A advogada Ingrid Êmili
Cavalcante de Alencar comenta, em artigo científico, a decisão do Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 878.694/MG, que equipara casamento e
união estável em termos de direito sucessório. Destaque na 33ª edição da Revista IBDFAM – Famílias e
Sucessões, o trabalho analisa o julgamento com base no artigo 226,
parágrafo 3º, da Constituição Federal, que versa sobre os princípios da
dignidade, igualdade, autonomia e liberdade.
O texto lembra que a Carta Magna
de 1988 reconhece e protege diversas entidades familiares, incluindo as
formadas por união estável, ao passo que o Código Civil de 2002 difere, em suas
regras, os casais que contraíram matrimônio daqueles que optaram por não
formalizar essa união.
A decisão do STF, segundo o
artigo de Ingrid Alencar, retira o direito de escolha dos particulares sobre
quais regras sucessórias recairão sobre suas famílias - decisão tomada em
acordo com suas expectativas e necessidades. Com a justificativa de proteger as
entidades familiares, sem discriminação, o Estado acaba por exercer intervenção
excessiva na vida dos cidadãos, cerceando sua liberdade ao obrigá-los a serem
regidos pelas regras do casamento.
Para Ingrid, a diferenciação
entre casamento e união estável não configura um mecanismo injusto em nosso
ordenamento jurídico. “Todos devem lidar com as consequências de suas ações -
ou da falta delas. Deve-se levar em conta, também, aqueles que preferem não
formalizar a união e aceitam as consequências jurídicas disso”, defende a
advogada.
“No âmbito sucessório, não se
pode pensar apenas naqueles que, por comodidade ou quaisquer outras questões,
não formalizaram a união, já que a celebração do casamento é gratuita para
aqueles que preenchem os requisitos legais e, diariamente, ocorrem mutirões
para celebração de matrimônios no País”, acrescenta Ingrid.
Segundo a advogada, tal
desequiparação não fere o entendimento da união estável como uma entidade
familiar. “Essa distinção é estabelecida no próprio texto Constitucional – no
qual se contemplam várias formas de família – que prega a facilitação da
conversão da união estável em casamento. Não há hierarquia entre eles, mas
regulamentações jurídicas diferentes”, explica.
Decisão exclui particularidades das instituições
O artigo lembra que a
Constituição de 1988 não visava igualar casamento e união estável, mas
respeitar as particularidades de cada instituição. Em sua decisão, o STF retira
da união estável seu caráter de alternativa ao casamento, enquanto
possibilidade de não se seguir limites e formalidades do matrimônio. Se
igualadas, as instituições passam a ser uma só, perdendo suas razões de
existir.
“Não cabe ao Poder Judiciário
suprimir a liberdade de escolha do casal e promover equiparações não escolhidas
por eles. Isso vai de encontro ao Princípio da Garantia da Liberdade no Âmbito
Familiar, que recebe proteção constitucional nos artigos 5º e 226, e prega que
é proibido a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na
comunhão de vida instituída pela família.”
Para Ingrid, uma das
consequências que a decisão pode acarretar é o desinteresse pelo casamento,
visto que as regras dessa instituição passam a ser impostas pelo Estado. “Não
há vantagem em passar por procedimento de habilitação e pela formalidade da celebração
para, ao final, ser regido pelas mesmas normas da união estável.”
Alterações no regime sucessório
Segundo a advogada, para
minimizar os efeitos da equiparação feita pelo STF, o casal pode se valer da
celebração de contrato de convivência e elaboração de testamento, o que o
possibilita – dentro dos limites legais – dispor sobre o patrimônio da forma
que melhor lhe convém.
Com as novas regras, o
companheiro passou a ter direito de herdar os bens particulares que tivessem
sido obtidos pelo falecido a título oneroso ou gratuito, o que não era
permitido pelo artigo 1.790 do Código Civil. Antes, o companheiro concorria
também com os colaterais até o quarto grau (além dos descendentes e
ascendentes), apenas herdando a totalidade da herança caso o falecido não
tivesse tais parentes. Atualmente, caso o falecido deixe apenas parentes
colaterais, o companheiro herda a totalidade da herança.
Para Ingrid, as leis sucessórias
devem operar com a finalidade de atender aos desejos do falecido. “O Estado não
pode impor que, após o falecimento do companheiro, o supérstite seja submetido
a regras diferentes daquelas escolhidas pelo casal. Isso ultrapassa os limites
da intervenção estatal e desrespeita os Princípios da Autonomia Privada e da
Garantia da Liberdade no Âmbito Familiar”, defende.
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Fonte: IBDFAM