Senhoras e Senhores.
Existir é conviver com a permanente
mudança. Muda a natureza, muda a nossa aparência, mudam os
comportamentos e as situações. Existir, no século XXI, é ver essas mudanças
ocorrerem de modo frenético e avassalador. É rápido e, muitas
vezes, não há alternativa, senão mudar.
Encontros são fundamentais para
o debate e a atualização sobre essas transformações. Embora tenhamos ágoras
virtuais como o whatsapp e os e-mails, nas quais discutimos todos os dias os
nossos temas de interesse, nada substitui a qualidade e
o calor do encontro pessoal. Este encontro é ainda mais importante neste
ano, já que o Vigésimo Quarto Congresso Notarial Brasileiro acontece no momento
em que o Colégio Notarial do Brasil celebra os seus 65 anos de
existência.
O CNB é fundador da União
Internacional do Notariado, ONG reconhecida pela ONU, e que congrega 88 países
do mundo que tem o sistema notarial igual ao nosso. Não somos uma herança
arcaica e inútil de Portugal. Integramos um sistema jurídico universal, que
protege 2/3 da população mundial, 5 bilhões de pessoas, e representa 60 por
cento do PIB global. 6 das 10 maiores economias do planeta praticam o notariado
exatamente como o temos no Brasil.
Aprender a conviver com as
mudanças; aprender a aceitar que o mundo se transformou; adaptar-se contínua
e celeremente. Esta é a sina de quem vive neste século. Vale para o notário e
para todas as profissões.
Como a Medicina, por exemplo, que cura
doenças e salva vidas. Hoje, os médicos enfrentam a concorrência do Doutor
Google, esta onipotente biblioteca virtual, para onde todos corremos quando
identificamos um sintoma. Eles também se deparam com o desafio de fazer
atendimentos e cirurgias à distância. Em breve, enfrentarão, como todos nós, a
inteligência artificial. Robôs mais assertivos do que o mais experiente dos
doutores.
Assim como os médicos e outros tantos
profissionais, nós também vivemos mudanças na atividade notarial. Em três
décadas, saímos da máquina de escrever para o computador e, mais recentemente,
entramos na era dos aplicativos, tablets e smartphones. Não é exagero dizer
que, hoje, a nossa maior ferramenta de trabalho cabe na palma da
nossa mão.
No século XXI, a tradição e os
costumes não garantem mais a continuidade de uma profissão. Pelo contrário. O
que assegura a sua longevidade é o quanto ela é capaz de se adaptar aos
novos tempos. Novas tecnologias, novas formas de se
comunicar, novos tipos de relacionamento com os públicos, novos códigos
sociais e culturais, novos padrões de atendimento e de execução dos
serviços. Tudo isso se impõe neste século XXI. Quem não entender, ou
não se adaptar, não sobreviverá.
Tal qual o cocheiro de carruagens, que
só existe em cidades turísticas como peça viva de museu, muitas profissões vão
acabar. Aliás, os arautos do Blockchain apregoam vivamente o fim do tabelião. O
diretor de uma empresa decretou estes dias, aspas: “A questão não é se os
cartórios vão desaparecer, mas quando“. Ele acha que o blockchain vai nos
liquidar. Por isso, montou uma espécie de “cartório digital”, que usa a
tecnologia do blockchain para validação e assinatura de documentos.
De fato, existem novos paradigmas.
Por isso a importância deste encontro. Temos que debater para aonde
seguiremos. Temos que discutir qual será o futuro da nossa profissão
nestes novos tempos.
É inegável a principal característica
desta era: a utilização massiva, permanente e constante da tecnologia. Do
tabelião ao médico, passando pelo professor, pelo advogado e por tantos outros
profissionais, todos haveremos de trabalhar com os meios eletrônicos.
Nós, tabeliães, haveremos de verificar a identidade remotamente; de oferecer
uma plataforma de serviços online; de receber a assinatura digital e de
autenticar fatos por aplicativos. São esses os novos tempos que se
impõem.
Neste ano, o secretário-geral das
Nações Unidas, Antonio Guterres, apresentou o relatório “A Era da
Interdependência Digital”, no qual indica que há uma crescente interdependência
global de todos os países e organismos. Creio que também nos microcosmos
sociais isso acontece.
As tecnologias digitais nos obrigam a
uma interdependência entre todos nós, notários, com os órgãos de governo,
registradores e alguns stakeholders privados. Para que possamos dominar os
meios tecnológicos e acompanhar a sua evolução, temos que reconhecer esta interdependência e reforçar
a nossa união. Temos que nos conectar em uma só plataforma de atendimento.
