O STJ acertou ao
impossibilitar a penhora indireta do imóvel em questão. Se a holding possui, em
seu ativo, unicamente um imóvel que serve de moradia aos sócios, é certo que,
indiretamente, a penhora de quotas levaria à penhora deste bem de família.
Recentemente, o Superior
Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 1.514.567/SP, cujo tema
central da controvérsia consistiu na aplicação, ou não, do conceito de
impenhorabilidade do bem de família previsto na Lei nº 8.009/90, no caso de
imóvel que, embora pertencente a uma sociedade empresária, seja utilizado pela
sócia e por seus familiares como moradia. O julgamento foi conduzido pela
Ministra Maria Isabel Gallotti.
No Tribunal de Origem,
cuidou-se de uma ação monitória, pela qual a credora buscava o recebimento do valor
histórico de R$ 683.731,00, proveniente de sucessivos empréstimos em dinheiro
aos devedores, pessoas físicas. Julgados improcedentes os embargos à monitória,
sobreveio o trânsito em julgado, de forma que a credora, então, deu início à
fase de execução.
Durante o curso do Cumprimento
de Sentença, foi constatado que os outros imóveis de propriedade dos devedores
já haviam sido expropriados e arrematados em outras execuções.
Deste modo, a credora
identificou que os devedores eram detentores da integralidade de quotas sociais
de uma empresa de administração de imóveis próprios, registrada em um Cartório
de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo e, assim, requereram a penhora
e avaliação das aludidas quotas sociais. Tendo sido deferida pelo Juízo, a
penhora foi realizada e registrada.
Intimados acerca da penhora das
quotas da sociedade, os devedores impugnaram o cumprimento de sentença,
suscitando a impossibilidade da penhora em razão da extinção da pessoa jurídica
diante do falecimento do sócio, a ofensa à affectio societatis, bem como
demonstraram que, em verdade, o único ativo da sociedade era um imóvel que se
destinava à residência dos devedores e sua família, há mais de 20 (vinte) anos.
Por outro lado, o Juízo de
Origem entendeu que a aquisição do imóvel foi realizada de forma fraudulenta,
em 08/06/1986, na medida em que a escritura de compra e venda nunca foi levada
a registro no cartório de imóveis competente. Ao final, o Juízo determinou que
as quotas sociais fossem avaliadas por um perito judicial.
Após avaliação e homologação do
laudo pericial, o Juízo deferiu o pedido de adjudicação das quotas sociais pela
credora. Inconformados com a decisão, os Devedores interpuseram o Agravo de
Instrumento nº 2064058-90.2014.8.26.0000, sustentando que o imóvel detido pela
sociedade se tratava de bem de família e que seria, portanto, impenhorável.
Remetido ao Tribunal de Justiça
de São Paulo, o Desembargador Paulo Pastore Filho, da 17ª Câmara de Direito
Privado, negou provimento ao Agravo de Instrumento dos Devedores, fundamentando
que o imóvel não pertencia às pessoas físicas, mas sim, à pessoa jurídica,
razão pela qual, era inviável examinar a impenhorabilidade à luz da Lei
8.009/90.
Levada a questão ao Superior
Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 1.514.567/SP, em linhas
gerais, a Ministra Maria Isabel Gallotti deu provimento ao recurso especial e
determinou o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça de São Paulo, a fim que
este aprecie novamente as provas dos autos, ou alternativamente, que seja
reaberta a instrução probatória à luz do seu voto, apurando-se se os sócios
recorrentes, de fato, habitam o imóvel.
Asseverou-se, ainda, no
decorrer do acórdão, pela possibilidade de reconhecer o dito imóvel como bem de
família, embora seja este de propriedade da sociedade e não dos sócios.
Verificamos, dessa forma, que o
acordão preserva a segurança jurídica das empresas familiares - holdings -, à
luz da Lei 8.009/90.
Como é sabido, a holding
familiar é um instrumento que tem como função principal manter ("to
hold") e gerir os bens móveis ou imóveis da família, de sorte que as
pessoas físicas passem a deter somente as ações ou quotas da holding, pessoa
jurídica esta que forma uma única estrutura societária, o que permitiria
planejar economicamente a sucessão e os tributos, visando a melhor gestão dos
ativos patrimoniais[1]. O cerne do planejamento familiar é possibilitar que os
imóveis não sejam objeto de Inventário em caso de falecimento do sócio que os
integralizou.
