Em 22 de abril de
2022 o CNJ - Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 452/22¹, que
alterou o artigo 11 da resolução CNJ 35/07, para permitir que o(a)
inventariante nomeado represente o espólio "na busca de informações
bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a
realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do
imposto devido e dos emolumentos do inventário".
Permitiu-se, dessa
forma, a nomeação do inventariante em escritura pública anterior à partilha ou
à adjudicação (Resolução CNJ 35, art. 11, §1º), prática que já era admitida por
vários Tribunais do país, bem como o seu acesso a saldos e extratos bancários
de contas do de cujus e o levantamento (saque) de quantias -
eventualmente existentes - com a finalidade de efetuar o pagamento do devido
imposto de transmissão (ITCMD) e os emolumentos notariais e registrais do
Inventário Extrajudicial.
Visou-se, com isso,
resolver celeuma existente no cotidiano de quem labora com o Direito das
Sucessões, consistente na ilegítima recusa de algumas poucas instituições
bancárias em fornecer os necessários saldos e extratos aos herdeiros, sob a
alegação de que se fazia necessária a apresentação de alvará judicial.
Trata-se de medida
necessária e aguardada pela comunidade jurídica e pela sociedade de modo geral,
com vistas a viabilizar a realização/conclusão do Inventário Extrajudicial.
E não poderia ser
diferente, pois o Direito deve servir à sociedade, que clama por atos e
procedimentos mais céleres e eficazes.
Acreditamos,
entretanto, que a alteração poderia ter sido ainda melhor se tivesse
contemplado o pagamento de honorários advocatícios, mesmo que parciais, pois
não há como se falar em realização de Inventário, Judicial ou Extrajudicial,
sem a presença obrigatória de advogado. Essa é uma questão crucial!
Da mesma forma,
dever-se-á permitir o levantamento de valores eventualmente existentes em conta
para o pagamento de eventuais débitos tributários existentes, a fim de se
possibilitar a realização do inventário pela via administrativa, de maneira a
se atender à resolução 35/07 do CNJ.
Fica registrada,
portanto, sugestão de alteração!
Outra questão de
grande relevância que defendemos há algum tempo, cerne deste artigo, é a
inerente à venda de bens do espólio, independentemente de autorização judicial,
nos casos em que as partes vierem a optar pela realização do Inventário de
forma extrajudicial.
A explicação seria a
seguinte:
O CPC, atualmente, em
seu artigo 619, I, in verbis, exige alvará judicial para venda de bens
do espólio:
"Art. 619.
Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do
juiz:
I - alienar bens de
qualquer espécie; [...]"
Acontece que é um
contrassenso exigir que as partes, capazes e concordes, que já optaram por
promover o Inventário pela via extrajudicial, precisando alienar um ou mais
bens, sejam obrigadas a se dirigir ao Poder Judiciário para requerer
autorização judicial.
Tal previsão vai de
encontro ao importante movimento de desjudicialização existente em nosso país,
o qual é, inclusive, contemplado em vários dispositivos do referido Codex, a
exemplo do que prevê o artigo 610, §1º, que trata do Inventário Extrajudicial e
de seu artigo 733, que dispõe sobre o divórcio, a separação, e a dissolução de união
estável, consensuais, por escritura pública.
Além disso, fere o
Princípio da Autonomia da Vontade, bem como os Princípios da Intervenção Mínima
do Estado e da Economia Procedimental, na medida em que retira das partes,
capazes e concordes, no livre uso e gozo de suas capacidades civis, o poder de
decisão/disposição e a possibilidade de venderem um ou mais bens, em momento de
necessidade, obrigando-as a bater às portas do Judiciário para requerer algo
que de forma simples poderia ser resolvido e evitado.
Devemos lembrar que o
artigo 619 do atual Código de Processo Civil replicou a regra do revogado
artigo 992 do CPC de 1973, época em que ninguém sequer cogitava falar em
Inventário Extrajudicial, carecendo da necessária alteração legislativa.
Não há razão,
portanto, de se exigir alvará judicial nesses casos, desde que inexistam
débitos do espólio, dos herdeiros e do meeiro, capazes de impedir a venda. Não
haverá prejuízo algum a quem quer que seja. Prejuízo existe, com a devida vênia
a quem pensa diferente, ao se exigir o alvará judicial nessas situações,
privando as partes de vender bens que já estão em sua esfera patrimonial, em
razão do Princípio da Saisine (droit de saisine), consagrado pelo
artigo 1.784 do Código Civil.
Bastaria a devida autorização
expressa concedida pelo cônjuge supérstite/meeiro acompanhado de todos os
herdeiros e respectivos cônjuges - com exceção daqueles cujos casamentos foram
realizados sob o regime da Separação de Bens - na própria escritura de nomeação
de inventariante.