Para isso, devemos estabelecer
um padrão para os atos notariais digitais, uma planilha de dados que,
antes da leitura humana, é destinada ao tráfego eletrônico e à cognição e
processamento por uma máquina. Da gênese e sintaxe do ato, para a sua
indexação, distribuição, publicidade e armazenamento perpétuo, seguro, sem a
invasão de hackers.
A padronização tem também a vantagem
de destacar os contratos despadronizados. Claro, tudo que não estiver nos
modelos previstos, merece um olhar atento e será separado. Também aí se
destacará a atuação notarial, pois neste caso os operadores saberão que foi
necessária uma ação exclusiva e que mobilizou o tabelião a produzir um
documento único.
O padrão será uma amarra? O fim da
autonomia profissional? Não. Lembrem-se, o padrão está na nossa gênese. Nós
surgimos, crescemos e nos fortalecemos com o “Saibam todos quantos virem esta
escritura pública”, com o “Dou fé”. As minutas forjaram e consagraram o nosso
corpo. Os homens e mulheres da lei e dos negócios as entendem. As pessoas do
povo, igualmente, reconhecem o valor do instrumento notarial.
Os padrões são também queridos pelo
“mercado”, pois são um atalho para a eficiência e produtividade. Eles
possibilitam o tráfego de milhares de contratos, sua qualificação agrupada e
estratificada, economizam tempo e processos. E isto, claro, fica bem no balanço
anual.
Neste mundo de máquinas
hiperconectadas em constante mutação, nós, leigos em tecnologia, necessitamos
de apoio, de um permanente ensino desta evolução. Eu, vocês, nós não sabemos
como operam os programas de informática. Eu tenho até um pouco de medo de
programas estranhos.
Com a atenção e o apoio de uma
equipe especializada mantida pelo Colégio Notarial do Brasil, todos os
tabeliães ficam guarnecidos, podendo operar com tranquilidade no ambiente
virtual. Nuvem? Vírus? Hackers? Blockchain? Fica tudo dominado. Esta é a
importância da nossa união para a construção de um novo tabelião.
Este mundo interdependente vive
da integração e interoperabilidade de sistemas. Um tabelião sozinho não
possui toda a informação que o mercado necessita. A nossa Central Notarial de
Atos, contendo os índices de todos os tabeliães, presta grande valor a esta
sociedade que necessita de informação qualificada e segura. A interoperabilidade
permite que estas informações sejam automatizadas e praticamente instantâneas.
A nova sociedade não espera dias. Se não tivermos interoperabilidade, uma
empresa privada ocupará o nosso espaço.
O avanço a este futuro não é fácil,
causa medo e angústia.
Por isso, o Colégio Notarial do
Brasil assume a responsabilidade de criar estes novos processos. De
nossos estudos e debates – da prudência notarial – virão as soluções.
Nossa primeira preocupação é construir
uma operação equânime, justa para todos. Nós temos que evitar a
monopolização de grandes tabeliães ou, pior, a concentração de grandes
corporações privadas em alguns poucos notários, que certamente estarão
subservientes a elas.
Por isso, acreditamos que este futuro
deva contemplar o tabelião comunitário, aquele que age em seu município e
tem o contato direto e a confiança da população. Nossa capacidade de
aconselhamento, olho no olho, com a energia humana que a máquina jamais terá,
deve ser preservada e estimulada como um ativo valiosíssimo de nossa profissão.
Seguiremos nesta linha. Nós estamos
trabalhando fortemente para que o notariado brasileiro não fique à margem dos
avanços tecnológicos. Nós arregaçamos as mangas e já demos os primeiros passos
para transformar a nossa atividade.
Após um amplo debate com todas as 24
seccionais que compõem o Colégio Notarial do Brasil, e que integram os 8.823
tabeliães brasileiros, fixamos os princípios para a criação do e-Notariado,
a nossa plataforma de serviços integrados na internet. Neste espaço, iremos
incluindo todos os atos notariais, que serão oferecidos pelos tabeliães aos
usuários.
Em princípio, devemos dominar as
técnicas de assinatura digital e manifestação de vontade através
da biometria.
Para isso, desenvolvemos duas ações.
Primeiro, criamos a nossa Autoridade Certificadora e-Notariado.
Desenvolvemos a tecnologia. O programa é de nossa entidade, de todos nós, para
que possamos oferecer a todos os tabeliães que, por sua vez, irão fornecer o
certificado digital a cada cidadão e empresa brasileira.
Notem: não seremos mais revendedores
de empresas privadas. A tecnologia é nossa. Neste mês, já solicitamos ao ITI,
Instituto de Tecnologia da Informação, o nosso credenciamento na ICP-Brasil. O
certificado digital notarial fica no smartphone: você aponta o celular para o
documento e o assina em meio digital.