Além disso, a constituição da
holding pode acarretar uma economia tributária para locações e vendas, bem como
segregar o patrimônio dos sócios dos riscos decorrentes de atividades
operacionais de suas empresas.
Conforme apontado pelo Ministro
Raul Araújo, do STJ, no Recurso Especial nº 1.514.567/SP, os empresários,
frequentemente expõem o seu patrimônio pessoal ao risco da sua atividade
mercantil. Desta forma, a Lei 8.009/90 busca garantir que os imóveis - mesmo
integralizados em uma holding -, nos quais os sócios e sua família constituam
residência, não sejam penhorados, sob pena de violarem os direitos
constitucionais de moradia (art. 6, da CF) e a própria proteção da família
(art. 226, da CF).
Na hipótese em apreço,
entendemos que, caso fosse verificado que a sociedade familiar possuísse outros
bens em seu ativo, a adjudicação das quotas sociais pelo credor deveria
limitar-se a um percentual do capital social que equivalesse ao patrimônio
líquido da sociedade, deduzindo-se o valor do imóvel impenhorável. Assim,
hipoteticamente, se o patrimônio líquido da sociedade fosse R$ 100.000,00,
composto pelo imóvel residencial no valor de R$ 60.000,00 e outros bens, no
valor de R$ 40.000,00, a penhora deveria limitar-se a 40% do capital social, a
nosso ver.
Acreditamos que, mediante essa
cautela, seria evitada a adjudicação indireta do bem de família.
Por outro lado, constata-se
que, o único ativo integralizado na sociedade era um imóvel de moradia dos
sócios e de seus familiares. Logo, autorizar a adjudicação em favor do credor,
seria o mesmo que adjudicar o imóvel em sua integralidade, o que não poderia
ocorrer.
Sob esse panorama, Luiz Edson
Fachin[2] já ressaltou, em outra oportunidade, que a impenhorabilidade da Lei
nº 8.009/90, ainda que tenha como destinatários as pessoas físicas, merece ser
aplicada para as pessoas jurídicas, às firmas individuais e às pequenas
empresas com conotação familiar.
Deste modo, observamos que o
posicionamento tomado pelo Juízo de Origem e pelo e. TJSP traz insegurança
jurídica ao não aplicar a lei 8.009/90 no caso in concreto, na medida em que
cria um cenário desfavorável aos devedores e viola o princípio do mínimo vital.
Logo, o c. STJ acertou ao
impossibilitar a penhora indireta do imóvel em questão, pois, embora os bens
adjudicados pelo credor sejam quotas sociais, se a sociedade possui, em seu
ativo, unicamente um imóvel que serve de moradia aos sócios, é certo que,
indiretamente, ocorreria a penhora deste provável bem de família, violando-se,
assim, a lei 8.009/90, em seu âmago.
Referências:
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto
Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro, Renovar, 2001.
PEREIRA DA SILVA, Fábio.
Holding familiar: visão jurídica do planejamento societário, sucessório e
tributário. São Paulo: Trevisan Editora, 2015.
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[1] PEREIRA DA SILVA,
Fábio. Holding familiar: visão jurídica do planejamento societário, sucessório
e tributário. São Paulo: Trevisan Editora, 2015.
[2] FACHIN, Luiz Edson.
Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, p. 154.
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Cristiano Padial Fogaça é sócio do escritório Fogaça Murphy Advogados. Advogado.
Mestre em Direito Comercial pela PUC-SP. Professor no curso de especialização
do COGEAE/PUC-SP.
Gustavo Rocco Corrêa é advogado. Bacharel em Direito pela Faculdades
Metropolitanas Unidas - FMU; Pós-graduado em Processo Civil - EBRADI;
Pós-graduando em Direito do Consumidor pela Universidade Candido Mendes.
Matheus Lira é advogado e sócio do escritório Fogaça Murphy Advogados.
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduado em
Direito Empresarial pela Fundação
Fonte: Migalhas