Na prática, portanto,
o inventariante devidamente nomeado e autorizado por todos os
herdeiros/sucessores e seus cônjuges, bem como pelo meeiro, e que tenha
prestado compromisso, sempre assistidos por advogado, em Escritura Pública de
Nomeação de Inventariante, já estaria apto a requerer a lavratura e a
representar o espólio na assinatura da competente Escritura Pública de Compra e
Venda a ser outorgada ao comprador.
A Escritura Pública
de Nomeação de Inventariante, nesse caso, contendo autorização/poderes
especiais e expressos concedidos ao inventariante, substituiria o alvará
judicial.
Por que não?
Defendemos essa
"tese", pela primeira vez, em maio do corrente ano, em uma live
com o amigo Davi Camboim, do @estudosnotariais, e, há algumas semanas, em outra
live, dessa vez com o amigo João Massoneto, Tabelião Substituto do
Tabelionato de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP.
Mister se faz frisar,
ainda, não se tratar de cessão de direitos hereditários, mas sim de verdadeira
compra e venda de bens do espólio, com o devido recolhimento tributário e apta
ao registro na Serventia Predial competente, na respectiva matrícula do imóvel.
Um passo gigantesco
nesse relevante e indispensável movimento de desjudicialização.
Além disso, tal medida
trará, seguramente, inúmeros benefícios à sociedade e ao Poder Judiciário, eis
que capaz de formalizar com segurança algo que já acontece na prática,
promovendo paz social e prevenindo o surgimento de litígios que certamente
desembocariam na Justiça.
Sabemos que inúmeros
são os casos de venda de bens do espólio por instrumento particular e sem
qualquer recolhimento tributário. Muitos, com a finalidade de evitar a ida ao
Judiciário para pedir o alvará judicial e o tempo despendido, alienam o bem por
contrato particular, sem a necessária segurança jurídica, comprometendo-se a
transferir a escritura posteriormente, o que em muitos casos nunca acontece.
Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina.
Assim, outro aspecto
positivo é o de possibilitar o devido recolhimento do imposto de transmissão inter
vivos, com a formalização do negócio jurídico através da competente
Escritura Pública de Compra e Venda perante os tabelionatos de notas do país,
representando grande benefício aos Fiscos Municipais.
Não se pode olvidar,
também, que nem sempre o espólio possui liquidez para custear as despesas
advindas do Inventário, tais como, ITCMD, emolumentos notariais e registrais,
honorários advocatícios e eventuais tributos capazes de impedir a realização
pela via extrajudicial, sendo tal medida, a nosso ver, salutar e necessária.
Lembre-se que, mesmo
com a possibilidade de levantamento de valores em instituição bancária,
permitida pela atual redação do artigo 11 da Resolução 35 do CNJ, nem sempre o
espólio possui, em conta bancária, saldo suficiente a custear as despesas do
inventário. Faz-se, portanto, imprescindível a venda de algum bem, com a
finalidade de levantamento das quantias necessárias.
Negar às partes esse
direito é, data maxima venia, andar na contramão da desjudicialização,
burocratizando-se algo que, com praticidade e segurança, poderia ser resolvido
rapidamente e com menores custos na via extrajudicial.
E, com relação a
eventuais débitos, como ficaria a situação?
Simples. Bastaria, a
declaração de inexistência firmada por todos os herdeiros e meeiro, sob as
penas da lei, corroborada pela apresentação de certidões negativas de débitos
de protesto e do foro judicial do último domicílio do de cujus, bem como
da competente certidão negativa da Central de Indisponibilidade de bens, esta
última também com relação aos herdeiros e meeiro, além da apresentação da
certidão de ônus reais com relação ao imóvel. Convém lembrar ainda que, com a
atual redação dos artigos 54 e 55 da Lei 13.097/2015 a concentração dos atos na
matrícula, fortaleceu a fé pública registral, onde privilegiou-se a segurança
jurídica com a publicidade registral imobiliária.
Além disso, visando
trazer mais segurança, na própria escritura de nomeação de inventariante, além
da necessária autorização e a adequada identificação do imóvel, poder-se-ia
constar, caso essa seja a vontade das partes, o valor pelo qual desejam que o
imóvel seja vendido.
Trata-se, portanto,
de alternativa de acesso à Justiça e de importante mecanismo de pacificação
social, harmoniosa com o movimento de desjudicialização existente em nossa
nação e com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, por sua rapidez,
praticidade, segurança e eficácia.
