Admitir a crise impacta diretamente na confiança do
mercado
Quando um empresário em crise avalia entrar em um processo
de reestruturação, uma preocupação costuma vir à mente: o impacto na imagem -
de sua empresa e de si próprio. Atuo há quase 30 anos com esse tipo de caso e
já vi inúmeras decisões importantes sendo postergadas em nome desse receio. E o
pior: invariavelmente, esses adiamentos só tornam os problemas maiores.
No entanto, a preocupação é pertinente. Admitir a crise -
seja ou não fazendo uso das medidas legais existentes, como recuperação
extrajudicial e judicial - impacta diretamente na confiança do mercado. Por um
lado, os credores serão convidados a renegociar dívidas e muito provavelmente
não ficarão contentes com a ideia. Por outro, os clientes ficarão receosos de uma
descontinuidade nas atividades. Afinal, uma crise é, antes de tudo, uma ameaça
à sobrevivência do negócio.
A empresa precisa ter clareza de que lidará não só com os
problemas econômico-financeiros, mas também com a dimensão reputacional das
dificuldades. Mas o que isso significa? Reputação é o modo como um negócio ou
pessoa é visto ou compreendido pela opinião pública. Em outras palavras:
identidade é o que sua empresa faz, o que está no DNA. Marca é como ela se
coloca em relação ao mercado. E reputação é como o mercado a vê. Formam a
tríade do ser, parecer e ser visto.
Cada vez mais, vivemos em uma economia reputacional, onde a
opinião dos outros a nosso respeito é um capital que se objetiva e acumula.
Basta ver os sistemas de avaliação no Uber, Booking e Airbnb. Companhias também
estão sujeitas a rankings, como o score para financiamento. Nada mais natural,
já que confiança é o motor do mercado de crédito e compõe o núcleo da
reputação. Sua perda é mais um dos desafios que se apresenta aos gestores.
Nesse âmbito da reputação, há diferentes percepções sobre o
que fazemos (a capacidade) e como fazemos (o caráter). Quando não honramos
compromissos, o impacto ocorre diretamente no âmbito do caráter, pois nossa
cultura estigmatiza o inadimplemento. Não raras vezes, a expressão
"recuperação judicial" causa repulsas e calafrios em empresários.
Talvez isso esteja mudando no atual cenário de pandemia.
Isso porque a profundidade e o impacto da crise materializam desafios para
todos, e não apenas para casos isolados. Trata-se de um problema sistêmico. É
evidente que a tolerância aumenta, e o julgamento muda.
Ainda assim, construir uma estratégia de revitalização passa
por uma abordagem que recomponha a imagem. Mas como fazer a gestão da
reputação? O melhor caminho é o da transparência: admitir o problema, comunicar
ao mercado o momento da empresa, quais os desafios e as medidas que estão sendo
tomadas. Mais do que nunca, a verdade liberta - e é fundamental para superar
crises.
Fonte: GE