Todos nós já manifestamos a nossa
vontade com a biometria, seja para destravar o celular, para baixar um
programa, para fazer uma operação financeira no banco. Nós acreditamos que, num
futuro próximo, todas as manifestações de vontade ocorrerão pela
biometria. Por isso, fizemos uma parceria com o Serpro e iniciaremos a coleta
dos dados biométricos para podermos autenticar a biometria aposta em
contratos. Igualmente, a tecnologia é nossa e nos permite construir
ferramentas sob medida para a atividade notarial.
Este mês, iniciamos a operação-piloto
do módulo de identificação de pessoas, contemplando a validação de dados
biográficos e biométricos com a base do Denatran. Cada tabelião poderá
consultar a base. Este serviço evitará fraudes de identidade, melhorando a
segurança e eficácia de nossos atos.
O e-Notariado também já tem a
sua plataforma de contratação, na qual serão feitas as escrituras
públicas. Com domínio de toda a inteligência do processo e do sistema, o CNB já
testa a plataforma no Distrito Federal com o apoio de todos os tabeliães de lá.
A construtora ingressa com o certificado digital e oferece seu instrumento
particular para assinaturas dos compradores. Estão sendo construídos fluxos
para o documento circular entre os contratantes, atendendo as necessidades do
mercado imobiliário em transformação.
Também já está pronto o módulo de
lavratura de atas notariais, sendo testado em modelo-piloto com um tabelião de
Santa Catarina. Até o fim do ano deveremos ter sistemas para emitir procurações
e certidões.
E o blockchain? O blockchain vai nos
matar, como disse aquele diretor tecnológico?
Não. O que poderá nos matar é a
inação, é ficarmos presos aos livros e canetas, aos papéis
desnecessários. O blockchain é uma ferramenta e nós já estamos trabalhando com
ela. O CNB criou o Notarchain, uma rede exclusiva de notários na qual
autenticaremos todos os negócios realizados na plataforma do e-Notariado,
agregando segurança tecnológica, transparência e rastreabilidade.
Há mais. Desenvolvemos o backup
em nuvem, para atender a necessidade do tabelião em manter cópia de seus
arquivos. Um sistema com tecnologia nossa, com preço acessível, com interface
amigável e segurança plena para a restauração.
Vocês estão perdidos? É tanta
inovação, é tanta construção, é muita tecnologia. Parece tudo um pouco confuso,
para todos nós. Este é um dos efeitos da inovação.
Por isso, temos investido em
orientação. Inicialmente, criamos o “Manual de Boas Práticas do Ambiente
Tecnológico do Notariado”, que nos orienta a operar em meio eletrônico. Nesta
tarde, enviamos por email a segunda edição deste guia, já aperfeiçoado com os
requisitos do Provimento 74 do CNJ.
No mês que vem, lançaremos o Manual
da LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, que impõe severos critérios para a
captação, utilização, tráfego e armazenamento de dados pessoais. Desde a
abertura da ficha no balcão até a remessa do ato a terceiros, como um
registrador ou um órgão do governo, o posterior armazenamento, todo o estudo se
destina a assegurar a você, tabeliã e tabelião, e aos brasileiros que buscam os
nossos serviços, o máximo respeito e proteção à integridade dos dados.
Desde o início deste ano, estamos
percorrendo o país, apresentando o e-Notariado e ensinando os colegas a nele
operarem. Há manuais de serviço nos próprios aplicativos, temos pessoas no
telefone para resolver as dúvidas e os problemas de todos vocês. O CNB
estrutura-se como uma entidade a seu dispor, a seu favor, para criação do Tabelionato
4.0. Este é o nosso papel.
Quero agora falar de outros aspectos
desta transformação. Deveremos assumir outras atividades de apoio e serviço ao
cidadão.
Já temos a ata notarial de
usucapião que nos possibilita colaborar com a população para a
regularização fundiária formal da propriedade. Recentemente, o jornal Estado de
Minas informou que há 30 milhões de imóveis sem escritura no Brasil.
Esta situação acarreta prejuízos aos proprietários, que não tem o pleno gozo
econômico de seu bem, e enorme perda econômica para o país ao abrir caminho
para a sonegação fiscal, fazendo com que a União, estados e municípios deixem
de arrecadar bilhões em tributos como o IPTU, o ITBI e o Imposto de Renda.
A ata notarial para usucapião é um
serviço ainda incipiente, mas que tende a crescer com nosso estímulo e com a
colaboração com as prefeituras municipais. Esta atuação eleva o novo tabelião a
um colaborador social de imensa relevância.
O apostilamento é outro novo
serviço. Com a globalização, a troca de documentos entre particulares só tende
a crescer. Esta troca tem que ser muito simplificada para que os documentos
públicos tenham eficácia no planeta inteiro.
