Resumo
Este artigo relata e examina a inovadora lavratura
de escritura pública de inventário extrajudicial envolvendo herdeiros menores,
realizada junto ao 1º Tabelião de Notas de Santo André, São Paulo, em
conformidade com a resolução CNJ 571/24. A escritura incluiu a partilha dos
menores em frações ideais de imóveis, destacando as implicações jurídicas,
processuais e doutrinárias dessa inovação normativa, e abordando ainda a
questão da eventual extinção do condomínio entre os herdeiros.
Introdução
A resolução 571, de 2024, promulgada pelo CNJ,
introduziu um marco relevante para o direito sucessório brasileiro ao autorizar
inventários extrajudiciais envolvendo herdeiros menores ou incapazes, desde que
todos os requisitos legais sejam atendidos e com manifestação favorável do
Ministério Público1. Essa inovação normativa visa desburocratizar o sistema e
tornar mais célere a partilha de bens, mantendo o rigor protetivo sobre o
patrimônio de herdeiros vulneráveis.
Estrutura
normativa e conceito de fração ideal
A resolução CNJ 571/24 determina que a partilha de
bens imóveis para herdeiros menores seja feita em frações ideais, uma medida
que se coaduna com o conceito jurídico de co-propriedade abstrata. A fração
ideal representa uma proporção do direito de propriedade sobre um bem
indivisível, sem segmentação física da área, garantindo ao herdeiro a
titularidade sobre uma parte proporcional do valor total do bem, conforme sua
cota no espólio2. Segundo Guarnera, essa solução é amplamente vantajosa, pois
evita a depreciação do imóvel e preserva seu valor econômico e jurídico3. Neste
mesmo sentido, Germano, Nalini e Nosch4, inovaram ao defender a divisão do
patrimônio igualmente entre herdeiros. Assim, ainda que um deles fosse incapaz,
não haveria qualquer prejuízo. É o que acontece na imensa maioria das
partilhas, com atribuição de parte ideal (CC art. 1.784). Raramente os
bens são atribuídos de forma exclusiva ou individual aos herdeiros. Caso ocorra
a hipótese, aí se justificará participação do Ministério Público e do Poder
Judiciário.
Conforme o §1º do art. 12-A da resolução, "o
pagamento do quinhão hereditário ou da meação do herdeiro menor deve ocorrer em
parte ideal de cada bem inventariado". Dessa forma, cada menor detém uma
cota ideal sobre os bens imóveis do espólio, evitando o fracionamento físico
que, além de ser oneroso, poderia comprometer o valor do bem5. A escolha da
fração ideal visa tanto à preservação do patrimônio dos herdeiros quanto ao
respeito à unidade econômica dos imóveis partilhados.
Procedimento
de sub-rogação e validação pelo Ministério Público
A escritura, lavrada junto ao 1º Tabelião de Notas
de Santo André, incluiu a sub-rogação dos dois herdeiros menores em frações
ideais de bens imóveis. A sub-rogação, um mecanismo de substituição de
titularidade em cotas abstratas, permite que os herdeiros exerçam seu direito
sem que o bem precise ser fragmentado fisicamente. A manifestação favorável do
Ministério Público foi fundamental para assegurar a conformidade do ato com o
princípio da proteção integral dos incapazes, que encontra respaldo no art.
12-A, §3º, da resolução6.
Essa exigência visa a garantir que os valores
atribuídos aos quinhões dos herdeiros menores estejam adequados e
proporcionais, conforme a titularidade de cada um. A atuação do MP nesse
processo é central, pois assegura a proteção dos direitos dos herdeiros menores
e valida a eficácia jurídica da escritura extrajudicial7.
DA NECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
E A CONSEQUENTE CONDIÇÃO DE EFICÁCIA MINISTERIAL
A resolução CNJ 571/24 inseriu o art. 12-A na
resolução CNJ 35/07, estabelecendo um requisito essencial para que a escritura
de inventário e partilha com herdeiros menores seja eficaz: a homologação pelo
Ministério Público. Este dispositivo reforça a garantia de que os direitos dos
herdeiros incapazes sejam respeitados e protegidos no âmbito do inventário
extrajudicial. Abaixo, o artigo é transcrito, com destaque ao §3º, que aborda
de forma direta a intervenção ministerial:
Art. 12-A. No inventário e na partilha
extrajudiciais promovidos em cartório e com a participação de menores ou
incapazes, a eficácia da escritura dependerá da manifestação favorável do
Ministério Público, conforme disposto na legislação civil e notarial
vigente.
