Quase todos nós, ocupados, experimentamos a sensação de que
o tempo voa, aceleradamente. Contudo, tal percepção não vem da quantidade de
afazeres - de lazer ou de trabalho - ou dos problemas que enfrentamos no
dia-a-dia. A culpa é, simplesmente, da nossa idade. Enquanto envelhecemos, o
ano vai representando um pedaço cada vez menor da vida. Para uma criança de 5
anos, o período que passou foi 1/5 do que ela viveu. Para alguém de 50 anos,
apenas 2%. Nesse contexto, 2019 se esvaiu mais rápido para uns que para outros.
Mas a verdade é que os fatos foram os mesmos, e foram muitos! O que houve de
mais significativo no Direito Imobiliário? É preciso destacar algumas
novidades.
Comecemos pela Medida Provisória que instituiu a Declaração
de Direitos de Liberdade Econômica. A fim de estabelecer garantias de livre
mercado, o governo federal editou, em abril, a MP 881, deixando a coletividade
jurídica em ebulição. O texto sofreu ajustes no Congresso Nacional, que a
converteu, em agosto, na Lei 13.874 (sancionada em setembro). A revisão, se não
eliminou, reduziu em parte a grande polêmica que a envolvia. Será que veremos
sensíveis mudanças nos contratos imobiliários, ou as novas regras,
no fundo, apenas explicitam o que já decorria do sistema?
Enquanto se discutia a MP 881, chegou a Lei 13.709,
alterando a LGPD, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.853/18), e
criando, com efeito imediato, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o
Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade. Em agosto de
2020, ao entrarem em vigor (se não houver adiamento), as novas regras terão
imenso impacto sobre empreendedores e empresas imobiliárias em geral com
relação à coleta e tratamento de dados. Nem mesmo os escritórios de advocacia
escaparão da sua abrangência.
Ainda em agosto entrou em vigor a Lei 13.867, que prevê a
mediação e arbitragem em desapropriações. Agora, o poder público deve notificar
o proprietário, com oferta de indenização, contendo: (i) o ato de declaração de
utilidade pública; (ii) planta ou descrição do imóvel e (iii) valor da oferta e
prazo de 15 dias para aceitação, valendo o silêncio como rejeição. Em caso de
silêncio ou rejeição, e ajuizada a ação, o particular poderá optar pela
mediação ou arbitragem, escolhendo um dos órgãos ou instituições previamente
cadastradas pelo ente desapropriante.
Um fato triste é preciso relembrar: em 26 de agosto, faleceu
o ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior. Atuando no Superior Tribunal de Justiça
por cerca de 10 anos (1994-2003), o ministro relatou importantes acórdãos que
ajudaram a construir a atual jurisprudência do tribunal sobre Direito
Imobiliário. Shopping center, hipoteca, condomínio edilício, fraude à execução,
arrendamento rural, adjudicação compulsória, ações possessórias,
reivindicatória, locação e financiamento imobiliário são apenas alguns dos
inúmeros temas para os quais o ministro Ruy Rosado, gaúcho, emprestou sua
inteligência, reconhecida por consenso na comunidade jurídica.
No âmbito da Reurb, a Lei 13.865 trouxe medida de estímulo à
regularização de imóveis urbanos de baixa renda. A 6.015/73 ganhou o art.
247-A, que dispensa o habite-se para a averbação de construção residencial
urbana unifamiliar, desde que a edificação não tenha mais de um pavimento,
tenha sido finalizada há mais de 5 anos e esteja em área ocupada
predominantemente por população de baixa renda. A dispensa vale inclusive para
fins de financiamento à moradia.
Nos negócios imobiliários celebrados por meio de escritura
pública ou sujeitos a registro, causa impacto o Provimento 88 do Conselho
Nacional de Justiça, de 1º de outubro. Os cartórios passarão a informar à UIF,
antigo COAF, operações suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao
terrorismo. O Provimento considera suspeitos uma amplíssima gama de atos, tais
como: (i) compra e venda com pagamento por nota promissória acima de R$ 30 mil;
(ii) atos envolvendo sociedades offshore e paraísos fiscais;
(iii) aquisição e alienação de imóvel, em curto período, com ganho de capital
igual ou superior a 50%; e (iv) outorga de procuração com amplos poderes.
O STJ também teve um ano impactante para o Direito
Imobiliário, julgando, no regime dos recursos especiais repetitivos, 4 temas
sobre incorporação imobiliária, cujos resultados devem ser observados pelos tribunais estaduais, uniformizando a
jurisprudência no país. São eles:
Além disso, o STJ publicou 12 teses consolidadas sobre
Direito Imobiliário, envolvendo usucapião (4), competência (2), direito real de
habitação (2), legitimidade ativa (1), litisconsórcio (1), débitos condominiais
(1) e ação de preferência do locatário (1).
Já em dezembro, o governo federal editou a Medida Provisória
910, com mudanças nas regras sobre regularização fundiária das ocupações
em áreas da União ou do Incra. Chama atenção a inserção do §17 no art. 213 da
Lei de Registros Públicos (6.015/73): na retificação de registro de imóvel
rural, como a planta passa pelo INCRA, passam a ser dispensadas as assinaturas
dos confrontantes, que são supridas por declaração do requerente de que
respeitou os limites e as confrontações. Na verdade, a MP 910 apenas
estendeu à retificação de registro o que já se aplicava ao desmembramento,
parcelamento e remembramento com georreferenciamento, pois a Lei nº 13.838,
também de 2019 (reforçada pela Recomendação nº 41 do CNJ, de 2 de julho), já
previa, para tais hipóteses, a mesma dispensa.
Fechando, finalmente, o agitado ano, o Congresso Nacional
rejeitou o veto presidencial que havia rejeitado alterações nas regras do
regime especial de tributação (RET). Com o veto, o projeto virará lei, e trará
importante regras de tributação no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, e
deixando claro que o RET vigora até o recebimento integral das vendas das
unidades da incorporação com patrimônio de afetação, trazendo mais segurança jurídica.
Eis o principal. O que nos espera para 2020? No país onde
até o passado é indefinido, uma coisa se pode afirmar com certeza: teremos algo
que nenhum de nós foi capaz de prever. Que pelo menos a surpresa seja boa!
Fonte: ConJur