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ISSQN - Oficial de Registro Civil e Tabeliã de Notas de Ermelino Matarazzo, obtém decisão favorável

Proc. 583.53.2006.121900-2 - 1ª Vara da Fazenda Pública

Vistos. MARIA BEATRIZ LIMA FURLAN, na forma em que é representado, ajuizou a presente AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face de ato da PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, igualmente representada, alegando, em apertada síntese, que é Oficiala de Registros Públicos e Tabeliã de Notas e que as atividades exercidas pela unidade são de caráter privado, por delegação do Poder Público, até porque trata-se de serviço público de titularidade do Estado de modo que não está sujeito a incidência do ISS.

Pretende, pois, seja afastada a pretensão da Autoridade Coatora, isto é, o ISS incidente sobre os serviços notariais e registrais, previstos no item 21.01 da lista da Lei Complementar 13.701/03, desde o início desta última até 31.7.2006, data do cancelamento da inscrição no CCM com base no CNPJ, nos moldes da LC 116/03, Lei Municipal 13.701/03, Decreto 47.350/06 e Portaria nº 72. À causa atribuiu o valor de R$1.000,00 e encartou documentos na inicial.

A tutela foi antecipada a fls. 54. Regularmente citada, a requerida contestou a Autoridade Co-autora prestou informações a fls. 98 e seguintes. Argüiu preliminar e, no mérito defendeu a legalidade do procedimento atacado, requerendo a improcedência da ação.

Relatei.

DECIDO.

1- A preliminar improcede até porque insurge-se contra a tutela antecipada que será, como se verá, confirmada pela presente.

2- No mérito, a ação merece procedência. De fato, como constitucionalmente previsto, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, de sorte que, por tal princípio, percebe-se que a natureza jurídica dos serviços prestados são de natureza pública, em que pese o excepcional exercício em caráter privado. Todavia, continua adstrito ao regime jurídico de direito público.

Em verdade, no dizer de MARIA HELENA DINIZ, “serventuário é um servidor público, que exerce uma função pública sui generis, exercida no interesse da sociedade. De modo que, se o Cartório não prestar a contento o serviço, o Poder Público poderá delegá-lo a outrem” (Sistemas de Registros de Imóveis, Saraiva, 1992).

É de WALTER CENEVIVA o ensinamento que “serventuário do chamado foro extrajudicial é servidor público, sem mais autonomia administrativa que um chefe de repartição, do qual se distingue por não ser remunerado diretamente pelo Estado, mas pelos interessados no registro, segundo critérios que o Estado impõe, delimita, sistematiza e sujeita a fiscalização, disciplina e punição” (Lei dos Registros Públicos Comentada, pág. 51, Saraiva, 1988).

Acrescente-se o pensamento de CELSO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS: “Matéria que permanentemente vem à baila diz respeito aos servidores notariais. No Brasil, o regime jurídico é de direito público, embora exercido em caráter privado, o que traz problemas de permanente tensão entre a regulação geral de direito administrativo e a atuação privada permitida pelo sistema constitucional” (Comentários à Constituição do Brasil, vol. 9º, notas ao art. 236).

Portanto, se assim é, era defeso à municipalidade instituir a exação de ISS sobre serviços de registros públicos, ainda que em atenção à Lei Complementar 116/03, por afronta ao art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, in verbis: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... VI- instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”.

3- Como se não bastasse, bem é de ver que os emolumentos são espécie tributária de taxa, pois remuneram serviços públicos estaduais, específicos e divisíveis, postos à disposição pelo Estado, conceito compartilhado por Hugo de Brito Machado (Curso de Direito Tributário) e Paulo de Barros Carvalho (Curso de Direito Tributário). O Tribunal de Justiça de São Paulo já teve oportunidade de enfrentar a questão, nestes termos: “Assim, não obstante as atividades notariais e de registro sejam exercidas em caráter privado, submetem-se a estrito regime de direito público. Há entendimento assentado no Supremo Tribunal Federal segundo o qual os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico constitucional pertinente a essa modalidade específica de tributo” (ADIN 948/GO, Relator Ministro Francisco Rezek, RTJ 172/178; ADIN 2.059/PR, Relator Ministro Nelson Jobim, DJ 21.09.2001; ADIN 1.709/MT, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ 21.03.20000).

Esse entendimento está em perfeita consonância com o pensamento doutrinário, de que os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são específicos e divisíveis e podem ter sua utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada.

É o entendimento de Sacha Calmon Navarro Coelho, in Comentários à Constituição de 1988, Sistema Tributário, Forense, Rio de Janeiro, 2ª ed., 1990, p. 65, verbis: as custas e os emolumentos são taxas, pela prestação dos serviços públicos ora ligados à certificação dos atos e negócios ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve de suporte à prestação jurisdicional. Pois bem. Se assim é, resta cristalino que os itens 21 e 21.1 da Lei Complementar nº 116/03, de 31 de julho de 2003, que estipula serem tributáveis, por meio de ISS, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, são inconstitucionais. Assim, a pretensão de incidência de ISS sobre serviços já tributados por meio de taxa constitui inegável bis in idem tributário” (Ap. Cív. 1.526.319-8, rel. Des. Marcondes Machado, j. 14/12/05).