Em colaboração com o Conselho Nacional
de Justiça, o CNB, junto com a Anoreg e a Arpen, desenvolveu o Programa de
Apostila Eletrônica, que será apresentado no 11º Fórum Internacional, em
Fortaleza, com a presença dos 112 países que integram a Convenção da Apostila
de Haia. O Brasil sedia o evento pela primeira vez e, com o nosso apoio, está
assumindo um protagonismo internacional nesta área.
A terceira e mais importante inovação
que devemos construir é a da conciliação e mediação, prevista pela Lei
13.140, de 2015. Eu sei que muitos de vocês veem com ceticismo este futuro,
talvez não acreditem que a desjudicialização seja uma área para a nossa
atuação.
Eu renovo sempre minha esperança na
conciliação e mediação. Este é o investimento mais promissor que vocês devem
fazer para o futuro de nossa profissão. Temos que planejar esta atuação,
estudar o assunto, treinar nossas equipes.
Devemos usar nossa estrutura para
atuarmos nos métodos alternativos de resolução de conflitos e colaborarmos para
desafogar o Judiciário. A base de emolumentos deve ser buscada e ela deve ser
semelhante aos preços cobrados pelo Poder Judiciário atualmente. Aportaremos soluções
com rapidez, com qualidade, com economia de tempo e dinheiro para os
envolvidos.
Finalmente, uma importante
responsabilidade que os tabeliães devem ter com a sociedade brasileira é colaborar
no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. Esta luta, na qual estamos
iniciando a nossa inserção, é fundamental para que haja um controle da origem
dos ativos que são usados nos negócios que formalizamos em escrituras públicas.
O novo tabelião atua aqui em prol da
sociedade, como um fiscal da licitude dos ativos, como um leão de chácara das
pessoas honestas. Quando alguns tem recursos ilícitos, o sistema fica desigual,
a competição desequilibrada, o desonesto tem vantagens que desestimulam os
honestos. Esta situação aflige a nossa sociedade e nós a percebemos todos os
dias no tabelionato – basta lembrar dos negócios em que as partes fixam valor
inferior ou superior ao preço do bem. Esta situação solapa o próprio Estado de
Direito.
Nós vamos coletar e reunir as
informações de cada tabelião do país, selecionando-as conforme os critérios
indicados pela Unidade de Inteligência Financeira, o antigo COAF, e fornecer às
autoridades um dado qualificado para as investigações.
Quando o Estado brasileiro entender
que nossa função elevará o país a um novo patamar de lisura, de legalidade, de
ética nos negócios e nas relações privadas e de governo, e quando a
população entender isso, vai desejar que todos os atos economicamente
relevantes sejam formalizados por escritura pública. O novo tabelião é
garantia de honestidade para a sociedade brasileira.
Nosso país vive um momento difícil. A
imprensa, e agora as redes sociais, intensificam o embate de ideias, um lado
crucificando o outro, as abjetas Fake News desnorteando a todos nós. Perdemos o
respeito ao outro, ao diálogo, perdemos o interesse nos consensos.
Creio que nós temos que demonstrar à
sociedade que o notariado pode servir ao Brasil também buscando um país melhor,
com diálogo, com possibilidade de crítica fraterna e sóbria, em que se possa
construir a partir deste diálogo uma melhoria de nossa existência.
Este trabalho começa por aqui,
pela participação de todos no Colégio Notarial do Brasil. Uma das grandes
virtudes dos notários é o equilíbrio, a palavra, a força de sua retórica
e experiência. Como profissionais, como brasileiros, temos que colaborar para
que o diálogo e o respeito se restabeleçam, para que cresça a fé nas
instituições, no espírito democrático, no crescimento de todos em decorrência
da busca de acordos.
Ao lado dos colegas registradores
civis e imobiliários, ao lado de suas instituições, devemos trabalhar juntos
para reduzir processos e custos para o cidadão, para colaborar com o Estado em
seus programas sociais, para facilitar a vida de cada brasileiro.
O notariado é essencialmente correto e
justo. Nós nascemos para autenticar documentos, dar fé aos negócios privados,
ser olho atento do Estado na legalidade, equilíbrio dos negócios e recolhimento
dos tributos devidos. Desde sempre, fomos o avanço civilizatório.
Assim seguiremos no meio digital: um notariado apto a trabalhar pela segurança
de cada pessoa, aportando valor e crescimento econômico para toda a sociedade
brasileira.
Um excelente Congresso a todos nós!
Muito obrigado!
Paulo Roberto Gaiger Ferreira
Presidente do Colégio Notarial do
Brasil – Conselho Federal
Fonte:
CNB/CF