A
ausência do registro em cartório do contrato de compra e venda de um imóvel com
garantia de alienação fiduciária não lhe retira a eficácia, ao menos entre os
contratantes. Essa medida só é necessária para que produza efeito perante
terceiros interessados.
Com esse
entendimento, e por maioria de votos, a 2ª Seção do Superior Tribunal de
Justiça decidiu que, independentemente do registro do contrato em cartório de
imóveis, o bem adquirido com contrato de alienação fiduciária se submete ao
rito da Lei 9.514/1997.
Nesse
tipo de acordo, o comprador adquire o imóvel mediante financiamento e transfere
a propriedade do bem para a instituição financeira que lhe forneceu o crédito.
Ele, então, permanece na posse, mas na condição de devedor fiduciante.
A
propriedade só é devolvida pelo banco (credor fiduciário) quando a dívida do
financiamento é quitada. Se houver inadimplência, a Lei 9.514/1997 prevê um
rito que passa pela consolidação da propriedade em nome do credor e o leilão do
bem para quitação da dívida.
O artigo
23 da lei de 1997 afirma que constitui-se a propriedade fiduciária de coisa
imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que
lhe serve de título. No STJ, as turmas que julgam temas de Direito Privado
adotavam interpretações distintas sobre a norma.
A 3ª
Turma entendia que, na ausência do registro, não há constituição da propriedade
fiduciária de coisa imóvel. Assim, o comprador do bem poderia rescindir o
contrato e receber de volta os valores pagos sem precisar se submeter ao rito
da Lei 9.514/1997.
Já a 4ª Turma
decidia que, mesmo na ausência do registro em cartório, o contrato possui
validade e eficácia entre as partes. Ou seja, a garantia de alienação
fiduciária existe. O comprador não poderia rescindir o contrato e não teria
direito a receber os valores que já havia pago até então.
Segundo
essa linha de entendimento, a ausência do registro só impediria a consolidação
da propriedade em nome do credor fiduciário e seu posterior leilão. O caso
julgado pela 2ª Seção em embargos de divergência opôs essas duas posições.
Venceu a
jurisprudência da 4ª Turma, encabeçada pelo voto divergente do ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva. Ele foi acompanhado pelos ministros João Otávio de Noronha,
Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti.
Ficou
vencida a relatora dos embargos, ministra Nancy Andrighi, ao lado dos ministros
Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze. Esteve ausente o ministro Moura Ribeiro.
E presidiu o julgamento sem direito a voto o ministro Antônio Carlos Ferreira.
Voto do
ministro Cueva resolveu a questão em posição mais favorável ao credor
Emerson
Leal/STJ
Validade
entre as partes
No voto
vencedor, o ministro Cueva defendeu que o reconhecimento da validade e da
eficácia do contrato de alienação fiduciária, mesmo sem o registro no Ofício de
Registro de Imóveis, opera-se em favor de ambas as partes da relação
contratual.
Por um
lado, isso garante ao devedor fiduciante que seu imóvel não vai ser penhorado
em nenhuma hipótese fora daquelas autorizadas pela Lei 9.514/1997. Por outro, o
credor fiduciário tem assegurado os meios contratuais de execução da garantia
em caso de inadimplência.
O
registro do contrato em cartório é imprescindível para a consolidação da
propriedade em nome do credor fiduciário. Tal exigência, contudo, não confere
ao devedor fiduciante o direito de rescindir o acordo como bem entender, fora
das hipóteses listadas legalmente.
Na
análise do ministro, admitir a rescisão por decisão do devedor fiduciante com a
devolução do dinheiro já pago desvirtuaria o instituto da alienação fiduciária,
que cairia em desuso. Assim, os compradores de imóveis teriam maior dificuldade
de acesso ao crédito e juros mais elevados.
Em
voto-vista, a ministra Isabel Gallotti concordou com Cueva. Ela destacou que o
registro do contrato de alienação fiduciária no cartório de imóveis não é
condição de validade e eficácia do contrato entre as partes.
"Ao
não promover o registro imobiliário do contrato, o credor assume o risco, por
exemplo, de o devedor alienar o bem a terceiro, ignorante do contrato, e ao
qual o pacto não poderá ser oposto, precisamente em razão da falta de
registro", pontuou ela.
A
magistrada afirmou ainda que seria um contrassenso admitir que, sem o registro
em cartório, apenas a parte do contrato que trata da concessão do empréstimo
para compra do bem é válida, invalidando a parte que trata da garantia.
"Não
se pretende afastar a aplicação do artigo 23 da Lei 9.517/97. Referido
dispositivo, entretanto, não fixa o prazo para o registro do contrato de
alienação fiduciária", afirmou a ministra Isabel Gallotti.
Fonte: ConJur