RESOLUÇÃO
N. 510, DE 26 DE JUNHO DE 2023.
Regulamenta
a criação, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais,
respectivamente, da Comissão Nacional de Soluções Fundiárias e das Comissões
Regionais de Soluções Fundiárias, institui diretrizes para a realização de
visitas técnicas nas áreas objeto de litígio possessório e estabelece
protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou reintegrações
de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de populações
vulneráveis.
A
PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições
legais e regimentais,
CONSIDERANDO
que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e a normatização do
Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II
e III, da CF);
CONSIDERANDO
que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF n. 828, determina a instalação
imediata pelos Tribunais de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais de
Comissões de Conflitos Fundiários;
CONSIDERANDO
que a supramencionada decisão remeteu a este Conselho Nacional de Justiça a
atividade de consultoria e capacitação para a constituição das Comissões de
Conflitos Fundiários;
CONSIDERANDO
a missão constitucional deste Conselho Nacional de Justiça de promover a gestão
e administração judiciária, bem como a necessidade de nortear a atuação dos
Tribunais na atividade de constituição das Comissões de Conflitos Fundiários;
CONSIDERANDO
a deliberação do Plenário do Conselho Nacional de Justiça no Ato Normativo n.
0003244-58.2023.2.00.0000, aprovado na 10ª Sessão Ordinária, realizada em 20 de
junho de 2023;
RESOLVE:
CAPÍTULO
I
DISPOSIÇÕES
INICIAIS
Art. 1º O
Conselho Nacional de Justiça instituirá Comissão Nacional de Soluções Fundiárias,
composta por 1 (um) Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, que a
presidirá, e no mínimo 4 (quatro) magistrados, indicados pela Presidência do
CNJ.
§ 1º
Compete à Comissão Nacional de Soluções Fundiárias:
I –
estabelecer protocolos para o tratamento das ações que envolvam despejos ou
reintegrações de posse em imóveis de moradia coletiva ou de área produtiva de
populações vulneráveis, em imóveis urbanos ou rurais, objetivando auxiliar a
solução pacífica de conflitos derivados dessas ações;
II –
desenvolver, em caráter permanente, iniciativas voltadas a assegurar a todos o
direito à solução destes conflitos por meios adequados à sua natureza e
peculiaridade, de modo a evitar a prática de ações violentas ou incompatíveis
com a dignidade humana quando do cumprimento de ordens de reintegração e
despejo;
III –
incentivar o diálogo com a sociedade e com instituições públicas e privadas, e
desenvolver parcerias voltadas ao cumprimento dos objetivos desta Resolução;
IV –
fomentar estudos e pesquisas sobre causas e consequências dos conflitos
coletivos pela posse da terra e pela moradia, bem como o mapeamento e o seu
monitoramento, a fim de auxiliar o diagnóstico dos casos e subsidiar a tomada
de decisões administrativas e judiciais;
V –
realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos,
em apoio às Comissões Regionais, elaborando o respectivo relatório, enviando-o
ao juízo de origem para juntada aos autos;
VI –
agendar e conduzir reuniões e audiências em apoio às Comissões Regionais, entre
as partes e demais interessados, elaborando a respectiva ata;
VII –
emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos
administrativos, além de outras orientações, em apoio às Comissões Regionais; e
VIII – elaborar
seu próprio regimento interno.
§ 2º A
Comissão Nacional de Soluções Fundiárias é competente para fixar normas gerais
de atuação da Política Judiciária para Tratamento Adequado dos Conflitos
Fundiários de Natureza Coletiva, não tendo qualquer natureza de instância
revisora dos procedimentos realizados pelas Comissões Regionais.
§ 3º O
Conselho Nacional de Justiça promoverá, anualmente, reunião da Comissão
Nacional e das Comissões Regionais, com a participação de outros órgãos
públicos e de instituições públicas e privadas ligadas ao tema.