4- A pretensão tributária da Municipalidade ofende os princípios da imunidade tributária e o da não bitributação, definição mais adequada à espécie no dizer de José Eduardo Soares de Melo: "consiste na dupla exigência de tributos, de modo ilegítimo, por parte de duas (ou mais) pessoas de Direito Público" ("Curso de Direito Tributário", pág. 143, Dialética, 2005). Existe ação direita de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal, n 3.089, rel. Min. Carlos de Britto, em que se pleiteia justamente a declaração de inconstitucionalidade dos referidos itens acima citados. Apesar de ainda não ter sido julgada, mostra-se interessante a transcrição de parte do parecer do Procurador Geral da República: "Esse Excelso Pretório já possui jurisprudência assentada no sentido de que os serviços de registros públicos e notariais são serviços públicos, e sujeitam-se a estrito regime de direito público. Assim, ficou consignado no voto do Ministro Celso de Mello, relator, na ADIN nº 1.378-5/ES, DJ 30.05.97: ... Vale refletir que não infirma essa conclusão a existência de cartórios não oficializados, pois esses desempenham função pública, sendo públicos os serviços por eles prestados. De resto, a circunstância de estes serviços serem prestados por pessoas outras que não o Estado não desnatura como públicos, sendo a relação jurídica que se estabelece entre aqueles e os usuários de direito público, como bem demonstrou Rento Alessi. Verifica-se, destarte, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal prestigia a doutrina nacional e estrangeira citada, concluindo que a remuneração percebida em razão do desempenho de serviço eminentemente público é taxa e não preço público. Assim, se os serviços notariais e registrais caracterizam-se como serviços públicos, delegados pelo Estado-Membro, não poderão os Municípios cobrar imposto sobre esses serviços, sob pena de ser violado o princípio constitucional da imunidade recíproca (art. 150, VI, a, da CF)".

5- O Tribunal de Justiça de São Paulo também já enfrentou a lide: "ISS - Liminar deferida para suspender a exigibilidade da cobrança do referido imposto de titulares de Cartórios Extrajudiciais mesmo considerando o disposto nos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 Possibilidade tendo em vista que os atos praticados não tipificam serviços prestados sob regime de Direito Privado Decisão reformada - Recurso provido" (agr. de instr. nº 480.737.5/3-00, rel. Des. Osvaldo Capraro). "Ação ordinária - ISS - Município de São Caetano do Sul - Serviços registrais e notariais - Não incidência - Precedentes do STF - Cobrança de ISS, nesta hipótese que afronta, em princípio, o art. 150, VI, a, da Constituição da República - Procedência da ação mantida - Recursos improvidos" (apel. cív. nº 486.527-5/9-00, rel. Des. Rodrigues de Aguiar). E ainda, deste último relator, a apel. cív. nº 543.344-5/8-00. O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o pedido de suspensão de segurança no 2.443/MT, rel. Min. Nelson Jobim, perfilhou idêntico entendimento ao indeferi-lo, mantendo decisão favorável à Associação dos Notários e Registradores do Estado de Mato Grosso. Por último, o extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo teve oportunidade de abordar o tema e diversa não foi sua posição (agr. de instr. nº 1.273.348-3, rel. Juiz Amado de Faria, j. 22.04.2004), como igualmente o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no sentido que “as atividades exercidas pelos oficiais de notas e de registro, devido à sua natureza de serviços públicos, não estão sujeitas à tributação; portanto, não podem ser incluídas na lista definidora de “serviços de qualquer natureza” de competência tributária dos municípios” (Reexame Necessário 1.0002.04.013805-5/001, j. 7.4.2005, rel. Des. Kildare Carvalho). Diante do exposto, ficou evidente a impossibilidade da cobrança, razão pela qual a reparação da ilegalidade impõe-se.

6- Posto isto e considerando o mais constante, JULGO PROCEDENTE a presente ação aforada por MARIA BEATRIZ LIMA FURLAN em face da PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO para o fim de, extinguindo o processo nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, confirmar a antecipação de tutela concedida e declarar a inconstitucionalidade do item 21.01 da lista de serviços da Lei Municipal nº 13.701/03 no que pertine a cobrança do ISS sobre os serviços prestados pelo cartório representado pela autora. Arcará a vencida com as custas do processo e verba honorária que fixo em R$1.000,00. P.R.I.C.

São Paulo, 17 de Janeiro de 2007.

RONALDO FRIGINI - JUIZ DE DIREITO


Fonte: DOE / Site da Arpen-SP