Segundo a
última edição da revista Justiça em Números, periódico divulgado anualmente
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com os dados estatísticos e indicadores
do Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça de São Paulo encerrou o ano de 2021
com 21 milhões de ações em tramitação. O periódico aponta, ainda no âmbito do
TJ-SP, que o tempo médio de duração de uma ação na primeira instância, contado
do protocolo da petição inicial até a prolação de sentença, é de dois anos e
três meses [1].
São
precisamente dados como esses que instigam reflexões e impulsionam a criação de
alternativas extrajudiciais, visando, dentre outras coisas, à diminuição do
congestionamento de processos nos nossos tribunais, especialmente para
procedimentos de menor complexidade. E, confirmando essa ideia, após a
implementação em ações envolvendo inventário e partilha de bens, divórcio e
usucapião, o fenômeno da extrajudicialização também acaba de alcançar
discussões envolvendo a adjudicação compulsória de bens.
A
adjudicação compulsória é (ou melhor, era) um procedimento exclusivamente
jurisdicional por meio do qual se opera a transferência forçada de bens de uma
pessoa em favor de outra. Ainda que do ponto de vista processual a
"adjudicação" se insira em um contexto mais amplo, isto é, como
instrumental à disposição do exequente para a satisfação da obrigação perante o
executado mediante a expropriação de bens móveis ou imóveis, sob o ponto de
vista da legislação civil, tal procedimento, em regra, se coloca tanto à
disposição do promitente comprador que enfrenta recusa do vendedor na outorga
da escritura definitiva de compra e venda; como, inversamente [2], ao vendedor,
na hipótese em que, por qualquer motivo, o comprador não promover a
regularização registral da aquisição.
Com a
recente promulgação da Lei Federal nº 14.382/22, foi acrescentado à Lei de
Registros Públicos o artigo 216-B, disciplinando, agora, a possibilidade de
efetivação da adjudicação compulsória extrajudicial, retirando o tema das mãos
exclusivas do Poder Judiciário; tudo a tornar o procedimento mais célere e,
quiçá, menos oneroso para as partes envolvidas, na medida em que, uma vez
presentes os requisitos legais, a adjudicação poderá ser efetivada por meio de
simples requerimento diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóveis
competente.
Nos
termos da nova legislação, são partes legítimas para requerer a adjudicação
compulsória extrajudicial o promitente comprador de bem imóvel, qualquer de
seus cessionários ou promitentes cessionários, ou ainda, seus sucessores; bem
como o promitente vendedor, todos representados obrigatoriamente por advogados.
Uma vez
requerida a adjudicação compulsória pelo interessado, o procedimento se
desenvolverá em duas etapas. A primeira delas consiste na intimação [3] do
requerido para que no prazo de quinze dias úteis outorgue (ou receba) a
escritura pública, efetivando a transmissão da propriedade; notificação essa
cuja operacionalização poderá ser delegada ao Oficial do Registro de Títulos e
Documentos. Uma vez intimado, o requerido poderá apresentar impugnação ao
pedido ou demonstrar o cumprimento da obrigação. Vale registrar, ainda, que o
transcurso do prazo, sem manifestação do requerido, implicará sua anuência ao
pedido [4] e, ainda, que caso ele expresse discordância, o Oficial de Registro
de Imóveis poderá promover uma tentativa de conciliação ou mediação [5].
Superada
esta primeira etapa, será protocolada petição pelo interessado dirigida ao
Cartório de Registro de Imóveis instruída com: a) cópia do instrumento
contratual com cláusula de irretratabilidade; b) prova do inadimplemento,
constituída pela não transmissão (ou recebimento, conforme o caso) da
propriedade plena no prazo de quinze dias, contados da entrega de notificação
acima indicada (quando esta ocorrer pelo próprio Registro de Imóveis); c) ata
notarial indicando a exata descrição do imóvel objeto da adjudicação, o nome e
qualificação das partes envolvidas, a prova do pagamento do preço acordado e a
prova do inadimplemento (quando a notificação se der por meio de Oficial do
Registro de Títulos e Documentos); d) prova da ausência de litígio envolvendo o
contrato de promessa de compra e venda do imóvel, por meio das respectivas
certidões forenses; e) prova do recolhimento do Imposto sobre a Transmissão de
Bens Imóveis (ITBI); e, por fim, f) da procuração com poderes específicos ao
advogado que assessora o interessado.
Cumpre
destacar, ainda, que a Lei de Registros Públicos não exige o registro prévio do
compromisso de compra e venda na adjudicação compulsória extrajudicial,
entendimento este que, a bem da verdade, já era adotado pelo Superior Tribunal
de Justiça (STJ), nos termos da Súmula 239/STJ [6].
O pedido
de adjudicação compulsória extrajudicial será indeferido se for comprovado que
as partes utilizam do meio extrajudicial para tentar burlar eventuais
exigências notariais, registrais, tributárias, ou a própria essencialidade da
escritura pública para a prática do ato, nos termos do artigo 108 do Código
Civil; e, ainda, quando a impugnação ofertada pelo requerido for reputada
"fundada", juízo de valor este que está ao critério do próprio
Oficial de Registro. Inexistindo dúvidas ou impugnação fundada, e estando em
ordem toda a documentação, o Oficial procederá ao registro da adjudicação compulsória
[7].
Por se
tratar de um procedimento administrativo, a adjudicação compulsória
extrajudicial não impede que a parte que tenha seu pedido eventualmente não
atendido (ou aquela que se sinta prejudicada) promova a discussão pela via
jurisdicional.
Em
arremate, ainda é cedo para afirmar os reais impactos que a adjudicação
compulsória extrajudicial trará ao desafogamento do Poder Judiciário. Mas, uma
coisa parece certa: a extrajudicialização é uma tendência que veio para ficar.
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[1]
Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2022/Conselho Nacional de
Justiça – Brasília: CNJ, 2022.
[2] Se no
passado a expressão "adjudicação compulsória inversa" poderia ser
criticada pela doutrina e jurisprudência, à luz da nova legislação,
aparentemente, o tema foi pacificado, na medida em que, indiscutivelmente, ao
vendedor também subsiste interesse jurídico em forçar o comprador à
regularização o registro da escritura pública.
[3]
Tratando-se de pessoa jurídica, a notificação deverá ser entregue a pessoa com
poderes de representação legal, nos termos do item 466.8, Tomo II, NSCGJ, TJSP.
[4] Item
466.5, Ibidem.
[5] Item
469, Tomo II, NSCGJ, TJSP.
[6] O
direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso
de compra e venda no cartório de imóveis.
[7] Item
472, Ibidem.
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Daniel
Luiz Yarshell é advogado do
Yarshell Advogados.
Vanessa
Silva Sene é advogada do Yarshell
Advogados.
Giovanna
Silva e Sousa é estagiária do
Yarshell Advogados.
Fonte: ConJur