O Dia Internacional da Proteção de Dados é
comemorado em 28 de janeiro por uma decisão do Conselho Europeu, em referência
ao dia em que o primeiro instrumento transnacional, com força vinculante, a
tratar da proteção de dados como objeto de tutela foi assinado (Convenção 108,
de 1981).
Assim, em uma data tão simbólica, trazemos luz às
discussões relevantes sobre o tema, especialmente no ano em que a norma
brasileira a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13 709/2018 ou LGPD) entrará
em vigor previsto / que a norma brasileira, a Lei Geral de Proteção de Dados
(Lei 13.709/2018 ou LGPD) entrará em vigor, previsto para acontecer em 16 de
agosto.
Na medida em que a vigência da lei se aproxima,
muitas organizações ainda se perguntam: como adequar o meu negócio à Lei Geral
de Proteção de Dados? Em outras palavras, o que fazer para garantir que minha
organização seja capaz de respeitar todos os princípios, cumprir todas as
obrigações e atender a todos os direitos previstos na LGPD?
O objetivo deste texto é justamente compartilhar
nossa visão e metodologia, de forma condensada, bem como o caminho que
entendemos mais eficiente rumo a essa tão alardeada e relevante adequação.
Para nós, escritório fundado em 1997 já
especializado em Direito Digital, era natural o entendimento da relevância do
tema, de forma que há anos auxiliamos empresas na mitigação de riscos
relacionados à privacidade e proteção de dados, muito baseado na experiência do
exterior, principalmente Europa, continente berço das discussões e normativas
sobre o tema (não é por acaso que o Dia Internacional de Proteção de Dados
criado pelo Conselho Europeu é comemorada no mundo todo).
Foi nesse contexto, apoiando organizações a se
adequarem à regulamentação europeia de proteção de dados (General Data
Protection Regulation) e já sabendo que a nossa futura Lei Geral de Proteção de
Dados (LGPD) seria inspirada nela, pois inclusive contribuímos legislativamente
desde o início da sua construção, que nos inspiramos nas melhores práticas já
utilizadas para a adequação ao GDPR visando aplicar uma abordagem condizente
com a realidade das organizações brasileiras em sua busca pela conformidade.
Neste sentido, a primeira constatação foi a de
que a organização precisaria conhecer suas atividades de tratamento de dados
pessoais e o papel delas dentro de cada modelo de negócio. Primeiro, porque o
artigo 37 da LGPD traz essa obrigação, e depois, porque a lógica de fato sugere
que para tratar dados de forma lícita, é preciso saber quais são esses dados,
onde eles estão e para o que eles servem.
Assim, a tendência inicial, foi identificar e
analisar todos os processos que envolviam dados pessoais, para então, apontar
quais seriam suas inconsistências perante à LGPD, isto é, o que precisaria ser
mudado para que aquele processo que envolvia um dado pessoal estivesse adequado
à referida lei. Essa lógica não está errada, muito pelo contrário. Contudo, o
denominado data mapping deve ser utilizado de forma estratégica ao longo da
adequação. Isto porque os processos mudam o tempo todo, ou seja, uma
inconsistência identificada hoje, pode não existir mais amanhã.
Por exemplo, se forem identificadas três
inconsistências para cada processo, em uma organização que tenha 300 atividades
de tratamento de dados (uma média razoável quando se olha para os processos
macro), deverão ser corrigidos um total de 900 inconsistências.
Na prática, não é razoável criar 900 planos de
ação que precisarão ser endereçados no curto espaço de tempo que temos até
agosto de 2020. Além disso, esta abordagem não é sustentável a longo prazo,
posto que sempre seria necessário buscar estas inconsistências a cada mudança
ou criação de um novo processo.
Assim, analisamos profundamente as boas práticas
de governança implantadas internacionalmente, incorporando-as em nossa jornada
de adequação e passamos a utilizar uma abordagem voltada ao panorama macro: a
criação de um programa de compliance em proteção de dados.
Um programa de compliance é fundado em:
engajamento da liderança (tone at the top); mecanismos de resposta e
investigação a inconsistências legais; uma função ou equipe de compliance para
gerir e monitorar o programa; responsabilização e prestação de contas
(accountability); entre outros pontos que, inclusive, encontram respaldo na
própria LGPD, quando esta encoraja a implantação de boas práticas de governança
(art. 50, §2º).
Sobre a base de compliance, seria necessário
inserir as especificidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados. Assim,
inspirados também nos principais frameworks de privacidade empregados mundo
afora, criamos um framework especialmente customizado para atender aos
requisitos da LGPD.