§ 4º Os
Tribunais devem constituir Comissão Regional de Soluções Fundiárias, no prazo
de 30 (trinta) dias, para funcionar como estrutura de apoio à solução pacífica
das ações possessórias e petitórias coletivas, com as seguintes atribuições,
sem prejuízo de outras necessárias ao cumprimento dos seus objetivos:
I –
estabelecer diretrizes para o cumprimento de mandados de reintegração de posse
coletivos;
II –
executar outras ações que tenham por finalidade a busca consensual de soluções
para os conflitos fundiários coletivos ou, na sua impossibilidade, que auxiliem
na garantia dos direitos fundamentais das partes envolvidas em caso de
reintegração de posse;
III –
mapear os conflitos fundiários de natureza coletiva sob a sua jurisdição;
IV –
interagir permanentemente com as Comissões de mesma natureza instituídas no
âmbito de outros Poderes, bem como com órgãos e instituições, a exemplo da
Ordem do Advogados do Brasil, Ministério Público, Defensoria Pública, União,
Governo do Estado, Municípios, Câmara de Vereadores, Assembleias Legislativas,
Incra, movimentos sociais, associações de moradores, universidades e outros;
V – atuar
na interlocução com o juízo no qual tramita eventual ação judicial, com os
Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejusc) e Centros de Justiça
Restaurativa, sobretudo por meio da participação de audiências de mediação e
conciliação agendadas no âmbito de processo judicial em trâmite no primeiro ou
segundo grau de jurisdição;
VI –
realizar visitas técnicas nas áreas objeto de conflitos fundiários coletivos,
elaborando o respectivo relatório, enviandoo ao juízo de origem para juntada
aos autos;
VII –
agendar e conduzir reuniões e audiências entre as partes e demais interessados,
elaborando a respectiva ata;
VIII –
emitir notas técnicas recomendando a uniformização de fluxos e procedimentos
administrativos, além de outras orientações; e
IX –
elaborar seu próprio regimento interno.
Art. 2º A
Comissão Regional terá, no mínimo, a seguinte composição:
I – 1
(um) desembargador indicado pelo Tribunal respectivo, que a presidirá;
II – 4
(quatro) magistrados escolhidos pelo Tribunal a partir de lista de inscritos
aberta a todos os interessados.
§ 1º Será
indicado 1 (um) suplente para cada membro da Comissão Regional, a partir da
lista mencionada no inciso II.
§ 2º
Poderão ser convidados para participar das reuniões e/ou audiências, a critério
da Comissão Regional, representantes dos movimentos sociais, sociedade civil e
de todos os órgãos e entidades que possam colaborar para a solução pacífica do
conflito, nos níveis federal, estadual e municipal.
§ 3º A
Comissão Regional poderá contar com equipe multidisciplinar, sendo possível a
cooperação interinstitucional com os demais Poderes e a atuação de
profissionais do Ministério Público, da Defensoria Pública e das esferas
federal, estadual ou municipal.
§ 4º Os
Tribunais poderão operar em regime de cooperação para instituir Comissão
Regional compartilhada, inclusive mediante a cessão de servidores e recursos
materiais.
§ 5º Nos
Tribunais em que a Comissão Regional de Soluções Fundiárias já estiver
instituída quando da aprovação desta Resolução, faculta-se a sua convalidação
mediante ato administrativo da Presidência do Tribunal, desde que respeitada a
composição mínima prevista no caput deste artigo, o que será comunicado ao
Conselho Nacional de Justiça no prazo previsto no art. 1º, § 3º.
Art. 3º
Cada Tribunal regulamentará as atividades da sua Comissão Regional,
observando-se, no que couber, o fluxo previsto no Anexo I desta Resolução.
Parágrafo
único. Os Tribunais proporcionarão aos seus membros condições adequadas para o
desempenho satisfatório das suas atribuições, garantindo-se a designação de
equipe de apoio em número proporcional à demanda.
Art. 4ºA
atuação da Comissão Regional será determinada por decisão proferida pelo juiz
da causa, que fará a remessa dos autos para a estrutura administrativa de apoio
à Comissão, sem prejuízo da ciência do conflito pelas comissões regionais por
mera comunicação de qualquer uma das partes ou eventuais interessados.
§ 1º O
pedido da remessa do processo para a Comissão Regional poderá ser realizado
pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pelas partes envolvidas ou de
qualquer interessado em qualquer fase do processo.
§ 2º A
qualquer momento do conflito, inclusive antes do ajuizamento da ação judicial e
mesmo depois do trânsito em julgado da decisão que determina o despejo ou a
reintegração de posse, será possível a atuação da Comissão Regional.
