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Sentença proferida na Comarca de Cerro Largo versando sobre o ISSQN

PROCESSO Nº 043/1.09.0001938-5
AÇÃO: Mandado de Segurança
PARTE AUTORA: Adriano Fioravanti Reisdorfer
PARTE RÉ: Secretário da Fazenda do Município de Roque GonzalesJUÍZA PROLATORA: Rosmeri Oesterreich Krüger
Vara Judicial – Comarca de Cerro Largo

SENTENÇA

I – Relatório.
Adriano Fioravanti Reisdorfer, qualificado na inicial, impetrou o presente Mandado de Segurança com pedido liminar em face do Secretário da Fazenda do Município de Roque Gonzales, ambos qualificados na inicial. Sustentou, em síntese, que a tributação do ISSQN do profissional pessoa física deve ser realizada por valor fixo, por profissional, calculado segundo os parâmetros do § 1º, do artigo 9º do Decreto-Lei n. 406/68, cuja redação foi mantida com a entrada em vigor da LC 116/03, e não mediante base de cálculo formatada pelo faturamento do profissional. Em sede de liminar, postulou provimento judicial que determinasse ao impetrado que se abstivesse de efetuar o lançamento do ISSQN sob a alíquota variável ou ‘ad valorem’, calculada com base no preço dos serviços prestados pelo impetrante. Requereu, ao final, a concessão da segurança. Com a inicial juntou procuração e documentos (fls. 20/102).
Indeferida a liminar (fls. 103/104).
O impetrante agravou de instrumento da decisão que indeferiu a liminar (fls. 109/122), e a decisão liminar foi mantida pelo Juízo (fl. 123).
Notificada (fl. 106), a autoridade coatora prestou informações (fls. 124/131). Disse, em suma, que o STF, em 13 de fevereiro de 2008, julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.089-3, e entendeu pela legalidade do disposto nos itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar n. 116/2003, reproduzida na Lei Municipal n. 1.645/2003, e que regulamenta o ISSQN no Município de Roque Gonzales. Sustentou que o Município, ao cadastrar o impetrante como contribuinte do ISS, observou a definição legal prevista na lista anexa da Lei Complementar que autoriza a imposição do ISS aos serviços notariais. Acostou procuração (fl. 132).
O Ministério Público ofertou parecer pela concessão da ordem (fls. 133/140).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o breve relatório. Decido.