Desta forma, as regras de privacidade da
organização são criadas em conexão com a própria governança corporativa,
irradiando orgânica e construtivamente nas atividades de tratamento de dados
pessoais, posto que as regras devem ser seguidas por todos os colaboradores,
que são a 1ª linha de defesa de uma organização.
Este framework é composto por 11 pilares e cada
um deles visa atender uma necessidade prevista, direta ou indiretamente, pela
LGPD. São eles:
1. Gestão e Governança – Avalia-se a existência
de uma estrutura que garanta o accountability do Programa de Privacidade, bem
como o posicionamento do Encarregado e engajamento da liderança.
2. Coleta, Uso e Armazenamento – O mais
abrangente dos pilares, onde é entendido os controles que a organização possui
(políticas, processos, procedimentos etc.) para que os principais pontos do
ciclo de vida do dado sejam executados dentro das regras previstas em Lei. Por
exemplo, é neste pilar que identificamos se as atividades de tratamento de
dados possuem uma base legal adequada e se é atribuída (e observada) uma
finalidade para o uso destes dados.
3. Transparência – Os titulares de dados precisam
saber o que é feito com seus dados pessoais. Neste pilar, avaliase a existência
de mecanismos internos para identificar se a organização é suficientemente
transparente com o titular do dado. Entra aqui também entender se os Avisos de
Privacidade preenchem todos os requisitos legais.
4. Consentimento – Caso a organização utilize
consentimento para tratar dados pessoais, deve-se garantir que todos os
requisitos dessa base legal da LGPD sejam cumpridos (ser livre, informado e
inequívoco). Além disso, a organização deve garantir controles para gerenciar a
opção dos titulares – concessão ou revogação do consentimento.
5. Exercícios de Direitos do Titular – A
organização deve possuir processos internos para garantir que os titulares
sejam atendidos corretamente suas requisições, como possibilidade de revogação
de consentimento, e de forma a não expor dados de terceiros nem segredos de
negócio.
6. Compartilhamento – Avalia-se a existências de
políticas e procedimentos que garantam que, ao compartilhar dados com terceiros
(dentro ou fora do Brasil), estes sejam validados previamente e que
salvaguardas técnicas e contratuais sejam impostas para evitar tratamento
indevido destes dados.
7. Segurança – Os dados devem ser tratados de
forma segura, portanto, a organização deve possuir um programa de segurança da
informação que garante a aplicação das medidas de segurança necessárias,
alinhadas aos riscos identificados e implementadas desde a concepção de novos
produtos, serviços, processos etc.
8. Resposta a Incidentes – Não basta proteger o
dado, deve-se estar preparado no caso de algum incidente (por / exemplo,
vazamento de dados). Aqui, é entendido o nível de prontidão da organização para
a resposta de um incidente.
9. Monitoramento – Como todo bom programa de
compliance, é necessário monitorar se todas as regras, políticas, processos,
procedimentos etc., estão sendo observados na prática. Além de identificar
inconsistências – e poder agir para que estas não ocorram novamente – o
monitoramento pode gerar indicadores que auxiliam na gestão do Programa de
Privacidade.
10. Avaliação de Risco – É impossível olhar para
todos os pontos ao mesmo tempo, principalmente, sabendo que recursos são
limitados e devemos utilizá-lo com inteligência. Por isso, neste ponto
identifica-se a existência de uma prática periódica de avaliação de riscos de
privacidade e se essa avaliação é utilizada para direcionar as prioridades do
Programa de Privacidade.
11. Treinamento e Comunicação – A criação de uma
cultura de privacidade é indispensável para que todos os colaboradores sejam
agentes de privacidade e ajudem a organização a estar em conformidade.
Avalia-se aqui a existência de um plano de treinamento e comunicação que esteja
alinhado à política corporativa de privacidade e proteção de dados.
Para cada um deste pilares, são avaliados dezenas
de critérios e para cada um deles é determinado o nível de maturidade com a
LGPD, da seguinte forma:
·
Inexistente
·
Insuficiente
·
Em construção
·
Implementado
·
Otimizado
Ao avaliarmos a maturidade da
organização com base nestes pilares, conseguimos traçar tanto os planos de ação
que precisarão ser endereçados para que se alcance um nível adequado de
conformidade como identificar onde estão os principais riscos. Essa análise é
feita utilizando-se também dos insumos do mapeamento.
