Especialistas abordam principais mudanças trazidas pela lei 13.853/19,
publicada no último dia 9.
No último dia 9, foi publicada
a lei 13.853/19, que altera a lei 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais. A norma é originária da MP 869/18, publicada no fim do ano passado, que passou
por mudanças no Congresso e ao ter dispositivos vetados pelo presidente Jair
Bolsonaro.
A nova lei tem como ponto
principal a criação da ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão
que terá natureza jurídica transitória e fiscalizará o tratamento de dados
pessoais no país. No entanto, outros tópicos da norma são tema de discussão por
parte de especialistas no tema.
ANPD
Sobre a criação da ANPD, o
advogado e consultor Ricardo Maffeis, do escritório Opice Blum,
Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados, destaca a inclusão de
dispositivo que define como transitória a natureza jurídica do órgão, com a
possibilidade de que ele se transforme em uma autarquia.
"O texto original da MP 869
assegurava apenas sua autonomia técnica, ao passo que a redação final garante a
autonomia técnica e decisória, o que é sempre muito importante para que um
órgão ligado à Presidência não esteja tão sujeito a pressões políticas",
pontua.
O advogado afirma que a intenção
de prever uma natureza jurídica transitória à ANPD se dá, talvez, "para
aplacar as críticas à criação como órgão da administração direta ligado à
Presidência" e é uma possível resposta "às preocupações com
a independência do órgão" – importante para adequação do Brasil à
GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia), na medida em
que esta exige que as autoridades de controle de dados sejam independentes.
"Vale destacar que não há
nenhuma garantia de que a ANPD terá alterada sua natureza jurídica daqui a dois
anos, pois trata-se de mera possibilidade a ser decidida pelo (atual) Poder
Executivo", afirma Maffeis.
A advogada Stella He Jin Kim,
do núcleo de Direito Digital do escritório LTSA Advogados, ressalta que a
Autoridade por si só, já possui uma estrutura que lhe confere certo nível de
independência, posto que lhe é conferida a autonomia técnica e decisória, além
de possuir em sua composição conselho diretor, conselho nacional de proteção de
dados, corregedoria, ouvidoria, órgão de assessoramento jurídico próprio, e
unidades administrativas e unidades especializadas.
Tipos de dados
- Dado pessoal
Informação relacionada a pessoa
natural identificada ou identificável;
- Dado pessoal sensível
Dado pessoal sobre origem racial
ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a
organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à
saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma
pessoa natural;
- Dado anonimizado
Dado relativo a titular que não
possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e
disponíveis na ocasião de seu tratamento.
Funções
Quanto às funções do órgão, a
advogada afirma que, além de incumbida de fiscalizar, a Autoridade possui a
competência de editar normas, procedimentos e deliberar, na esfera
administrativa, sobre a interpretação da LGPD, suas competências e dos casos
omissos.
"Contudo, considerando o
fato de a Autoridade não possuir orçamento independente, e pelo fato de não ter
sido instituída por lei específica, não haveria a possibilidade de instituição
imediata da natureza jurídica autônoma ideal. Tal transitoriedade traz assim,
segurança jurídica para o texto da LGPD e suas implicações, possibilitando um
direcionamento adequado da sociedade para o devido cumprimento da LGPD."
Em relação à fiscalização, por
parte da ANPD, o advogado especialista em Direito Digital Luis Fernando
Prado, do escritório Daniel Advogados, entende que a Autoridade terá papel
fundamental na interpretação e na fiscalização do cumprimento da lei. No
entanto, ele lembra que os cidadãos dividirão essa função com o órgão.
"Para além da Autoridade,
teremos 209 milhões de potenciais fiscais da LGPD, vez que toda população
localizada em nosso país está tutelada por essa lei (e começando a ganhar
consciência sobre a nova regulamentação)."
Outras mudanças
O advogado especializado em
privacidade e proteção de dados Fábio Aspis, do escritórioDaniel Advogados,
destaca as mudanças concretizadas pela nova lei quanto aos dispositivos das
normas anteriores que afetam o setor de saúde. Segundo o advogado, a nova norma
permite que dados pessoais e dados pessoais sensíveis possam ser utilizados
para tutela da saúde, exclusivamente, em procedimentos realizados por
profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.
"Anteriormente, a lei não
previa a expressão 'serviços de saúde', razão que claramente ampliou e
flexibilizou as possibilidades de utilização de dados pessoais e dados pessoais
sensíveis."
Segundo o especialista, a norma
ainda alterou as possibilidades de compartilhamento com finalidade econômica de
dados pessoais sensíveis de saúde.
Revisão de dados
Conforme o advogado Ricardo
Maffeis outra mudança trazida pela lei 13.853/19 é em relação à previsão da LGPD segundo a qual o titular dos dados teria direito
de solicitar a revisão de decisões automatizadas, exigindo que ela fosse feita
por pessoa natural.
"As empresas poderão
determinar a revisão humana, mas não há mais a obrigatoriedade, de modo que a
revisão pode ser efetuada também de forma automatizada. A decisão também é
salutar, na medida em que, a depender do tamanho do banco de dados em questão,
a exigência de revisão por pessoa natural poderia tornar inviável o
trabalho."
Nesse ponto, Stella He Jin Kim
pontua que a exclusão de tal exigência "poderia, de certo modo
conceder mais transparência às relações sobre o tratamento de dados, o que
acabaria por tornar tal previsão importante, principalmente, para a garantia
plena dos direitos dos titulares dos dados".
No entanto, para ela, a exclusão
da exigência não necessariamente possuirá impacto significativo imediato, "principalmente
pela possibilidade de sua regulamentação futura em caso de configuração de
prejuízo a proteção dos dados pessoais pela própria ANPD".
Tratamento de dados
- Titular
Pessoa natural a quem se referem
os dados pessoais que são objeto de tratamento;
- Controlador
Pessoa natural ou jurídica, de
direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao
tratamento de dados pessoais;
- Operador
Pessoa natural ou jurídica, de
direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome
do controlador;
- Encarregado
Pessoa indicada pelo controlador
e operador para atuar como canal de comunicação entre o controlador, os
titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD);
(Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019)
- Agentes de tratamento
O controlador e o operador.
- Autoridade nacional
Órgão da administração pública
responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento desta Lei em todo
o território nacional. (Redação dada pela Lei nº 13.853, de 2019)
- Banco de dados
Conjunto estruturado de dados
pessoais, estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou
físico.
Impacto
A LGPD entra em vigor em agosto
de 2020. No entanto, os impactos já começam a ter reflexos agora, enquanto os
cidadãos e as empresas precisam se adequar a elas. "Neste sentido,
será interessante observar, nesse período de vacatio legis, qual será a
composição da ANPD, cuja atuação influenciará diretamente nos mais diversos
setores", diz o advogado Fábio Aspis.
Segundo o causídico, é "importante
destacar que enquanto não existe uma ANPD criada, são muito importantes os
movimentos de grupos de empresas no sentido de implementarem internamente a
nova legislação, bem como de criar guias, cartilhas e diretrizes para a
aplicação da LGPD".
A nova lei é comemorada por
Ricardo Maffeis, que afirma que, até o momento atual, não há uma preocupação
efetiva do Brasil – e dos brasileiros – com a privacidade e proteção de dados
pessoais.
"A LGPD tem potencial para
representar uma mudança tão relevante quanto foi o surgimento do Código
de Defesa do Consumidor nos anos 1990."
Fonte: Migalhas