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Sentença sobre ISS na Comarca de Cerro Largo

AÇÃO: Mandado de Segurança
PARTE AUTORA: Bruno Bayer Jaeger
PARTE RÉ: Prefeito Municipal de Cerro Largo e Secretário da Fazenda do Município de Cerro Largo
JUÍZA PROLATORA: Rosmeri Oesterreich Krüger
Vara Judicial – Comarca de Cerro Largo
SENTENÇA
I – Relatório.
Bruno Bayer Jaeger, qualificado na inicial, impetrou o presente Mandado de Segurança com pedido liminar em face do Prefeito Municipal de Cerro Largo e do Secretário da Fazenda do Município de Cerro Largo, todos qualificados na inicial. Sustentou, em síntese, que a tributação do ISSQN do profissional pessoa física deve ser realizado por valor fixo, por profissional, calculado segundo os parâmetros do § 1º, do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68, cuja redação foi mantida com a entrada em vigor da LC 116/03, e não mediante base de cálculo formatada pelo faturamento do profissional. Em sede de liminar, postulou provimento judicial que lhe autorizasse a efetuar o depósito do montante integral do ISSQN, calculado sobre o faturamento, sem intenção de pagamento, na forma do artigo 151, inciso II do CTN e, efetivado o depósito, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário relativamente aos fatos geradores futuros e, ainda, provimento que determinasse às autoridades apontadas como coatoras que se abstivessem de permitir ao impetrante o direito de obter certidões negativas de débito ou positiva com efeito de negativa, bem como de inscrever o impetrante em dívida ativa. Requereu, ao final, a concessão da segurança. Com a inicial juntou procuração e documentos (fls. 24/31).
Determinada a emenda da inicial, o que foi atendido às fls. 57/73.
Deferida a liminar (fls. 80/84).
A decisão liminar foi suspensa por decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, nos autos do Processo n. 70029243045 (fls. 88/96).
Notificadas (fl. 87), apenas o Prefeito Municipal de Cerro Largo prestou informações (fls. 98/106). Em preliminar, salientou que a decisão liminar foi suspensa pelo Presidente do Tribunal de Justiça, o que deve ser cumprido pelo Juízo. Ainda, alegou carência de ação, por ausência de direito líquido e certo. No mérito, sustentou que não há dúvida quanto à incidência do tributo em análise (ISSQN). Disse que o cálculo do ISS com base no preço do serviço é a regra geral que prevê apenas duas exceções de tributação fixa, conforme artigo 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-lei 406/1968. Aduziu que o STF já afirmou a legalidade da cobrança do ISS dos notários e tabeliães. Disse que o Município, ao cadastrar o impetrante como contribuinte do ISS, observou a definição legal prevista na lista anexa da Lei Complementar que autoriza a imposição do ISS aos serviços notariais. Por fim, ressaltou que o Município observou a finalidade econômica da atividade notarial. Acostou procuração (fl. 107).
O Ministério Público ofertou parecer pela concessão da ordem (fls. 109/116).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relatório. Decido.
II – Fundamentação.
Preliminarmente.
Da carência de ação.
Tal prefacial confunde-se com o próprio mérito, e como tal será analisada.
No mérito.
Conforme já me manifestei por ocasião da análise do pedido liminar, merece prosperar este mandamus.
A fim de evitar tautologia, adoto como razões de decidir a fundamentação já esposada às fls. 80/84, que passo a transcrever:
“(...) O ISS está disciplinado no art. 156, inciso III, da Constituição Federal, com a alteração da Emenda Constitucional n. 03/93, in verbis:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
[...]
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Conforme o art. 236 da Constituição, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público".
Por sua vez, o art. 3º da Lei n. 8.935/94 disciplinou que:
Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
O art. 156, inciso III, da Constituição Federal confere aos Municípios a competência para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. Esta lei corresponde à Lei Complementar n. 116/03, editada de conformidade com o art. 146, inciso III, da Lei Maior.
Destaco que a natureza econômica e lucrativa da atividade em questão afasta a aplicação da imunidade recíproca inscrita no art. 150, inc. VI, alínea a, da Constituição Federal.
Alega a parte impetrante que a base de cálculo não pode ser a especificada, mas sim, a resultante da aplicação do Decreto-Lei n. 406/68, art. 9º, § 1º.
Disciplinava o art. 9º, caput: “A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.” Repetiu-se tal preceito no art. 7º da Lei Complementar n° 116/03.
A Lei Complementar n. 116/03, em seu art. 10, estabeleceu:
Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.
O art. 9º não foi revogado pela Lei Complementar n. 116/03, e dispunha:
Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
[...]
§ 3º. Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da Lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada ao parágrafo pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987, DOU 16.12.1987)
O art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no § 5º, previu: “Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3º e 4º”.
Vale lembrar, a propósito, a súmula n. 663 do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição”.
A disciplina da Lei Complementar não pode ser modificada pelo ente tributante. Reconhece-se, assim, a relevância da argumentação posta na inicial deste mandamus, pois o tributo está recaindo sobre a receita bruta, mesma base de cálculo do Imposto de Renda.
