A Comissão de Meio Ambiente do
Senado aprovou o Projeto de Lei da Câmara 27/2018, que propõe regime jurídico
especial para animais não humanos. A ementa considera que eles possuem natureza
jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais
devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação. Desta forma, é
vedado o seu tratamento como coisa, passando a considerá-los seres sencientes,
passíveis de sofrimento. O texto será apreciado em Plenário.
“Com aprovação do referido projeto,
teremos a concretização dos direitos fundamentais, além do cumprimento parcial
da Declaração Universal dos Direitos Animais de 1978, que o Brasil é
signatário, havendo lei em sentido estrito para proteção e tutela, alterando
substancialmente nosso ordenamento jurídico”, afirma o notário Thomas Nosch
Gonçalves, membro do IBDFAM.
A proteção dos animais é um tema
que envolve grande comoção popular. Até o início da tarde de hoje, o PLC tinha
a aprovação de 1.604 internautas, ante a desaprovação de 290, no site do Senado
Federal. Por outro lado, ações legislativas que visam o bem-estar dos bichos
também geram controvérsias, já que, para alguns, os poderes devem se ocupar
unicamente dos Direitos Humanos.
“A causa dos direitos dos animais
não é antagônica à dos direitos dos humanos, geneticamente animais”, defende
Nosch. “Presumir e atribuir-lhes características inferiores e limitativas é
algo extremamente curioso e paradoxal quando analisamos nossas semelhanças com
alguns deles, principalmente ao sabermos que partilhamos mais de 98% do nosso
DNA com os chimpanzés ou, inclusive, o fato de ser possível a
xenotransplantação.”
Nosch lembra da previsão do
artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, na Constituição de 1988, um marco para o
reconhecimento do valor intrínseco a todos os animais. Alguns precedentes
oriundos do Supremo Tribunal Federal se fundamentaram no referido artigo a fim
de proibir a farra do boi, as rinhas de galo e, mais recentemente, a prática da
vaquejada. “A Constituição acabou permitindo uma interpretação que contemplasse
a dignidade animal e viabilizou a construção jurisprudencial do conceito de não
crueldade animal”, afirma.
Panorama internacional
Segundo Thomas Nosch, vários
países se preocupam com o tema e já o normatizaram, a exemplo de Áustria,
Alemanha, França, Portugal e Suíça. Ao diferenciá-los das coisas, o Código
Alemão (BGB), estabeleceu a proteção jurídica dos bichos, em detrimento de
interesses religiosos e científicos dos humanos. Já o Código Civil Português os
alçou para uma tutela especial (senciência), mas manteve a o conceito de
propriedade, diferentemente do nosso projeto, que veda o tratamento como coisa.
No Brasil, a jurisprudência e a
doutrina se dividem em três correntes. “A primeira se dedica a elevá-los ao
status de pessoa, haja vista que, no cerne da temática, todos nós somos
animais, devendo-se, assim, serem atribuídos direitos de personalidade para
eles”, explica Nosch.
A segunda corrente é aplicada
integralmente no presente Projeto de Lei. “Defende uma separação de conceitos,
com a intenção de diferenciar ‘pessoa’ de ‘sujeito de direitos’, possibilitando
a irradiação do ordenamento jurídico aos animais, sem atribuir-lhes
propriamente uma personalidade dita”, observa o notário. “A terceira corrente
defende que se mantenha a visão de hoje, ou seja, que sejam considerados
semoventes e classificados como ‘coisa’”.
Projeto enfrentará dificuldades práticas
Para ele, a efetividade do
projeto será complexa. Ainda que represente uma necessária reafirmação dos
direitos dos animais, Nosch desconfia da aplicabilidade do PLC. “Tanto para os
mais radicais, que acreditam na necessidade de proteção isonômica, tanto para
os antropocentristas médios quanto para os especistas, ficará uma margem
hermenêutica ao intérprete para solução do caso, que muitas vezes poderá
modular a efetividade dos direitos”, acredita.
Nosch destaca possíveis entraves.
“Um sujeito de direito, personificado ou não, pode estar no cardápio de um
restaurante? Sendo animais sujeitos de direito, qual será a proteção para abate?
Ou a sociedade passará a ser vegetariana em estalo de dedos? O cachorro, nosso
'pet', que é membro da família, é igual ao gado para abate? Animais selvagens;
de criação para produção alimentícia; de companhia; em cativeiro, usados em
pesquisa: como será a irradiação dessa importante e necessária
regulamentação?”, questiona.
O texto do Projeto de Lei da
Câmara 27/2018 também acrescenta dispositivos à Lei dos Crimes Ambientais (Lei
9.605, de 1998) e determina que os animais não sejam mais considerados bens
móveis para fins do Código Civil (Lei 10.406, de 2002).
Fonte: IBDFAM