Mister se faz frisar,
ainda, que tivemos, há alguns dias, a grata notícia de que fora publicado, no
Estado do Rio de Janeiro, o provimento CGJ/RJ 77/22², de 17 de outubro de 2022,
que dispõe sobre a alienação, por escritura pública, de bens integrantes de
acervo hereditário, independentemente de autorização judicial, o qual, em seu
artigo 1º, assim dispõe:
Art. 1º. O Código de Normas da
Corregedoria-Geral da Justiça - Parte Extrajudicial fica acrescido dos
seguintes artigos:
"Art. 308-A. É
possível a alienação, por escritura pública, de bens integrantes do acervo
hereditário, independentemente de autorização judicial, desde que dela conste e
se comprove o pagamento, como parte do preço:
I - da totalidade do
imposto de transmissão causa mortis sobre a integralidade da herança,
ressalvado o disposto no artigo 669, II, III e IV, do CPC; e
II - do depósito
prévio dos emolumentos devidos para a lavratura do inventário extrajudicial.
§ 1º. A alienação
disciplinada neste artigo não poderá ser efetivada quando:
I - tiver por objeto
imóveis situados fora do Estado do Rio de Janeiro;
II - o inventário não
puder ser lavrado por escritura pública na via extrajudicial; e
III - constar a
indisponibilidade de bens quanto a algum dos herdeiros ou ao meeiro.
§ 2º. O espólio será
representado por inventariante previamente nomeado em escritura declaratória,
ou no próprio instrumento de alienação de bens integrantes do acervo
hereditário.
§ 3º. Ao discriminar
a forma de pagamento da parte do preço, o tabelião deverá consignar na
escritura os elementos identificadores:
I - de orçamento
expedido por notário escolhido pelo interessado, a fazer parte integrante do
ato, indicando:
a) a relação dos bens
do espólio que serão inventariados extrajudicialmente, incluindo o objeto da
alienação;
b) os dados bancários
necessários ao depósito prévio dos emolumentos para a realização do inventário;
c) a data de sua
elaboração;
d) advertência de que
a não lavratura da escritura pública de inventário extrajudicial em até 90
(noventa) dias da ciência do depósito prévio importará ao alienante na
perda dos emolumentos depositados pelo adquirente em favor do tabelião;
II - da declaração de
herança por escritura pública (HEP) e das guias para pagamento expedidas pelo
órgão da Fazenda Estadual e documentos congêneres expedidos por órgãos
competentes para o lançamento do imposto de transmissão causa mortis de outros
entes da federação.
§ 4º. Caso não haja a
antecipação do pagamento, será possível a alienação com cláusula resolutiva
expressa de que parte do preço será pago pelo depósito prévio dos emolumentos
para a lavratura do inventário, em até dez dias, e pela quitação do imposto de
transmissão causa mortis da integralidade da herança.
Vale muito a pena a
leitura e o estudo, na íntegra, do diploma normativo.
Trata-se de
provimento de suma importância, a nosso ver, que tende a ter as suas
disposições replicadas por outros Tribunais do país, haja vista os inúmeros
benefícios da medida, como aqui já demonstrado.
Permitir, assim, a
realização de tal procedimento pela via administrativa, em tabelionato de
notas, independentemente de autorização judicial, é, a nosso ver, medida que se
impõe e alternativa inteligente e consonante com o clamor e o dinamismo social,
bem como com o movimento de desjudicialização existente em nosso país, na
medida em que promove paz social com efetividade, previne o surgimento de
inúmeros litígios, ajuda o Poder Judiciário em sua importante missão de prestar
jurisdição com efetividade àqueles que necessitam, possibilita o recolhimento
dos tributos devidos, viabiliza a realização do inventário de forma
extrajudicial e, atende, por sua celeridade e segurança jurídica, à dignidade
da pessoa humana e à autonomia da vontade, ressaltando-se a obrigatória
participação de advogado, assistindo as partes, no ato de autorização da venda
(Escritura Pública de Nomeação de Inventariante).
*Anderson Nogueira
Guedes é advogado e consultor jurídico. Especialista em Direito Notarial e
Registral, em Direito de Família e Sucessões e em Direito Tributário, com
atuação, ainda, nas áreas de Direito Imobiliário e Contratual, Direito do
Agronegócio e Direito Empresarial. Foi Tabelião Substituto de Serventia
Extrajudicial, por mais de 15 anos. Palestrante. Membro Efetivo da Comissão de
Direito das Famílias e Sucessões e da Comissão de Estudos das Questões
Jurídicas do Agronegócio, da OAB/MT. Autor de diversos artigos jurídicos publicados
em sites especializados em Direito Notarial e Registral do país e em Revista
Jurídica. Coautor das obras: Tabelionato de Notas - Temas Aprofundados, O Novo
Protesto de Títulos e Documentos de Dívida - Os Cartórios de Protesto na Era
dos Serviços Digitais, Registro de Imóveis - Temas Aprofundados e O Registro
Civil na Atualidade - A Importância dos Ofícios da Cidadania na Construção da
Sociedade Atual, publicados pela Editora Juspodivm, e da obra O Direito
Notarial e Registral em Artigos Vol IV, publicado pela YK Editora. Aprovado em
vários concursos públicos para ingresso na Atividade Notarial e Registral.
Fonte: Migalhas