§ 3º Nos
casos do art. 565 do Código de Processo Civil, faculta-se que a audiência de
mediação conte com a participação da Comissão Regional.
Art. 5ºA
atuação da Comissão Regional deverá observar os princípios da mediação e
conciliação, a exemplo da independência, da imparcialidade, da autonomia da
vontade, da oralidade, da celeridade, da informalidade e da decisão informada.
Parágrafo
único. São consideradas boas práticas para mediação e conciliação de conflitos
fundiários o cadastramento dos ocupantes, a identificação do perfil
socioeconômico das pessoas afetadas e a divulgação, por meio de placas ou
cartazes, de que a área em análise é objeto de ação judicial.
Art. 6º A
atuação da Comissão Regional deverá observar a razoável duração do processo,
envidando-se esforços para obter a resolução pacífica da controvérsia no prazo
de 90 (noventa) dias, admitida prorrogação.
Parágrafo
único. Enquanto perdurar a atuação da Comissão Regional, os respectivos
processos judiciais não serão computados nas metas de nivelamento do Conselho
Nacional de Justiça.
Art. 7º
Quando necessário, partes, advogados e os representantes dos ocupantes deverão
ser cientificados da realização reuniões e/ou audiências da Comissão Regional,
por qualquer dos meios admitidos pela lei.
Art. 8ºA
Comissão Regional participará da mediação e conciliação dos conflitos, devendo
realizar visitas técnicas, propor planos de ação para a sua resolução, para o
cumprimento pacífico das ordens de desocupação ou medidas alternativas à
remoção das famílias.
CAPÍTULO
II
DA
VISITA TÉCNICA NAS ÁREAS OBJETO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS COLETIVOS
Art. 9º A
visita técnica na área objeto de conflito fundiário coletivo, que não se
confunde com a inspeção judicial prevista nos arts. 440 e 481 do Código de
Processo Civil, é medida que decorre do comando do art. 126, parágrafo único,
da Constituição Federal e atende à exigência do art. 2º, § 4º, da Lei Federal
n. 14.216/2021, além de se consubstanciar em ato que amplia a cognição da causa
pelo Juiz, possibilita melhor tratamento do conflito e favorece a criação de
ambiente para conciliação ou mediação.
Art. 10.
Solicitada a intervenção da Comissão Regional, será agendada visita técnica na
área objeto do litígio, cuja data e horário serão informados aos requerentes,
bem como ao magistrado, ao qual incumbe a intimação das partes, terceiros,
Ministério Público, Defensoria Pública, Município no qual se localiza a área e
eventual movimento social ou associação de moradores que dê suporte aos
ocupantes.
§ 1º
Antes que a visita se realize, a Comissão Regional estabelecerá contato com a
parte autora e com os ocupantes da área, suas lideranças ou com eventuais
movimentos sociais que lhes deem suporte, informando-os sobre a finalidade e
roteiro, de modo a criar ambiente propício ao diálogo.
§ 2º No
dia e horário designados, a Comissão Regional visitará o local, proporcionando
que a visita seja acompanhada pelas pessoas e órgãos referidos no caput deste
artigo.
Art. 11.O
relatório de visita técnica contemplará o conteúdo do modelo que compõe o Anexo
II desta Resolução, sem prejuízo do acréscimo de outras informações que a
Comissão Regional entender pertinentes.
Art. 12.
O relatório de visita técnica será juntado aos autos de processo judicial, sem
prejuízo do seu envio a todo e qualquer interessado, preservando-se a imagem e
os dados cadastrais de crianças e adolescentes.
CAPÍTULO
III
DA
MEDIAÇÃO E DA CONCILIAÇÃO
Art. 13.
As audiências de mediação ou de conciliação serão designadas de ofício ou
mediante provocação de qualquer interessado, em qualquer fase do processo.
§ 1º Nos
termos do art. 565 do Código de Processo Civil, as audiências de mediação
deverão ser realizadas no litígio coletivo pela posse do imóvel quando o
esbulho ou a turbação afirmado no processo houver ocorrido há mais de um ano e
um dia, sendo facultada ao juiz da causa sua realização nas demais hipóteses.
