“Doação como antecipação de
herança e colação: aspectos jurídicos controvertidos” é um dos artigos de
destaque na 35ª edição da Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões. De autoria dos
advogados e professores Miguel Borghezan e Tânia Mara Sakamoto Borghezan, o
texto aborda essas situações problemáticas no âmbito do Direito Sucessório.
Segundo os autores, é prática
comum por parte de pais, por exemplo, a compra de um imóvel em nome de certo
filho ou filhos, buscando conferir segurança com antecipação patrimonial. Na
análise, eles não perdem de vista as cláusulas de incomunicabilidade,
impenhorabilidade e inalienabilidade vitalícia frequentes em casos desta ordem.
Entre os pontos controversos da
doação como antecipação de herança, a autora Tânia Borghezan destaca que a
metade do patrimônio líquido do autor da herança constitui a legítima dos
herdeiros necessários, enquanto a outra metade chama-se de parte disponível
(artigos 1.845 e 1.846 CC).
“Essa parte disponível pode ser
doada sem constituir antecipação de herança (art. 2.006 CC), mas o doador
precisa assim dizer no instrumento da doação. Se não disser, será considerada
como antecipação de herança (art. 544 CC). Nesse cenário, esclarecer os
interessados é medida de grandeza jurídica, tendente a favorecer e promover
justiça sucessória”, ressalta.
Colação visa a igualdade entre
herdeiros de mesma classe
Segundo Miguel Borghezan, a possibilidade
de doação não compromete o princípio da igualdade entre os filhos. “Os pais
podem, querendo, antecipar parte da herança a certo filho por doação (art. 544,
CC), que será chamada à colação para igualar as legítimas, nos termos do art.
2.003 do Código Civil”, explica o advogado.
Tânia explica que a colação é
dever legal do herdeiro donatário nas doações feitas como antecipação de
herança, para igualar o valor das legítimas dentro da sucessão (art. 2.002 CC).
“É dispensada a colação do valor
da doação que sair da parte disponível do doador, ainda que feita a herdeiro
legítimo, se assim ele o disser no ato escrito da liberalidade (arts. 1.849,
2.005 e 2.006 CC). Somente quando a doação for inoficiosa (art. 549 CC), faz-se
a devolução ao monte-mor, pelo donatário, do valor que exceder a parte
disponível”, aponta a advogada.
“Essa aferição pode não invalidar
o ato da doação, mas fica a obrigação protraída para a ocasião da abertura da
sucessão do doador, quando será verificada eventual inoficiosidade. A parte
inoficiosa não será objeto da colação, mas de restituição ao monte-mor, ao
patrimônio do doador falecido, pois houve nulidade nesta parte da liberalidade
(art. 549 CC), que faz retornar o excesso ilegal ao patrimônio do então
doador”, esclarece.
Pagamento do imposto causa
mortis em colação
“A colação será da metade do
valor antecipado em cada inventário dos pais falecidos (a meação se dá bem por
bem: art. 2.012 CC). Ao assim dispor, os pais pagam o imposto sobre doação no
valor de 4% (quatro por cento) sobre o valor do bem doado”, acrescenta Miguel.
Os autores discordam da exigência
de pagamento do imposto causa mortis no caso de colação. “Ao nosso sentir, essa
medida é ilegal, pois o tributo já foi pago por ocasião da doação, em tudo
válida e legal. Por que novo pagamento de imposto se não há nova circulação
econômica na colação?”, indaga Miguel.
“Aqui impõe-se ponderar para
evitar o excesso de exação, visto descaber novo imposto onde inexiste nova
circulação econômica, e o ato jurídico praticado é em tudo perfeito e acabado.
O bem já foi transferido em vida, e não poderá mais sê-lo pela morte, pelo
simples fato de não integrar, de não estar mais na propriedade ou posse de
qualquer dos pais ao tempo da morte”, defende o jurista.
