O testamento, mesmo o
particular, precisa guardar um mínimo de formalidades, somente sendo possível
flexibilizá-las em situações muito especiais. Se o documento não satisfaz as
exigências formais, não se pode afirmar sua validade, nem admitir sua
requalificação jurídica.
Com esse entendimento e
por maioria de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou
provimento ao recurso especial que visava validar um testamento particular
excepcional, feito de próprio punho por um homem que morreria de câncer
posteriormente.
O documento foi
redigido para fazer com que bens de alto valor sentimental, porém valor
econômico reduzido, não fossem repassados para seus irmãos, herdeiros
colaterais. Essa medida é autorizada pelo artigo 1.850 do Código Civil.
Trata-se de utensílios
domésticos, aparelhos eletrônicos, roupas, coleções de filmes, livros,
pinturas, quadros e bebidas. O testamento particular indicou o desejo de que
esses bens fossem doados à biblioteca municipal, a asilos, a museus e a
entidades assistenciais.
O problema é que o
documento não respeitou as formalidades previstas na Seção IV do Código Civil.
O artigo 1.876, parágrafo 1º exige que seja lido e assinado por quem o escreveu
na presença de pelo menos três testemunhas, que devem subscrever o documento.
No caso, o documento de
duas folhas tem apenas a rubrica atribuída ao testador no verso de uma delas.
Além disso, há indícios de que não foi escrito de uma só vez. A validade do
testamento foi afastada pelas instâncias ordinárias a pedido dos herdeiros
colaterais.
O testamenteiro — a
pessoa escolhida pelo testador para fazer cumprir o testamento — recorreu ao
STJ para alegar que estão presentes situações excepcionais justificadoras do
testamento particular, situação que não foi reconhecida no acórdão.
Última vontade
do testador
Relatora, a ministra Nancy Andrighi entendeu ser incontroverso que o falecido
não desejava deixar seus bens aos familiares. Essa afirmação consta das
testemunhas ouvidas no processo, que não presenciaram a redação do testamento,
mas reconheceram a letra dele no documento e sabiam de sua existência.
Assim, propôs
requalificar juridicamente o documento, de testamento particular para codicilo.
Trata-se de um documento também previsto no Código Civil, artigo 1.881, que
funciona como manifestação de última vontade em relação a temas como o funeral
e doações de pequenas quantias em dinheiro ou objetos de pequeno valor.
Para a ministra Nancy,
não é razoável desrespeitar uma disposição de última vontade tão enérgica e
enfática, escrita sob a dor do câncer e também a dor emocional causada pela
exclusão e pela indiferença dos irmãos. Se não há dúvidas do desejo do
falecido, cabe a requalificação.
“Perceba-se que não
está aqui em debate apenas uma questão jurídica, mas, sim, uma questão maior,
que é o respeito à vontade dos mortos, sobretudo porque corroborada em juízo
por nada menos do que 7 testemunhas, firmes quanto à caligrafia do documento,
quanto à leucemia, à exclusão e indiferença dos familiares, quanto à nobre
destinação dos bens deixados e quanto à solidão que acometia o testador”, disse
a relatora.
Essa posição ficou
vencida. Acompanhou a relatora o ministro Humberto Martins.
Formalidades
importantes
Abriu a divergência vencedora o ministro Moura Ribeiro, para quem o testamento
particular é inválido justamente pela falta das formalidades na sua preparação.
Ainda que se admitisse o documento feito sem testemunha ou em circunstância
excepcional, deveria, no mínimo, ser assinado em todas as folhas e feito em uma
única assentada.
O fato de ser
contestado pelos herdeiros colaterais, colocando em dúvida a suposta
manifestação de vontade do testador, é fator que gera insegurança e implica sua
invalidade. Para ele, se o testamento não satisfaz as exigências formais,
infelizmente não se pode afirmar sua validade.
“Importante salientar
que o testamento, mesmo o particular, precisa guardar um mínimo de
formalidades, somente sendo possível flexibilizar em situações muito especiais,
o que não parece ser o caso”, disse o ministro Moura Ribeiro. Formaram a
maioria com ele os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio
Bellizze.
Clique aqui para
ler o acórdão
REsp 2.000.938
Fonte:
Conjur