§ 2º
Antes da realização da solenidade, o magistrado requisitará a visita técnica de
que trata esta Resolução, caso ainda não tenha sido realizada na hipótese,
designando a audiência para data posterior à juntada aos autos do respectivo
relatório.
§ 3º
Funcionará como conciliador ou mediador, preferencialmente, o magistrado que
conduziu a visita técnica; não sendo possível, será chamado a participar do ato
outro integrante da Comissão Regional.
§ 4º Para
a audiência de conciliação ou mediação serão intimados a comparecer todas as
partes e interessados, representantes do Ministério Público e da Defensoria
Pública, preferencialmente, dos respectivos órgãos especializados em conflitos
da natureza, procuradorias do Estado e do Município, representantes de
movimentos sociais eventualmente envolvidos na ocupação, bem assim
representantes de órgãos públicos e privados que atuem nas áreas correlatas ao
litígio.
CAPÍTULO
IV
DO
CUMPRIMENTO DAS ORDENS DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
Art. 14.A
expedição de mandado de reintegração de posse em ações possessórias coletivas
será precedida por audiência pública ou reunião preparatória, na qual serão
elaborados o plano de ação e o cronograma da desocupação, com a presença dos
ocupantes e seus advogados, Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de
assistência social, movimentos sociais ou associações de moradores que prestem
apoio aos ocupantes e o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento da
ordem, sem prejuízo da convocação de outros interessados.
Art. 15.
Os planos de ação para cumprimento pacífico das ordens de desocupação ou as
medidas alternativas à remoção das famílias deverão considerar as
vulnerabilidades sociais das pessoas afetadas e observar as políticas públicas
habitacionais de caráter permanente ou provisório à disposição dos ocupantes,
assegurando, sempre que possível, a inclusão das famílias removidas nos
programas de assistência social.
§ 1º Para
a efetivação do plano de ação, o Município onde se localiza o imóvel será
intimado para que proceda ao prévio cadastramento das famílias que ocupam a
área a ser reintegrada, bem como para que indique o local para a sua realocação
e as encaminhe aos órgãos de assistência social e programas de habitação,
observadas a decisão proferida no âmbito da ADPF n. 828 e, no que for possível
e pertinente, a Resolução n. 10/2018-CNDH.
§ 2º Os
planos de ação, sempre que cabível, deverão dispor sobre os encargos com
transportes e guarda dos bens essenciais que guarnecem as residências,
estabelecendo prazos e ações de desocupação que mitiguem os prejuízos para as
pessoas afetadas e que sejam compatíveis com a natureza da ocupação.
§ 3º O
plano de ação poderá prever prazo para desocupação assistida do imóvel objeto
do litígio, caso em que deverão ser intimados para o seu acompanhamento os
órgãos públicos ligados à política de proteção de pessoas vulneráveis, como
Conselho Tutelar, CREAS e secretarias de assistência social e de moradia.
Art. 16. Após
a concepção e execução do plano de ação, será expedido o mandado de
reintegração de posse, com a recomendação para que o início de seu cumprimento
não se dê no período noturno, em feriados ou datas comemorativas e em dias de
muito frio ou chuva.
CAPÍTULO
V
DISPOSIÇÕES
FINAIS
Art. 17.
Caberá a todos os Tribunais nacionais, à exceção do Supremo Tribunal Federal,
no âmbito das suas respectivas escolas judiciais, promover a inclusão, nos
cursos iniciais de formação continuada de magistrados e servidores, de temas de
direito agrário, direito urbanístico e regularização fundiária, respeitadas as
competências.
Art. 18.
Os Tribunais de um mesmo Estado ou Região poderão compartilhar a mesma Comissão
Regional, observadas as premissas fixadas na Resolução CNJ n. 350/2020.
Art. 19.
A atuação de magistrados na Comissão Nacional e nas Comissões Regionais será
considerada acúmulo de função para todos os efeitos e, excepcionalmente,
implicará afastamento temporário da jurisdição, preferencialmente do(s)
membro(s) incumbido(s) da realização das visitas técnicas.
Art. 20.
A capacitação dos magistrados e servidores ficará a cargo da Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).
Art. 21.
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministra
ROSA WEBER
Fonte: DJe CNJ