“A colação é operação aritmética
feita em valor no inventário, e não em substância, para equiparar as legítimas
dos herdeiros necessários. Por ela não se transfere outra vez a herança, razão
porque não é devido imposto causa mortis sobre o valor colacionado”, completa.
Vontade expressa do autor da
herança
Para Miguel, a divisão da herança
deve apresentar consonância entre a compreensão pessoal do autor e o respeito à
lei. O Direito Sucessório não considera unicamente a vontade expressa do autor
da herança ou da doação. No Brasil, ao menos metade dos seus bens devem ser
destinados aos herdeiros necessários.
“Nos países de cultura
anglo-saxônica cultivou-se o hábito de não haver resguardo de herança
obrigatória, dita legítima, para os filhos. Lá os titulares podem dispor livremente
de todos os bens por testamento, o que não é possível no Brasil em razão da
regra do art. 1.846 do Código Civil. Entre nós isto não é possível por
restrições legais e culturais”, observa o advogado.
“Resguardada a legítima dos
herdeiros necessários, qualquer dos pais pode atribuir a parte disponível a
quem quiser, inclusive a filhos, decidindo de modo expresso, neste caso, se a
doação constituirá ou não regular antecipação de herança (art. 2.006 CC)”,
atenta Miguel.
“A doação em vida e o testamento
devem ser incentivados para evitar litígios sucessórios nos inventários. Nesse
âmbito, o decidido pelos autores da herança, respeitada a legítima, já está
resolvido na sucessão causa mortis.”
Casamento e união estável
Ainda entre as controvérsias
relacionadas à sucessão no Brasil, Miguel fala sobre o entendimento do
companheiro como herdeiro necessário em razão dos efeitos jurídicos ampliados
do julgamento do Recurso Extraordinário nº 646.721, pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal - STF (Diário de Justiça da União de 21 de setembro de 2017).
“É sabido que o Direito
Sucessório interpreta-se estritamente, mas não nos parece razoável retirar do
companheiro parte da proteção jurídica que o STF lhe concedeu. Se a sucessão do
companheiro igualou-se a do cônjuge, parece-nos de rigor incluí-lo também no
rol dos herdeiros necessários”, defende o advogado.
Ainda que cônjuges e companheiros
não sejam iguais perante a lei, ele ressalta que, em relação aos efeitos
sucessórios, a equidade deve ser assegurada.
“No fundo, os efeitos sucessórios
de cônjuges e companheiros, mais do que providência restrita às causas que
ensejaram o julgamento histórico do STF, passaram a ser também medida de
direito na comunhão plena de vida que, tal qual ocorreu em relação aos filhos,
direciona a interpretação como faróis ético-jurídicos”, observa o jurista.
Lacunas no Direito Sucessório
Tânia nota evoluções no Direito
Sucessório brasileiro nos últimos anos, mas aponta medidas ainda necessárias
para tratar tais questões. “Entre as principais medidas que precisam ser
encorajadas está a partilha em vida (art. 2.018 CC), por favorecer o que
chamamos de justiça sucessória”, atenta.
“Ninguém melhor do que os pais
têm capacidade de atribuir o patrimônio na linha sucessória com especial
sentimento pessoal e familiar. Também quero realçar a função substancial do
testamento, pouco utilizado no Brasil, mas importante para a sucessão”, opina a
advogada.
“Não apenas as questões
patrimoniais, mas também as existenciais podem ser previstas e estabelecidas em
testamento, evitando problemas com a administração em caso de incapacidade,
sofrimento e dor”, acrescenta.
Nesta área, ela destaca estudos
valorosos de Zeno Veloso e Ana Luíza Maia Nevares, diretores nacionais do
IBDFAM. “Estou convencida de que temos no IBDFAM um ambiente extraordinário
para debater essas questões maiores, que servem para conferir respeito e
dignidade às pessoas durante a vida e, também, após a morte”, assinala Tânia.
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Fonte: IBDFAM