II – Fundamentação.
Com a devida vênia ao Juiz que me substituiu no feito, entendo que merece prosperar este mandamus, com a concessão da ordem. Vejamos.
O ISS está disciplinado no art. 156, inciso III, da Constituição Federal, com a alteração da Emenda Constitucional n. 03/93, in verbis:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
[...]
§ 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar:
I - fixar as suas alíquotas máximas e mínimas;
II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.
III - regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Conforme o art. 236 da Constituição, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público".
Por sua vez, o art. 3º da Lei n. 8.935/94 disciplinou que:
Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
O art. 156, inciso III, da Constituição Federal confere aos Municípios a competência para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar. Esta lei corresponde à Lei Complementar n. 116/03, editada de conformidade com o art. 146, inciso III, da Lei Maior.
Destaco que a natureza econômica e lucrativa da atividade em questão afasta a aplicação da imunidade recíproca inscrita no art. 150, inc. VI, alínea a, da Constituição Federal.
Alega a parte impetrante que a base de cálculo não pode ser a especificada, mas sim, a resultante da aplicação do Decreto-Lei n. 406/68, art. 9º, § 1º.
Disciplinava o art. 9º, caput: “A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.” Repetiu-se tal preceito no art. 7º da Lei Complementar n° 116/03.
A Lei Complementar n. 116/03, em seu art. 10, estabeleceu:
Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar nº 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei nº 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.
O art. 9º não foi revogado pela Lei Complementar n. 116/03, e dispunha:
Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
[...]
§ 3º. Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da Lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1º, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada ao parágrafo pela Lei Complementar nº 56, de 15.12.1987, DOU 16.12.1987)
O art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no § 5º, previu: “Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3º e 4º”.
Vale lembrar, a propósito, a súmula n. 663 do Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Os §§ 1º e 3º do art. 9º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição”.
A disciplina da Lei Complementar não pode ser modificada pelo ente tributante. Reconhece-se, assim, a relevância da argumentação posta na inicial deste mandamus, pois o tributo está recaindo sobre a receita bruta, mesma base de cálculo do Imposto de Renda.
O ISS deve ser calculado pela aplicação de uma alíquota sobre valores fixos, estabelecidos em função da natureza do serviço ou de outros elementos adequados. A tributação sobre o valor dos serviços implicaria bitributação, considerada a base de cálculo do Imposto de Renda.
Ademais, o ISSQN, cediço, não incide sobre lucro, o que também é deixado ao Imposto de Renda. Para o primeiro, mostra-se irrelevante a existência de lucro, importando, isto sim, que tenha havido prestação de serviços.
Não bastasse isso, a Lei Municipal n. 1.645/2003, é lei ordinária. Embora seja da competência municipal a instituição de impostos sobre serviços de qualquer natureza, na esteira do previsto no art. 156, inc. III, da Constituição Federal, esse mesmo dispositivo atribuiu exclusivamente à lei complementar a definição desses serviços.
Assim, a legislação municipal não pode extrapolar os limites fixados pela lei complementar de que trata o mesmo dispositivo constitucional que lhe atribui a competência tributária, aqui o Decreto-Lei n. 406/68.
Mas a legislação ordinária do Município de Roque Gonzales o fez, conforme artigo 1º, item 21 e item 21.01 da Lei n. 1.645/2003.
No caso, a lei municipal, ao contrariar a lei (materialmente) complementar federal, contraria também a autoridade que lhe confere a Constituição da República.
Dá azo à tese aqui expendida, balizada jurisprudência de nosso Tribunal de Justiça:
DIREITO TRIBUTÁRIO. LC FEDERAL Nº 116/03. SERVIÇOS DE REGISTRADOR PÚBLICO (CARTORÁRIO, NOTARIAL, INCLUSIVE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES): POR SEREM PRESTADOS DE FORMA E RESPONSABILIDADE PESSOAL SUJEITAM-SE AO ISS MEDIANTE APLICAÇÃO DE ALÍQUOTA FIXA, EM VALOR ÚNICO E ANUAL, PORTANTO. 1. Manifestou-se recentemente o Egrégio Supremo Tribunal Federal no sentido de que a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre os serviços dos registradores públicos (cartorários, notariais, inclusive de veículos automotores) é constitucional, sem, contudo, definir o tipo de alíquota aplicável, se ¨fixa¨ ou se ¨variável¨ (¨ad valorem¨). 2. Por sua vez, estabelece o § 1º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, não revogado pela Lei Complementar nº 116/03, que, quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho ¨pessoal do próprio contribuinte¨ o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) será calculado mediante alíquota ¨fixa¨ (em valor anual, certo e definido, legalmente previsto), e não mediante alíquota ¨variável¨ ou ¨ad valorem¨ (consistente num percentual sobre o preço cobrado pelo serviço), aplicável unicamente aos serviços de natureza ¨impessoal¨ (empresarial). 3. Assim, encontrando-se os serviços de registros públicos (tanto cartorários e notariais como de veículos automotores) previstos no subitem 21.01 (¨serviços de registros públicos, cartorários e notariais¨) da Lista de Serviços anexa à LC federal nº 116/03 que, juntamente com o art. 9º do DL nº 406/68 disciplinam a matéria, e sendo tais serviços notoriamente prestados de forma e responsabilidade ¨pessoal¨ pelo próprio titular do serviço, e não sob a forma ¨impessoal¨ (ou empresarial), induvidosamente sujeitam-se eles ao ISS mediante alíquota ¨fixa¨ (em valor anual, certo e definido) e não calculado mediante alíquota ¨variável¨ (percentual aplicável sobre a receita bruta), como previsto no final do ¨caput¨ do art. 9º do citado DL nº 406/68. DECISÃO: Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Reexame Necessário Nº 70026974030, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 11/03/2009) grifei
Nessa esteira, a concessão da ordem é medida que se impõe.

III – Dispositivo.
Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada na inicial para reconhecer o direito do impetrante de recolher o ISSQN na forma fixa, pelo número de profissionais com habilitação, segundo o disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-lei n. 406/68, nos termos da motivação supra.
Incabíveis honorários advocatícios na espécie, consoante entendimento sumulado nos verbetes de n. 512 do Supremo Tribunal Federal e 105 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Custas pelo Município, pessoa de direito público a quem pertence a autoridade coatora, por metade, conforme art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição a teor do disposto no artigo 12, parágrafo único da Lei 1.533/51. Oportunamente, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Oficie-se, com urgência, ao Relator do Agravo de Instrumento n. 70032618670 comunicando esta decisão.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Cerro Largo, em 09 de novembro de 2009.
Rosmeri Oesterreich Krüger, Juíza de Direito.
Fonte: Carlos André Busanello dos Santos - Notário e Registrador em Tapejara.

Nota de responsabilidade

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