O ISS deve ser calculado pela aplicação de uma alíquota sobre valores fixos, estabelecidos em função da natureza do serviço ou de outros elementos adequados. A tributação sobre o valor dos serviços implicaria bitributação, considerada a base de cálculo do Imposto de Renda.
Ademais, o ISSQN, cediço, não incide sobre lucro, o que também é deixado ao Imposto de Renda. Para o primeiro, mostra-se irrelevante a existência de lucro, importando, isto sim, que tenha havido prestação de serviços.
Não bastasse isso, a Lei Municipal n. 1.768/2003, é lei ordinária. Embora seja da competência municipal a instituição de impostos sobre serviços de qualquer natureza, na esteira do previsto no art. 156, inc. III, da Constituição Federal, esse mesmo dispositivo atribuiu exclusivamente à lei complementar a definição desses serviços.
Assim, a legislação municipal não pode extrapolar os limites fixados pela lei complementar de que trata o mesmo dispositivo constitucional que lhe atribui a competência tributária, aqui o Decreto-Lei n. 406/68.
Mas a legislação ordinária do Município de Cerro Largo o fez, conforme artigo 1º, §1º, item 21 e item 21.01 da Lei n. 1.768/2003.
No art. 6º, § 1º, constou:
Art. 6º A base de cálculo do ISS é o preço do serviço.
§1º. Quando se tratar de prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte,o ISS será calculado por meio de alíquota fixa, em função da natureza do serviço na forma da Tabela que constituiu o Anexo I, desta Lei.
No caso, a lei municipal, ao contrariar a lei (materialmente) complementar federal, contraria também a autoridade que lhe confere a Constituição da República. (...)”
Dá azo à tese aqui expendida, balizada jurisprudência de nosso Tribunal de Justiça:
DIREITO TRIBUTÁRIO. LC FEDERAL Nº 116/03. SERVIÇOS DE REGISTRADOR PÚBLICO (CARTORÁRIO, NOTARIAL, INCLUSIVE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES): POR SEREM PRESTADOS DE FORMA E RESPONSABILIDADE PESSOAL SUJEITAM-SE AO ISS MEDIANTE APLICAÇÃO DE ALÍQUOTA FIXA, EM VALOR ÚNICO E ANUAL, PORTANTO. 1. Manifestou-se recentemente o Egrégio Supremo Tribunal Federal no sentido de que a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre os serviços dos registradores públicos (cartorários, notariais, inclusive de veículos automotores) é constitucional, sem, contudo, definir o tipo de alíquota aplicável, se ¨fixa¨ ou se ¨variável¨ (¨ad valorem¨). 2. Por sua vez, estabelece o § 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, não revogado pela Lei Complementar nº 116/03, que, quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho ¨pessoal do próprio contribuinte¨ o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) será calculado mediante alíquota ¨fixa¨ (em valor anual, certo e definido, legalmente previsto), e não mediante alíquota ¨variável¨ ou ¨ad valorem¨ (consistente num percentual sobre o preço cobrado pelo serviço), aplicável unicamente aos serviços de natureza ¨impessoal¨ (empresarial). 3. Assim, encontrando-se os serviços de registros públicos (tanto cartorários e notariais como de veículos automotores) previstos no subitem 21.01 (¨serviços de registros públicos, cartorários e notariais¨) da Lista de Serviços anexa à LC federal nº 116/03 que, juntamente com o art. 9º do DL nº 406/68 disciplinam a matéria, e sendo tais serviços notoriamente prestados de forma e responsabilidade ¨pessoal¨ pelo próprio titular do serviço, e não sob a forma ¨impessoal¨ (ou empresarial), induvidosamente sujeitam-se eles ao ISS mediante alíquota ¨fixa¨ (em valor anual, certo e definido) e não calculado mediante alíquota ¨variável¨ (percentual aplicável sobre a receita bruta), como previsto no final do ¨caput¨ do art. 9º do citado DL nº 406/68. DECISÃO: Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Reexame Necessário Nº 70026974030, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 11/03/2009) grifei
Nessa esteira, a concessão da ordem é medida que se impõe com a ratificação da medida liminar deferida às fls. 80/84.
III – Dispositivo.
Ante o exposto, preliminarmente, relego para o mérito a apreciação da prefacial de carência de ação. No mérito, ratifico a medida liminar de fls. 80/84 e concedo a segurança pleiteada na inicial para reconhecer o direito do impetrante de recolher o ISSQN na forma fixa, pelo número de profissionais com habilitação, segundo o disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-lei n. 406/68, nos termos da motivação supra.
Incabíveis honorários advocatícios na espécie, consoante entendimento sumulado nos verbetes de n. 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Arcará a parte impetrada com o pagamento das custas processuais.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição a teor do disposto no artigo 12, parágrafo único da Lei 1.533/51. Oportunamente, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Oficie-se ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça comunicando esta decisão (processo n. 70029243045).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cerro Largo, em 04 de maio de 2009.
Rosmeri Oesterreich Krüger, Juíza de Direito.

Nota de responsabilidade
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