVA ANIMUS DOMINI UNICI. REQUISITO
INEXISTENTE NA ESPÉCIE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. É possível a
usucapião entre herdeiros e condôminos, comprovados, porém, determinados
requisitos, sendo imprescindível a posse exclusiva, animus domini unici,
traduzido de modo inequívoco, com exclusão dos demais."(RT 524/210).
"Usucapião. Condomínio. Posse do condômino de parte
certa e determinada. Inexistência de oposição dos demais condôminos. Legítimo
interesse. Pedido procedente. Recurso não provido." (JTJ 157/198).
"Para obter usucapião sobre imóvel em condomínio, o
condômino deve provar sua posse com exclusão dos direitos possessórios dos
demais. Estes não precisam residir no imóvel para conservar seus direitos.
" (RT 502/79, 538/55, 544/73).
RECONHECIMENTO DE USUCAPIÃO OPOSTO COMO EXCEÇÃO EM AÇÃO DE
DIVISÃO. CABIMENTO DE USUCAPIÃO ENTRE CONDÔMINOS. (Apelação Cível 500430228,
Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator:
Galeno Vellinho de Lacerda, Julgado em 15/9/83).
(TJ-RS - AC: 500430228 RS, Relator: Galeno Vellinho de
Lacerda, Data de Julgamento: 15/9/83, Terceira Câmara Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia).
Loteamento irregular
TJ/SP - Usucapião em Loteamento Irregular.
Usucapião. Loteamento irregular. Irrelevância. Inobservância
da lei do parcelamento do solo urbano e a inércia do Poder Público não
constituem impedimento para o reconhecimento da usucapião. Aquisição originária
da propriedade. Sentença anulada. Recurso provido.
(TJ-SP - APL: 00010657820108260099 SP
0001065-78.2010.8.26.0099, Relator: Caetano Lagrasta, Data de Julgamento:
27/2/13, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 8/5/13).
Em área inferior ao módulo mínimo urbano SÚMULA TJ/RJ 317
É JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO DE USUCAPIÃO DE IMÓVEL COM
ÁREA INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO URBANO DEFINIDO PELAS POSTURAS MUNICIPAIS.
REFERÊNCIA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
0013149 64.2005.8.19.0202. JULGAMENTO EM 14/4/14 - RELATOR: DESEMBARGADOR
MARCUS QUARESMA FERRAZ. VOTAÇÃO UNÂNIME.
Órgão especial
Incidente de uniformização de jurisprudência
0013149-64.2005.8.19.0202
Suscitante: 2ª câmera Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro
Interessado 1: _____________
Interessado 2: _____________
Relator: Des. Marcus Quaresma Ferraz
Incidente de Uniformização de Jurisprudência.
Divergência jurisprudencial a respeito da possibilidade
jurídica do pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao módulo mínimo
urbano definido pelas posturas municipais.
A extinção do processo pela impossibilidade jurídica do
pedido se baseia nas limitações mínimas espaciais para legalização de terreno
constante nas leis municipais que regulam o parcelamento do solo urbano.
Ocorre que tal argumento vai de encontro ao próprio
fundamento do instituto da usucapião, bem como a alguns preceitos processuais e
até mesmo constitucionais.
A sentença que declara a usucapião é que será registrada,
constando do mandado judicial todos os requisitos da matrícula, conforme
assinala a lei 6.015/73 - Lei de Registros Públicos, em seus arts. 167, inciso
I, e 226, não havendo previsão legal para submissão de seus dados à aprovação
do Município.
Deve-se atentar para o fato de que a competência municipal
se resume a promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano,
restringindo-se à União e aos Estados a competência para legislar sobre as diretrizes
em direito urbanístico, nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal
Federal.
Destarte, a competência do Município encontra limites nas
legislações federal e estadual sobre direito urbanístico, cabendo apenas
complementá-las e esclarecê-las e não as restringir como ocorreria no caso de
se aceitar a constituição de limite espacial como requisito da usucapião -
"os mencionados Decretos Municipais (Plano Diretor) não têm a virtude de
criar requisito não previsto no ordenamento jurídico". (0005411-20.2008.8.19.0202
- Apelação - Des. Valéria Dacheux - 13ª Câmara Cível, julgado em 28/5/13).
Aplicar as normas municipais que limitam e regulam o
parcelamento do solo urbano ao instituto da usucapião seria um equívoco,
diante, com a devida vênia dos que entendem o contrário, da gritante
inconstitucionalidade formal que subsistiria ao reconhecer competência ao
Município para legislar sobre matéria que lhe não compete: "Com efeito, a
restrição municipal de parcelamento do solo urbano não pode impedir a aquisição
de terreno por usucapião, já que a norma invocada não regulamenta a aquisição
da propriedade imobiliária" (0136494- 64.2000.8.19.0001
- Apelação - Des. Elton M. C. Leme - 17ª Câmara Cível,
julgado em 21/8/13). Frise-se que um dos deveres do Município inerente a essa
competência constitucional seria exatamente o de fiscalizar o ordenamento do
solo urbano, o que, caso fosse feito de forma eficaz e permanente, evitaria que
fossem implantadas verdadeiras favelas nos grandes centros, não sendo justo
"deixar o problema sem solução, principalmente quando esse problema é
causado pela omissão do poder público municipal, que não exerce o papel que é
dado pela configuração jurídica pátria." (0168541- 91.20000.8.19.0001 -
Apelação - Des. Fábio Dutra - 1ª Câmara Cível, julgado em 26/3/12).
O que se verifica nesses casos específicos de usucapião é
que a posse mansa e pacífica é alcançada pela inércia tanto do proprietário
quanto do Poder Público, razão pela qual o direito de ambos acaba por ser
suplantado pelo nascimento do direito do possuidor.
Por fim, o argumento apontado em todos os acórdãos,
sentenças, pareceres e afins que defendem a possibilidade jurídica do pedido de
usucapião cujo terreno não atenda às exigências definidas na legislação
municipal e que não poderia deixar de ser aqui evocado é o direito social à
moradia, consectário lógico do preceito constitucional da dignidade da pessoa
humana.
Frise-se que entender de outro modo acabaria por esvaziar a
usucapião especial urbana prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art.
183, posto que, ao limitar o imóvel a ser usucapido à área mínima de duzentos e
cinquenta metros quadrados com base em regulamentações municipais, esbarraria
no óbice constitucional que restringe a área a ser usucapida em até iguais
duzentos e cinquenta metros quadrados.
Pelo exposto, impõe-se o acolhimento do presente Incidente
de Uniformização, propondo, nos termos do art. 121 do Regimento Interno e do
art. 479 do Código de Processo Civil, a edição do seguinte enunciado: "É
juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área inferior ao
módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais."
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos esses autos de Incidente de
Uniformização de Jurisprudência 0013149-64.2005.8.19.0202, em que é suscitante
a Egrégia 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
sendo interessados Ana Maria Baptista dos Santos e João Thomas Sobrinho,
ACORDAM os desembargadores que integram o Órgão Especial do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer o incidente
de uniformização de jurisprudência e acolher a proposta de uniformização para
fixar o entendimento do Tribunal nos termos da Súmula cujo enunciado se segue:
"É juridicamente possível o pedido de usucapião de imóvel com área
inferior ao módulo mínimo urbano definido pelas posturas municipais."
*Fernanda de Freitas Leitão
é tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.
Fonte: Migalhas