Em entrevista ao
Migalhas, professora fala da importância da transmissão de bens digitais.
Proposta de alteração
do Código Civil em tramitação pode restringir transmissão da herança digital.
Isto porque o texto dispõe que, em princípio, o patrimônio virtual não será
transmitido aos herdeiros. É isto o que alerta a professora Karina Nunes Fritz,
especialista em Direito Civil. A advogada observa que, se se impedir a herança
digital, seremos o primeiro país a fazê-lo, e "deixaremos o patrimônio
mais existencial do ser humano nas mãos das plataformas digitais".
Em entrevista ao
Migalhas, a professora faz um panorama do tema: explica o que há hoje no Brasil
em termos de legislação, o que é bem digital e qual o seu conteúdo econômico.
Faz, ainda, um paralelo
com a Alemanha, país que, segundo explica a advogada, tem papel importantíssimo
no debate, por ser o primeiro em que uma Corte Superior - equivalente ao STJ no
Brasil - se manifestou no sentido de que há transmissão da herança digital.
Para Fritz, não é
necessário disciplinar a matéria especificamente: a legislação estabelece que
todos os bens do falecido vão para os herdeiros, e não faz sentido excluir da
regra o conteúdo digital. O inverso - a negativa de transmissão - só deveria
ocorrer se a pessoa deixar expressa essa proibição.
Jurisprudência
Na entrevista, a
especialista cita recente decisão do TJ/SP divulgada pelo Migalhas referente a
patrimônio digital. A Corte autorizou que uma mãe acesse os dados digitais do
celular da filha falecida. Na decisão, a 3ª câmara de Direito Privado do
Tribunal reconheceu que o patrimônio digital de uma pessoa falecida pode fazer
parte do espólio e ser transmitido como parte da sucessão. Para Karina Fritz,
trata-se de importante jurisprudência que pode representar uma guinada sobre o
tema. Leia
a matéria.
O que é um bem digital?
O bem digital é tudo
aquilo que armazenamos, em vida, na internet. De acordo com a professora,
qualquer objeto de valor evidente, como criptomoedas, por exemplo, serão
transmitidos em sucessão - do contrário, seria uma expropriação por parte das
empresas privadas com fins lucrativos - as plataformas.
A discussão se dá
quanto aos bens que não têm um conteúdo patrimonial evidente - como é o caso
dos perfis em redes sociais, Instagram, Twitter, Facebook, arquivos de Dropbox,
contas de Spotify, músicas, filmes.
Karina destaca que
mesmo os bens não patrimoniais são transmitidos - como é o exemplo de cartas
guardadas no fundo do baú.
Economia de dados
Karina Fritz explica
que ainda é difícil para as pessoas mensurarem o caráter patrimonial de
conteúdo digital, como e-mail ou perfis em redes sociais. Por outro lado, como
dizer que não existe valor econômico se as big techs fazem dinheiro com isso?
"Eles não têm,
para nós cidadãos, caráter patrimonial evidente porque a gente foi embalado
pela ideia de que tudo o que era online era de graça. E, depois de muito tempo,
quando nos demos conta, já estávamos dependentes do mundo digital."
Fonte: Migalhas