Mediante a avaliação da
organização e com base no framework, identificamos não só o que precisa ser
feito para se adequar à LGPD, mas também o racional de priorização,
concentrando esforços no que é importante e deixando para um segundo momento o
que apresenta baixo risco, tanto para a organização, como, principalmente, para
os titulares de dados.
Continuando a jornada de
adequação, é estruturado o Programa de Privacidade e Proteção de Dados através
da definição da estrutura de governança (DPO, Comitê de Privacidade, alçadas de
decisão etc.) e desenho das políticas e procedimentos internos. Nesta etapa,
identificamos que o Data Protection Officer é fundamental para que o Programa
de Privacidade seja, de fato, incorporado ao dia a dia da organização.
Considerando a falta de disponibilidade deste
profissional no mercado e a dificuldade de capacitar um colaborador no prazo e
com o nível de conhecimento necessários, uma possibilidade que tem sido cada
vez mais empregada é a contratação do DPO as a Service, nada mais do que a
terceirização desta função.
A etapa final desta jornada de
adequação consiste em refazer o diagnóstico inicial, reavaliando a maturidade
da organização com base em nosso framework, mapeando eventuais pontos ainda não
endereçados.
O fim do projeto de adequação
à LGPD significa apenas o início do trabalho de manter a consistência e a
observância prática do Programa de Privacidade e Proteção de Dados, normalmente
a principal atribuição do DPO, que pode contar com auxílio de softwares de gestão,
além do apoio contínuo do time de segurança da informação.
Quanto ao mapeamento de dados
entendemos que este continua sendo extremamente relevante, quando usado
estrategicamente, ou seja, sendo considerado no contexto de um programa de
compliance e não apenas como instrumento para correção de inconsistências de
processo. Para ilustrar o raciocínio, apresentamos quatro exemplos de como usar
o mapeamento de forma inteligente num projeto de adequação:
a) Para atribuição de riscos:
o mapeamento fornece elementos quantitativos para uma atribuição de risco mais
precisa, especialmente porque revela o volume de dados utilizados numa
operação, a existência de dados sensíveis, de crianças etc.;
b) Para garantir maior e
melhor transparência: o conhecimento dos processos que envolvem dados pessoais
possibilita à organização estruturar sua comunicação e avisos de privacidade de
forma mais completa e assertiva.
c) Para atendimento ao direito
de confirmação de tratamento e direito de acesso: Saber quais são os dados pessoais,
bem como eles são utilizados pela organização facilita o atendimento ao direito
do titular de confirmar que suas informações são objeto de tratamento, bem como
ao direito de acesso desse titular a essas informações; e
d) Para atribuição de uma base
legal: só é possível realizar uma operação de tratamento de dados pessoais, se
essa operação estiver justificada em uma das bases legais dos artigos 7º e 11º
da LGPD. De forma resumida, nossa metodologia implica em:
I. Conhecer as principais
atividades que envolvem tratamento dados pessoais de uma organização (data
mapping);
II. Criar um sistema de
compliance (que chamamos de Programa de Privacidade e Proteção de Dados);
III. Ancorar as regras
previstas pela LGPD em políticas, procedimentos e processos internos;
IV. Avaliar a maturidade da
organização em relação ao Programa de Privacidade e Proteção de Dados que deve
ser criado, para desenvolver planos de ação e identificar os pontos mais
críticos;
V. Avaliar os riscos de
privacidade para priorizar os planos de ação e concentrar recursos onde é mais
importante;
VI. Estruturar o Programa de
Privacidade e Proteção de Dados;
VII. Iniciar a atuação do Data
Protection Officer;
VIII. Conduzir uma revisão
final do nível de maturidade da organização em relação ao framework proposto; e
IX. Dar continuidade ao
Programa, garantindo sua aplicação prática e consistente, envolvendo ou não o
uso de ferramentas de gestão.
Como mensagem final,
relembramos que, em nosso entendimento, nenhum programa de compliance é infalível
e risco zero é impraticável. Devemos ter em mente que, se já não o era antes,
com a regulação do uso de dados pessoais, qualquer atividade que envolva o
tratamento deste tipo de informação passou a ser uma atividade de risco.
Portanto, o objetivo de um Programa de Privacidade é reduzir este risco ao
mínimo possível, não necessariamente eliminá-lo completamente.
* Rony Vainzof, Caio Lima,
Henrique Fabretti e Tiago Furtado, advogados do Opice Blum, Bruno, Abrusio e
Vainzof Advogados Associados
Fonte: Estadão