§1º Nos casos em que houver incapazes, os bens e
direitos dos herdeiros menores devem ser preservados em frações ideais,
respeitando-se a indivisibilidade e o valor dos bens comuns.
§2º Havendo disposição testamentária ou
nascituro do autor da herança, a lavratura da escritura extrajudicial deverá
aguardar a confirmação judicial, nos termos do CC.
§3º A eficácia da escritura pública do
inventário com interessado menor ou incapaz dependerá da manifestação favorável
do Ministério Público, devendo o tabelião de notas encaminhar o expediente ao
respectivo representante. Em caso de impugnação pelo Ministério Público ou
terceiro interessado, o procedimento deverá ser submetido à apreciação do juízo
competente.
No contexto do presente inventário, a eficácia do
negócio jurídico descrito na escritura é subordinada à participação e à
anuência do Ministério Público. Segundo o professor Antonio Junqueira de
Azevedo, ao discutir a eficácia de atos jurídicos, não nos referimos a uma
eficácia prática imediata, mas sim à eficácia jurídica, com ênfase na sua
eficácia própria ou típica: a dos direitos expressamente manifestados como
desejados pelas partes. A doutrina usualmente trata a eficácia no âmbito dos
elementos acidentais do negócio jurídico, que incluem o termo, a condição e o
modo ou encargo8.
A condição, neste caso, exerce um papel de destaque,
pois influencia diretamente a eficácia do negócio jurídico, e sua implementação
está vinculada à divisão equânime e à ausência de prejuízos aos herdeiros
menores. Trata-se de uma condição suspensiva, isto é, uma condição que,
enquanto não cumprida, impede que o negócio jurídico produza efeitos no mundo
exterior. Somente com a manifestação favorável do Ministério Público, que
atesta a regularidade e a justiça do ato, os direitos dos menores são integralmente
protegidos, e o inventário adquire eficácia plena e vinculante.
Pontes de Miranda9, ao explorar o conceito de
eficácia suspensiva, esclarece que negócios jurídicos pendentes de eficácia
operam como causas temporárias de ineficácia: embora válidos entre as partes,
eles permanecem inoperantes até o cumprimento da condição estipulada. Essa
observação é aplicável ao inventário extrajudicial, em que o registro
imobiliário só poderá ocorrer após a manifestação ministerial. Assim, no caso
descrito, o Ministério Público se manifestou favoravelmente ao plano de
partilha apresentado, considerando salvaguardados os interesses dos herdeiros
menores, permitindo que a escritura seguisse para registro, validando o ato no
plano jurídico e externo.
Eventual
extinção do condomínio e consequências jurídicas
A atribuição de frações ideais aos herdeiros menores
implica a constituição de um condomínio, pois cada herdeiro possui uma parte
indivisa do bem. A extinção desse condomínio pode ser realizada mediante acordo
entre os herdeiros ou por ação judicial, caso seja necessário dissolver a
co-propriedade. A eventual alienação ou divisão do imóvel dependerá da anuência
de todos os co-proprietários, ou, no caso de herdeiros ainda menores, de
autorização judicial específica10.
Essa possibilidade de extinção do condomínio é uma
consequência natural do regime de frações ideais, sendo uma forma de viabilizar
a individualização da propriedade caso surjam interesses divergentes entre os
herdeiros. Tal procedimento, no entanto, deve sempre considerar a proteção dos
interesses dos menores, como disposto na doutrina de Venosa sobre a tutela dos
direitos de herdeiros vulneráveis11.
Considerações
sobre o Impacto da resolução CNJ 571/24
O presente caso exemplifica o potencial de aplicação
da resolução CNJ 571/24, que permite uma administração patrimonial menos
burocrática, alinhada às necessidades de uma justiça célere e eficiente. A
possibilidade de extinção do condomínio após a distribuição em frações ideais
garante a flexibilidade na gestão do patrimônio, possibilitando que os
herdeiros possam, no futuro, realizar a divisão física ou a alienação dos bens,
se assim desejarem e com as devidas salvaguardas legais12.
Conclusão
A execução deste inventário extrajudicial junto ao
1º Tabelião de Notas de Santo André representa uma aplicação prática e eficaz
da resolução CNJ 571/24, proporcionando uma alternativa ao processo judicial,
com a devida proteção dos direitos dos herdeiros menores. A manutenção em
condomínio e a possibilidade de extinção deste, conforme os interesses dos
herdeiros, contribuem para a valorização e a preservação do patrimônio
hereditário, além de promover uma administração patrimonial alinhada aos
princípios da proteção integral e da função social da propriedade.
Fonte: Migalhas