Vistos etc.
Trata-se de pedido liminar em Mandado de Segurança preventivo em que HERMANO ASSIS DO AMARAL, Tabelião de Protestos e Registrador Titular do Cartório dos Registros Públicos da Comarca de Caçapava dos Sul impetrou em face do SECRETÁRIO DA FAZENDA MUNICIPAL DE CAÇAPAVA DO SUL.O impetrante requer em sede liminar a suspensão da exigibilidade do crédito tributário na forma de apuração pretendida, impedindo com isso sua inscrição em dívida ativa, possibilitando enquanto tramita o presente feito a obtenção de certidão negativa ou na forma do artigo 206 do CTN, certidão positiva com efeito de negativa.
Assevera, em síntese, que deve incidir para a base de cálculo do ISSQN a regra da tributação privilegiada contida no artigo 9°, § 1º, do Decreto Lei n° 406/68, embora a Lei Complementar n° 116/03 tenha disposto inteiramente sobre o referido tributo, em razão da natureza dos serviços prestados pelos Notários e Registradores, que se dá sob a forma de trabalho pessoal pelo próprio contribuinte. Alega ser possível que o ISSQN seja calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis em função da natureza do serviço, ou outros fatores pertinentes, nestes não compreendido o valor pago a título de remuneração pelo próprio trabalho.
Salienta que a Fazenda Pública através de seu Secretário esta na iminência de proceder ao lançamento tributário do referido tributo, utilizando como base de cálculo a renda bruta da Serventia, sobre a qual incidirá a alíquota de 3,5 %, na forma do artigo 7º, A, inciso V, da Lei Municipal nº 1.600/03. Diferentemente, entende que deveria aplicar-se o contido no §3°, do artigo 6°, da Lei Municipal citada, que possibilita a cobrança desse tributo com base em valores fixos, quando se tratar de serviço prestado sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte.
É o breve relato.
DECIDO.
A Lei n° 1.533/51, em seu artigo 1°, caput, estabelece:
Art. 1° Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Consoante lição do mestre Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança, Ed. Malheiros, 14ª ed., p. 25):
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios jurídicos.
Destarte, para fazer uso da via do mandado de segurança, há necessidade de o direito invocado revestir-se das características de liquidez e certeza, ou seja, deve estar comprovado de plano, quando do ajuizamento da ação.
Analisando o caso em concreto, bem como a legislação aplicável ao caso, precedentes jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e a ADI n° 3089, a qual foi julgada improcedente, sendo reconhecida a constitucionalidade da cobrança do ISSQN sobre os serviços Notários e Registradores, tenho que se faz necessário fazer algumas considerações.
Primeiramente, saliento que o artigo 156, inciso III, da Constituição Federal fixou a competência municipal para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, vejamos:
Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III ¿ serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Segundo dispõe o artigo 146, inciso III, alínea ¿a¿, da Carta Magna:
Cabe à lei complementar:
(...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
Já o artigo 1º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, dispõe sobre o fato gerador do ISSQN, constante da Lista de Serviços anexa:O item 21.01 da referida lista enumera:
Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
(...) A sujeição desses serviços ao imposto passa pela identificação da sua natureza jurídica.
E, segundo dispõe o art. 236 da Constituição Federal:
Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
A qualificação dos emolumentos devidos pelos serviços notariais e registrais como taxas, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI nº 2653-MT), não descaracteriza a natureza jurídica de direito privado do serviço, porquanto presente a natureza econômica com fim lucrativo da atividade prestada por particular, mediante delegação.
A respeito do assunto Hugo de Brito Machado:1
(...)Havendo cobrança de contraprestação, de preços ou de tarifas, não há imunidade, seja qual for a natureza da atividade desenvolvida pela entidade estatal (...).
Logo, os serviços notariais e registrais não se beneficiam da imunidade recíproca consagrada no art. 150, inc. VI, alínea a¿, da Constituição Federal2.
Não se pode deixar de considerar que a Lei Complementar 116/2003 tratou da regra geral que define o valor do ISS a partir do preço do serviço, não estabelecendo qualquer disciplinamento em relação às exceções, entre as quais estão incluídos aqueles que prestam serviços forma pessoal, assumindo responsabilidade pela atividade fim.
A partir da norma acima, percebe-se que a atividade notarial e de registro é delegada, de forma permanente e em caráter pessoal, podendo somente recair sobre pessoa natural, habilitada em concurso público de provas e títulos, não sendo outorgada a empresas. Além disso, aparece a responsabilidade objetiva dos notários e registradores, pessoas físicas responsáveis pela prestação de serviços públicos auxiliares do Poder Judiciário, sendo por este fiscalizados.
Finalmente, saliento que o § 1° do artigo 9° do Decreto-Lei n° 406 de 1968 invocado pelo impetrante diz que:
Artigo 9º: A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
O dispositivo legal acima transcrito traz verdadeira exceção a regra geral, que define a base de cálculo do ISS como sendo o preço do serviço. Assim, quando a prestação dos serviços for realizada de forma pessoal, pelo próprio contribuinte, que assume a responsabilidade pessoal pela atividade fim, o valor do imposto (ISS) é fixo, não sendo possível utilizar o preço do serviço como base de calculo. Estão submetidos ao regime de recolhimento do imposto sobre valor fixo os profissionais liberais (advogados, médicos etc), autônomos, entre outros.
A Legislação Municipal, dispõe que:
Artigo 6° - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
(...)§ 3° - Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o ISS será calculado por meio de alíquota fixa, em função da natureza do serviço na forma do artigo 7°, letra B.
Artigo 7° - As alíquotas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes:
A) Pela Receita Variável (Bruta):
(...)
B) Profissionais Autônomos, Por Cota Fixa (ano ou fração):
I ¿ Profissionais Liberais com curso superior, ou legalmente equiparados, e Agenciadores de gado, R$ 130,00;
II ¿ Profissionais Liberais com curso Técnico de nível médio, ou legalmente equiparados, R$ 65,00;
III ¿ Demais profissionais autônomos, R$ 32,50.
Dessa forma, tenho que a alíquota referente ao tributo ISSQN deve ser fixa, eis que o trabalho desenvolvido pelo impetrante se dá de forma pessoal, ainda que mantenha auxiliares, sendo sua atividade similar à desempenhada por advogados, médicos e contadores que atuam em sociedade, ou seja, gerenciando pessoas e administrando recursos.
Assim, DEFIRO o pedido liminar para o fim de:
a) suspender a cobrança de ISSQN com incidência em 3,5 % sobre a receita bruta do impetrante;
b) suspender a exigibilidade do crédito tributário e impedindo sua inscrição em dívida ativa enquanto o trâmite do presente feito, bem como a possibilidade de obtenção de certidão negativa ou na forma do artigo 206 do CTN, certidão positiva com efeito de negativa.
Notifique-se para prestação de informações, no prazo de 10 dias.
Com a resposta, dê-se vista ao MP.
Após, venham conclusos para sentença.
D.L.
Caçapava do Sul, 08 de abril de 2009.
MICHEL MARTINS ARJONA,
Juiz de Direito.
Fonte: TJ-RS
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