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Cartórios X Burocracia

Roberto Andrade*
Os notários e registradores do Brasil têm-se esforçado para fazer ver ao país que queremos ser parceiros ou mesmo propulsores de um novo tempo na economia, na política, na gestão pública e na cidadania para todos os brasileiros.
No entanto, com frequência, ainda somos alvos dos mais ultrajantes ataques. Contra o nosso esforço, lamentavelmente, aparecem os grandes"sábios" e "especialistas" que apontam seus dedos para nós com o objetivo de nos apresentar como modelo de serviço arcaico e a fonte de toda e qualquer indesejável burocracia.
Elegeram, agora, o reconhecimento de firma como símbolo da burocracia no Brasil, como um entrave ao desenvolvimento do país e exemplo de atividade ultrapassada que deveria ser extinta, suprimida. Como sempre, não discutem a questão com o devido zelo e a profundidade que o tema merece.
O reconhecimento de firma é a confirmação feita por um notário, um delegatário do Estado, de que aquela assinatura ali posta é realmente da pessoa que se apresenta, dando ao usuário do serviço plena certeza de que não está sendo vítima de um golpe, de uma falsificação. Portanto, é um ato ao mesmo tempo dos mais simples e dos mais complexos na missão de fornecer às partes a necessária segurança jurídica.
Falar em acabar com este mecanismo que, a propósito, existe em todo o mundo, é uma total falta de conhecimento do tema, de atenção para com a população que busca resguardar de forma precisa o seu patrimônio e o seu nome. Tenho a certeza de que, com o fim deste tipo de serviço, as mais prejudicadas seriam justamente aquelas pessoas mais simples, que possuem poucos bens, mas preciosos para elas, e que não teriam condições de arcar com caros e longos processos judiciais para fazer valer direitos que foram lesados e violados.
O reconhecimento de firma na compra e venda de veículos dá um bom exemplo de como o serviço é importante para desafogar e dar maior agilidade às rotinas dos departamentos de trânsito de todo o país. Na venda de veículos, é por meio do reconhecimento de firma que o comprador tem a garantia de que quem está vendendo o automóvel é realmente o proprietário, e por esta garantia se paga, por exemplo, em Minas Gerais, a quantia de R$ 3,94. Este é o seguro contra fraude mais barato do mundo. Vale ressaltar que em caso de um documento ter tido sua firma reconhecida de maneira indevida, quem responde pelos danos causados ao cidadão é o tabelião que prestou o serviço.
Reafirmo o fato de que os cartórios formam, na verdade, uma poderosa ferramenta de combate à burocracia, de desjudicialização, que nada mais é do que desafogar o Judiciário, aliviando-o de atuar como mediador em questões em que não estão presentes os litígios e impera a vontade das partes de resolver pela conciliação e pelo entendimento as mais diversas questões de natureza econômica e mesmo social.
Nos últimos anos tivemos avanços importantes na busca pela desjudicialização do país em pontos que já mostram a nossa capacidade de participar de projetos transformadores. Aponto como exemplo vitorioso e consagrado o novo sistema de retificação de áreas, realizado diretamente pelos cartórios de registro de imóveis.
Agora, quando há erro de medições de áreas (lotes, fazendas, etc), o cidadão, com a concordância dos vizinhos, pode ir diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis e regularizar as medições de sua propriedade. Não existindo litígios, a retificação é feita no máximo em trinta dias. Antes, esse processo teria que ser feito por uma ação judicial, que levaria meses e até mesmo anos de tramitação processual, com o envolvimento do Ministério Público, contratação de advogados, perícias, mesmo com todos os vizinhos concordando com a retificação. Essa demora, graças à atuação dos cartórios brasileiros, acabou, não existe mais.
As separações e inventários realizados administrativamente junto aos cartórios de notas, sem passar pelo Judiciário, é outro excelente exemplo de como podemos atuar para dar solução rápida e segura a questões de grande interesse da população. Hoje, um casal que não tem filhos menores e quer fazer a dissolução do casamento, de forma amigável e consensual, pode ir direto ao cartório e manifestar sua vontade, ocorrendo o mesmo no caso de inventários. O resultado prático é a rapidez, a necessária segurança jurídica e um alívio das varas de Família e Sucessões que podem se dedicar àqueles processos em que há litígios. A idéia é tão boa e funciona tão bem no Brasil que serviu de exemplo para outros países, como a França, que já conta com lei semelhante.
E tem mais. Encontra-se em implantação um sistema que permite ao proprietário de um veículo fazer a comunicação da venda pelo cartório de notas, imediatamente após a concretização do negócio, simultaneamente ao reconhecimento de firma no documento de transferência. Essa comunicação da venda livra o vendedor, no mesmo momento que ele faz o reconhecimento da firma, de qualquer encargo ou responsabilidade futura, caso o comprador deixe de formalizar a transferência junto à autoridade de trânsito.
Este simples procedimento vai evitar que multas e impostos sejam cobrados de antigos donos de veículos e que até mesmo sejam responsabilizados por danos causados a terceiros. Enfim, uma proposta simples, porém de grande alcance e que naturalmente irá diminuir e muito as demandas no Judiciário.
Outro exemplo de facilitação da vida do cidadão é a substituição do sistema de hipoteca como garantia em compra de imóveis pela alienação fiduciária que, entre outras inovações transferiu para os cartórios de registro de imóveis a responsabilidade de cobrar e até mesmo de receber do devedor inadimplente os pagamentos em atraso. Esta inovação é mais um sucesso do Programa de ampliação dos serviços notariais e de registro e, sem dúvida, foi um dos principais fatores do verdadeiro boom na construção civil brasileira nos últimos três anos.
Ao simplificarmos o processo de recuperação dos ativos, os bancos financiadores do sistema da habitação foram estimulados a ampliar suas carteiras de investimentos e todos os setores da cadeia produtiva da construção civil do país saíram ganhando, inclusive com expressiva geração de empregos e renda.
Todavia, queremos avançar em outros segmentos, como, por exemplo, na reestruturação do sistema de posse por usucapião e na simplificação do processo de casamento. Esse mesmo casamento que hoje pode ser dissolvido no cartório de notas e de registro civil, em questão de minutos, para ser realizado é necessário que se abra um processo e que ele seja submetido à análise do Ministério Público e, depois, homologado pelo Juiz de Direito. Estamos trabalhando para que este procedimento seja simplificado e realizado apenas nos próprios cartórios de registro civil, tornando-se mais simples e mais rápido, desonerando o Estado e desafogando o Judiciário.
Como se pode ver, os cartórios trabalham para ser parceiros do desenvolvimento no Brasil. Não nos interessa e não queremos um país cuja estrutura econômica e jurídica seja arcaica, viciada e ineficiente. Queremos estar na linha de frente, na vanguarda, na luta pela construção de um país mais justo para todos.
Walter Ceneviva, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, do dia 21/02/2008, com o titulo Em busca da eficiência judiciária, entre outras sugestões, disse que devemos ter como meta “facilitar as soluções fora do Judiciário, sem sacrifício para os mais pobres”. E esse tem sido o nosso propósito, sempre!
Não existem instituições ou entidades que possuam a capilaridade que têm os cartórios no Brasil. Nós temos todas as condições de levar aos pontos mais distantes do país serviços e ações que podem mudar profundamente a vida das pessoas. E para que isso ocorra queremos debates sérios e construtivos, sem meias-verdades ou preconceitos.
*Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais - Serjus/Anoreg-MG - e Titular do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Viçosa (MG)