CNB/CF conversou com Ciro Mendes Freitas,
especialista em Direito das Famílias e Sucessões e vice-presidente da Comissão
de Família e Tecnologia do IBDFAM/RJ
As cláusulas extrapatrimoniais, devido sua natureza com
amplo espectro de possibilidades, instiga um debate jurídico crescente,
apimentado nos últimos meses por um caso nacional de grande divulgação
midiática e os constantes exemplos de contratos matrimoniais de casais famosos.
Um caso em Belo Horizonte levantou o debate sobre os limites jurídicos de
contratos pré-nupciais e os reflexos de cláusulas extrapatrimoniais, como de
infidelidade, nos Pactos Antenupciais. Em janeiro de 2023 em Minas Gerais um
casal fez um pacto antenupcial com uma cláusula de multa de R$ 180 mil em caso
de traição.
Para falar sobre o tema, o CNB/CF conversou com Ciro Mendes
Freitas, especialista em Direito das Famílias e Sucessões e vice-presidente da
Comissão de Família e Tecnologia do IBDFAM/RJ. Para Freitas, a discussão sobre
os limites das cláusulas em pactos antenupciais “se estende a dois tópicos
centrais: autonomia privada x intervenção mínima do Estado”.
Confira a íntegra da entrevista:
CNB/CF – Qual a importância de um Pacto Antenupcial e da
lavratura de contratos e suas cláusulas a novos casais? Em quais situações o
senhor indicaria a realização de um ato como este?
Ciro Mendes Freitas – O
pacto antenupcial é essencial para estabelecer o regramento patrimonial e
extrapatrimonial do casamento, e percebo que a maioria dos casais acaba não
optando por um regime diverso do regime legal justamente pela falta de
conhecimento sobre as possibilidades jurídicas e por receio do custo. Recomendo
o pacto a todo casal, e não sob o estigma de “pensar no fim logo no início”, mas
sobretudo sob a perspectiva do planejamento.
CNB/CF – É possível dizer que cláusulas inusitadas em
Pactos Antenupciais ganharam maior destaque nos últimos anos ou este é um
assunto que já toma a atenção de agentes do Direito a mais tempo?
Ciro Mendes Freitas – Sim.
Nos últimos anos alguns casos inusitados chamaram a atenção da mídia no que se
refere a cláusulas extrapatrimonias, como por exemplo o ocorrido em janeiro de
2023 em Minas Gerais quando um casal de Belo Horizonte resolveu fazer um pacto
antenupcial com uma cláusula de multa de R$ 180 mil em caso de traição. O
documento foi validado pela juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, titular
da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, que autorizou a inclusão da
cláusula de multa no contrato.
CNB/CF – Quais os limites das cláusulas em Pactos
Antenupciais? E quão específicas elas devem ser a fim de garantir o mínimo de
segurança jurídica ao casal?
Ciro Mendes Freitas – Inicialmente é importante considerar o artigo 1.639 do
Código Civil que afirma o seguinte: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado
o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.”
Entretanto, apesar de parecer que o artigo 1.639
estabeleceu liberdade plena de disposição no pacto antenupcial, não é bem assim
que funciona. Existem limitações para tais disposições, que partem do seguinte
questionamento: “o estabelecido no pacto antenupcial fere a ordem pública?”.
O que nos leva a outro questionamento: “o que fere a ordem
pública?” Aqui, percebemos uma lacuna interpretativa, considerando que o que
fere e afronta a ordem pública na cultura e vivência de um casal, pode não ser
o mesmo em relação a outro. A discussão se estende a dois tópicos centrais:
autonomia privada x intervenção mínima do Estado.
CNB/CF – Como avalia as cláusulas de traição em Pactos
Antenupciais? O senhor crê que seja uma solicitação que passará a ser mais
frequente pelos casais?
Ciro Mendes Freitas – Todo casal precisa ter liberdade para dispor no pacto
antenupcial aquilo que lhes aprouver, desde que não seja contraditório a
legislação e nem fira a ordem pública. Não é uma questão de opinião sobre o que
deve ou não ser estabelecido, mas sobretudo de garantia da autonomia privada e
da intervenção mínima do Estado nas relações privadas.
No meu ponto de vista, tal tendência se deve ao que o
filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de “amor líquido”. Em sua
obra “Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos”, Bauman afirma que
até mesmo a afinidade está se tornando algo pouco comum em uma sociedade de
extrema descartabilidade.
O desafio de relacionar-se em meio à liquidez e fragilidade
do afeto tem fomentado uma onda de contratualização no direito das famílias.
Subliminarmente, parece que as cláusulas existenciais funcionam como uma espécie
de aquário, onde a liquidez dos afetos é guardada e não se esvai. Entretanto,
na prática, embora haja possibilidades jurídicas de contratualização
antenupcial, seja de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, nenhuma cláusula
é capaz de impedir o fim da relação, nem mesmo a cláusula de (in) fidelidade.
CNB/CF – Qual sua análise sobre os reflexos destas
cláusulas aos Tabelionatos de Notas e Registros Civis? Como o assunto deve ser
tratado dentro das serventias?
Por evidente, o crescimento da contratualização das
relações familiares impacta diretamente o tabelionato de notas. No que se
refere aos pactos antenupciais e as cláusulas de (in) fidelidade, por exemplo,
deve-se observar o disposto no artigo 1639 do Código Civil, garantindo ao casal
autonomia para dispor no pacto, sem obviamente ferir a legislação e a ordem
pública e levando em consideração os princípios da autonomia privada e da
intervenção mínima do Estado.
CNB/CF – Quais são suas recomendações aos casais que buscam
Pactos Antenupciais para garantir a segurança jurídica de seus relacionamentos?
Ciro Mendes Freitas – O caminho para os que buscam segurança jurídica é de mão
única: planejamento matrimonial. Recomendo que busquem o auxílio de um advogado
especialista em direito das famílias, e planejem desde o início. Digo isto
porque não são poucos os casais que decidem sem reflexão alguma sobre a escolha
do regime de bens.
A comunhão parcial, apesar de ser o regime legal, não é
recomendado para todo casal. Essa, que é uma decisão de extrema importância,
acaba sendo acobertada pela “paixão” e trazendo muitos problemas futuros.
É por intermédio do planejamento matrimonial que a
realidade do casal será conhecida, avaliada e sua pretensão presente e futura
considerada na escolha do regramento patrimonial do casamento.
Fonte: CNB/CF